Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Qual cultura?


“Não me falem em anos de chumbo, aquilo foi piquenique de freiras, os anos de chumbo são hoje, aqui, agora, esta noite. Retire-se a possibilidade de sobrevivência e a vivência – e seu produto que é a cultura - rapidamente desaparece”

Como é que se pode perguntar onde foram parar os intelectuais nos últimos vinte anos, se de lá para cá destruiu-se a base material, logo a humana e ideológica, que produzia cultura?
Se não há projeto de nação? Se não há projeto de vida?
Se não há trabalho nem emprego nem futuro nem esperança?
Se não há estabilidade, apenas precarização?

Salvo, é claro, no caso do digníssimo secretário municipal de cultura, Carlos Augusto Calil, 59, servidor público há cerca de dez anos – já quase recebendo dois qüinqüênios, meus queridos!(situação inusitada para um secretário municipal, qualquer um!) Pela atual situação – que se eterniza – do secretário cultural de Sampa, pode-se avaliar a ABSOLUTA IRRELEVÂNCIA DA CULTURA na sociedade contemporânea.

Vejamos: Calil entrou em 2001, nomeado diretor do Centro Cultural São Paulo na gestão PT de Marta Suplicy por indicação de Marco Aurélio Garcia, então secretário (que logo se mandou pra Brasília); em 2005, aderiu entusiasticamente à gestão Serra do PSDB (botando abaixo muitos Céus que ele mesmo havia erguido, numa real demonstração da mais pura convicção cultural!): em 2006, o Santinho se manda, sendo substituído pelo vice Kassab (e Calil firme como uma rocha!) e, desde então, o nosso amigo atende obsequiosamente o extraordinário Kassab do inefável DEM – edil festejadíssimo: 1) Pelo esplendor incomparável da sua Parada Gay, a maior do Mundo!(já deve ter entrado para o Guiness); 2) Inventar o IPTU progressivo; 3) E mandar fazer silêncio na feira.

Como vêem as realizações abundam.

Pobre Calil, talvez eu esteja sendo um tanto injusta com ele, mas o que quero dizer é que tanto faz ser este ou aquele: é a cultura que não tem mais NENHUMA importância, percebem? Que adianta demitir cerca de 40 funcionários só entre 2008 e 2009 (através dum diretorzinho, que deve ter caído da kombi da Apae, pois confundia Centro Cultural com Playground) para botar outros no lugar, unicamente para piorar MUITO. Possivelmente ele já esteja “preparando o terreno” para a SMC se tornar outra ONG ou OS ou Assemelhada, devidamente privatizada e com dinheiro público, porque afinal de contas “o estado não funciona mesmo!”. O mecanismo é evidente: ele deixa apodrecer o espaço público e utiliza tal pretexto para privatizá-lo!

Calil também será eternizado pelas mágicas “viradas culturais”: virou a Secretaria de Cultura do Município de São Paulo – a mesma fundada por Mário de Andrade – em ONG!(ou OS ou Assemelhada).

O fato é que, hoje, nenhum servidor público precisa ser competente, apenas conveniente. E um pouquinho “festeiro” – vejam o extraordinário Kassab, por exemplo.

Voltando: o resto é aviltamento e negação do real e mais terror para todos indistintamente. Mas é claro. Não há nenhuma possibilidade de florescimento cultural legítimo, pois tudo o que “floresce” é o que vegeta à sombra do vulcão privatizado.

Porque a presente conjuntura histórico-mercantilista destrói a cultura.
Porque uma época de verdadeiro brilho cultural é muito diferente disso.
Eu sei. Eu estava lá. E o fato de desenvolver eternamente uma crítica pelo negativo vai fodendo a nossa vida, a vida ela própria se tornando um exercício de vacuidade moral.

Mas esta é apenas uma das razões pelas quais a cultura (ergo a literatura, a cerâmica, a botânica) NÃO PODE DAR PÉ nas atuais circunstâncias, baby.

Maio de 68, MPB, Tom Jobim, CPC, Zé Celso, Doces Bárbaros, Milton Nascimento, Boom Literário/75, Revolução Cubana, Costa Gravas, Celso Furtado e cepalinos, Nouvelle Vague, Fellini – pensem qualquer coisa – foram produto da Pax Americana entre 50 e 80 devido ao temor do Comunismo, donde o keynesianismo, o estado investidor/provedor. Constrangido pela História, o Capital teve que dar uma chance ao homem.

Entre as décadas de 70/80, havia tesão para escrever e publicar, montar peças de teatro, filmar, pintar, fotografar, pesquisar, engendrar teses científicas, sem constrangimentos nem imperativos ideológicos/mercadológicos/institucionais, nem patrulhamento midiático, que hoje cancelam automaticamente a criação. E a crítica. Produzindo unicamente mediocridade.

E não me falem em anos de chumbo, aquilo foi piquenique de freiras, os anos de chumbo são hoje, aqui, agora, esta noite. Retire-se a possibilidade de sobrevivência e a vivência – e seu produto que é a cultura - rapidamente desaparece. Bem como os dividendos decorrentes.

A Sociedade do Espetáculo está morrendo. Por falta de Espetáculo.

E público. Espaço público.

A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A Ponte das Estrelas (1990), Toda Prosa (2002 - Esgotado), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003,Ateliê Editorial, reedição), Caim (Record, 2006), Toda Prosa II - Obra Escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos - O Vampiro da Alameda Casabranca e Hell's Angel - foram incluídos nos 100 Melhores Contos Brasileiros do Século, sendo que Hell's Angel está também entre os 100 Melhores Contos Eróticos Universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, é pesquisadora de literatura e jornalista.


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