Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Acordo com o Irã não era bom porque negociado pelo Brasil?

xa
Paulo  Moreira Leite publica em sua  coluna um artigo muito didático sobre  a questão nuclear iraniana, que há alguns anos virou escândalo na mídia, quando o Brasil, com Lula, e a Turquia alinhavaram um acordo com Mahmoud Ahmadinejad, então presidente do Irã.
O ex-chanceler e hoje ministro da Defesa, Celso Amorim, já disse em entrevista que o acordo firmado agora pelos EUA com o novo presidente  Hassan Rowhani é inferior, em matéria de garantias de que não haveria uso militar do combustível nuclear enriquecido.
Agora, o artigo de Marcelo Zero coloca a questão em seu leito histórico, mostrando como, para variar, foram os americanos – e as potências ocidentais  - que levaram o Irã a usar energia e combustíveis nucleares, quando o país vivia sob a ditadura – também por eles instituída – do Xá Reza Pahlevi.
Hipocrisia a 100%
Marcelo Zero
Lord Byron costumava dizer que, na Inglaterra, a única homenagem que se prestava à virtude era a hipocrisia. Mas a frase de Byron pode ser aplicada a qualquer império. Com efeito, nas relações internacionais das grandes potências o que predomina é uma flexível “ética de lupanar”, diriam os analistas mais diretos. “Realpolitik”, diriam os mais elegantes.
O caso do programa nuclear iraniano, objeto de acordo recente, é emblemático.
Pode parecer estranho, mas esse programa não foi desenvolvido pelos aiatolás, religiosos mais afetos às leituras do Corão do que ao desvendamento da intrincada tecnologia ocidental. Tampouco caiu de nenhum dos sete céus nos quais acreditam os muçulmanos. 
Na realidade, ele caiu do colo do Departamento de Estado dos EUA.
Do colo dos EUA para o colo do regime do Xá Reza Pahlevi, ditador tão sanguinário quanto pomposo, que se autoproclamava herdeiro de Dario e Xerxes. De fato, o primeiro reator nuclear iraniano, inteiramente construído pelos EUA, começou a operar já em 1967, com urânio enriquecido a 20%, o mesmo grau de pureza que hoje se proíbe ao Irã. Posteriormente, o Xá firmou um acordo para que os EUA construíssem no Irã nada menos que 23 usinas nucleares até 2000. 
Outras potências se juntaram a esse notável esforço em prol da segurança mundial. A Alemanha firmou, em 1975, acordo com Teerã para a construção de duas grandes centrais nucleares baseadas em água pressurizada, um investimento de US$ 6 bilhões. A França criou com o Irã a Sofidif (Société franco–iranienne pour l’enrichissement de l’uranium par diffusion gazeuse), mediante um investimento de US$ 1 bilhão. Com a sociedade criada, o Irã teria o direito de usar 10% do urânio enriquecido. 
Mas não ficou só nisso. Em 1976, os EUA ofereceram ao Irã uma usina de reprocessamento de material radioativo, que permitiria aos confiáveis descendentes do Império Persa o domínio de todo o ciclo nuclear e a fabricação de plutônio, material com o qual se pode construir uma bomba atômica. Uma bem “suja” e tóxica.
O Xá chegou a virar garoto-propaganda da indústria nuclear internacional. Entre um telefonema e outro para a Savak, sua polícia secreta, responsável pela tortura e morte de milhares de desobedientes vassalos, o Xá achou tempo para pousar, sorridente, em propagandas de fabricantes de reatores nucleares.
É evidente que os EUA, com todas essas ofertas, estavam começando a criar as condições para um possível armamento nuclear do Irã, na época grande aliado dos norte-americanos no Oriente Médio. Relatório da CIA de 1974, já “desclassificado”, indicava claramente essa possibilidade. Segundo o relatório, se o Xá ainda estivesse vivo em meados da década de 1980, e se outros países da região se armassem (notadamente a Índia, como de fato aconteceu) o Irã, “sem dúvida”, seguiria o mesmo caminho. Estranhamente, isso não parecia inquietar muito Washington. 
Tudo mudou com a queda de Pahlevi. Todos os acordos e contratos foram cancelados ou revistos, mesmo sendo instrumentos jurídicos de Estados, e não de governos. Em alguns casos, o dinheiro dos investimentos iranianos sequer foi devolvido, como aconteceu com a sociedade francês-iraniana para o enriquecimento de urânio. 
Entretanto, como o Irã, ao contrario de Israel, é signatário do TNP, que diz que é “direito inalienável de todas as Partes do Tratado” desenvolverem a energia nuclear para fins pacíficos, “sem discriminação”, os aiatolás acharam que poderiam prosseguir com o programa, sem a devida autorização da superpotência. Ledo engano. Com o tempo, a pretensão do novo regime iraniano foi sendo sepultada por uma série de embargos e duras sanções econômicas.
Os aiatolás foram, quiçá, demasiadamente confiantes. Acreditaram em tratados e contratos. Talvez a mesma confiança que desgraçou o nosso embaixador Bustani, em episódio bem conhecido. Bustani provavelmente também acreditava em tratados e imperativos morais kantianos. Prevaleceram no seu vergonhoso episódio, contudo, os pragmáticos conselhos ao grande Príncipe, que cinicamente o defenestrou, com a hipócrita omissão do governo brasileiro da época. 
Outra vítima desse brutal cinismo foi Lula. Ele também levou a sério o multilateralismo e a construção conjunta da paz. Lula, com o apoio explícito de Obama, fechou um acordo magistral com Teerã sobre o programa nuclear.
Tal acordo, praticamente idêntico ao que havia sido tentado 6 meses antes, sem êxito, pelos EUA, previa o envio de 1.200 quilos de urânio enriquecido iraniano para o exterior e tinha dois efeitos imediatos: a) impossibilitava a construção de qualquer artefato nuclear por parte do Irã, pois para isso seria necessário enriquecer a mais de 90% cerca de 2.500 quilos de urânio levemente enriquecido, sendo que os iranianos ficariam com apenas cerca de 800 quilos, e b) abria as portas para uma cooperação pacífica entre o Irã e as potências ocidentais. El Baradei, ex-diretor da AIEA, uma das maiores autoridades mundiais no tema, deu pleno apoio ao acordo. Gary Sick, que foi membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, considerado um dos maiores especialistas norte-americanos em Irã, afirmou que “ter o Brasil e a Turquia trabalhando ativamente para desenvolver uma nova abordagem da questão iraniana era uma enorme vantagem para os EUA”. Essa ação, segundo Sick, tinha “valor incalculável para progressos futuros”.
Mas prevaleceu, de novo, o cinismo imperial. Os EUA, que não esperavam o êxito do Brasil, preferiram sabotar o bom acordo. É que o acordo retirava protagonismo dos EUA numa região estrategicamente sensível. Eles ficaram melindrados com o êxito alheio e receosos quanto a manter o controle absoluto do processo de negociação. Ademais, havia, e ainda há, o interesse em desestabilizar o regime iraniano. 
Tão inesperada quanto essa cínica sabotagem dos EUA foi a hipócrita reação em âmbito interno. Nossa lamentável matilha de vira-latas se regozijou com a sabotagem contra o Brasil e criticou o presidente por sua indevida ingerência nas “brigas de cachorros grandes”. Agora, devidamente autorizados pelo Big Dog, abanam os rabos para um acordo que, como já notaram alguns, é inferior ao obtido pelo Brasil, pois não retira do território iraniano uma única grama do urânio enriquecido a 20% e inviabiliza a produção de isótopos para fins medicinais. 
Uma hipocrisia enriquecida a 100%. 

Os efeitos políticos de novos protestos de rua em 2014


Estamos a menos de um mês do ano eleitoral de 2014 e, até aqui, ainda não houve uma discussão profunda sobre o que pode ocorrer caso os interesses políticos e econômicos que levaram centenas de milhares de pessoas às ruas de todo o país em junho último consigam reeditar, naquele mesmo ano eleitoral, uma catarse que resultou em nada.
E o que é pior – ou melhor, para alguns – é que já existe um mote para levantar um novo movimento de massas análogo ao deste ano: a Copa do Mundo.
Em junho, sob o mote de impedir pequenas altas no preço das passagens de ônibus, metrô e trens de subúrbio – altas literalmente irrisórias, mas que induziram muitos a crer que seriam um castigo insuportável para a população –, conseguiu-se manipular a opinião pública a um ponto tão impressionante que parecia que estava sendo reeditada, por aqui, a “Primavera Árabe” – ou seja, a luta dos povos árabes para se libertarem de ditaduras longevas e cruéis.
Agora imaginemos quanto se pode fazer com uma matéria-prima como a Copa…
De fato, o país está gastando muito com a Copa. Mas é isso o que se tem que fazer para ganhar: há que gastar para, depois, obter o retorno – em turismo, em movimentação da economia e, ainda, deixando, após o evento, toda estrutura edificada para recebê-lo.
Contudo, em um país em que ainda vicejam tantos dramas sociais, em um país no qual falta dinheiro para Saúde, para Educação, para saneamento básico etc., é simples demonizar um evento como o que o país sediará em 2014 – ainda que o grosso dos gastos esteja a cargo do setor privado e que eles sejam precursores de lucro que o país irá auferir por tê-los feito.
Todas as estratégias políticas dos candidatos aos mais diversos cargos no Executivo e no Legislativo estão sendo traçadas sob um quadro de normalidade democrática. Desde a redemocratização do país, jamais tivemos uma eleição em que massas imensas foram às ruas protestar.
Quem seria o principal prejudicado pela reedição da catarse de junho, só que em pleno ano eleitoral? Quem governa, claro. Mas não só. Além de novos protestos poderem se tornar fatais para governadores e para a presidente da República, os candidatos ao Legislativo e seus partidos também serão afetados.
Nesse aspecto, uma carta de leitor publicada na quarta-feira em um dos jornais alinhados com a oposição ao governo Dilma Rousseff (a Folha de São Paulo) repete uma constatação que já se fez nesta página.
—–
O Datafolha acaba de mostrar que Dilma sobe em todos os cenários e que a oposição encolhe. Chego à triste conclusão que aquelas manifestações de junho aconteceram no ano errado. Deveriam ter eclodido em 2014, às vésperas das eleições, quando o governo não teria tempo hábil para reagir.
Ronaldo Gomes Ferraz (Rio de Janeiro, RJ)
—–
Alguns argumentarão que governantes de todos os partidos foram afetados pelos protestos de junho, mas não é bem assim. Em primeiro lugar, a perda de popularidade que afetou, por exemplo, Dilma, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad – só para ficarmos nos governantes mais importantes do país – atingiu muito mais aos petistas do que ao tucano.
Matéria da Folha de São Paulo sobre pesquisa Datafolha publicada em 1º de julho deste ano mostra que o prejuízo de imagem que os protestos do mês anterior causaram aos partidos da base aliada do governo Dilma e à titular desse governo foi bem maior do que os prejuízos que sofreram políticos da oposição demo-tucana.
—–
FOLHA DE SÃO PAULO
1º de julho de 2013
Após protestos, aprovação de Dilma, Alckmin e Haddad cai
Presidente perde 27 pontos, Governador perde 14 e prefeito, 16; Cabral e Paes também são afetados
Índice dos que acham gestão paulistana ruim ou péssima sobe de 21% para 40% em três semanas, diz Datafolha
DE SÃO PAULO
Não foi apenas a popularidade da presidente Dilma Rousseff que acabou corroída pela onda de protestos que tomou o país.
O movimento abalou os índices de aprovação dos governadores dos dois maiores Estados do país: Geraldo Alckmin (PSDB), de São Paulo, e Sérgio Cabral (PMDB), do Rio; e ainda dos prefeitos das duas maiores cidades: Fernando Haddad (PT), o titular da capital paulista, e Eduardo Paes (PMDB), da capital fluminense.
Todos os dados são da pesquisa Datafolha finalizada na sexta-feira passada.
A aprovação de Alckmin caiu 14 pontos no intervalo de três semanas –Dilma perdeu 27 pontos no mesmo período. Os 52% de avaliação positiva do tucano em 7 de junho, pouco antes do início dos protestos, foram reduzidos para 38% na pesquisa recente.
Na semana do auge dos protestos, Alckmin foi criticado pelo comportamento da Polícia Militar, que num primeiro momento agiu com violência durante passeatas e depois, diante das críticas, teria reduzido o rigor no combate ao vandalismo.
O Estado também administra tarifas dos trens e do metrô, que também subiram, mas, mediante a pressão das ruas, acabaram tendo o reajuste cancelado.
Abalo ainda maior foi sentido por Haddad, cuja administração tem só seis meses.
Seu índice de aprovação caiu 16 pontos em três semanas, de 34% para 18%. A reprovação do petista (soma dos julgamentos ruim e péssimo) subiu de 21% para 40%.
Haddad se expôs no enfrentamento ao Movimento Passe Livre. No início, disse que não havia margem para negociação. Insistia no argumento de que as passagens de ônibus haviam subido abaixo da inflação. No fim, cedeu.
Na série histórica, a rejeição de Haddad é equivalente às de Jânio Quadros (43%), Marta Suplicy (42%) e Paulo Maluf (41%), quando se trata do mesmo período de gestão.
A aprovação também é parecida com as de outros ex-prefeitos. Em junho de 1986, Jânio tinha 16%. Em 1989, Luiza Erundina marcou os mesmos 16%. Maluf, o prefeito seguinte, fez 20%. Em junho de 2007, Celso Pitta tinha 19%. Quatro anos depois, Marta alcançou 20%. José Serra obteve 30% em julho de 2005.
O único que destoa é Gilberto Kassab, que antecedeu Haddad, com 46%.
Ao longo dos dias de protesto, os paulistanos foram ficando menos críticos com Alckmin e Haddad.
Em 18 de junho, 51% avaliavam o desempenho de Alckmin diante dos protestos como ruim ou péssimo. Esse índice caiu para 39% dia 21 de junho. E voltou a cair na última pesquisa, para 33%.
Com Haddad ocorreu o mesmo, mas em intensidade menor. A má avaliação de seu comportamento era compartilhada por 55%. Caiu para 50%. E depois para 44%.
RIO
Depois de atingir o pico de sua popularidade na série do Datafolha no Estado do Rio, em novembro de 2010, o governador Sérgio Cabral despencou 30 pontos.
No levantamento de sexta-feira, após seis anos e meio de mandato, ele obteve 25% de ótimo e bom, a menor pontuação da série. A soma de ruim e péssimo é maior, 36%.
Cabral foi alvo dos manifestantes, que acamparam na frente de seu apartamento.
A imagem do prefeito do Rio, Eduardo Paes, sai igualmente lesada.
Desde agosto de 2012, seu índice de aprovação caiu de 50% para 30%. A desaprovação fez a trajetória inversa. Subiu de 12% para 33%.
(RICARDO MENDONÇA)
—–
Note, leitor, que hoje, enquanto Dilma recuperou apenas parte da aprovação, segundo o último Datafolha, Alckmin, que caiu muito menos do que ela durante os protestos, já se refez quase totalmente. E Fernando Haddad nem se recuperou.
O mais interessante é que os protestos de junho foram tonificados pela truculência da polícia militar comandada por Alckmin. Antes de um verdadeiro massacre de manifestantes na avenida Paulista em meados de junho, o Movimento Passe Livre reunira um protesto até considerável, mas restrito quase que só a São Paulo e que não assustava ninguém.
Aquela violência policial fez o movimento se espraiar, levando mais de um milhão de pessoas às ruas de todas as partes do país. O que se poderia esperar, portanto, é que Alckmin e seu partido sofressem mais com aqueles protestos do que os seus adversários, mas foi o contrário. O partido que passou a ser hostilizado nas ruas foi, precipuamente, o PT.
Daí se pode imaginar a quem interessa que, ano que vem, sejam reeditados aqueles movimentos de massa sob a desculpa da Copa do Mundo, mas, obviamente, visando o processo eleitoral.
Quem teve o domínio do fato dos protestos de junho deste ano foram o PSOL e o PSTU sob a batuta de Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) e de José Serra (PSDB), sendo que o tucano, após a pesquisa que mostrou a monumental queda de Dilma na pesquisa citada acima, foi levado, em triunfo, ao programa Roda Viva para ser ovacionado por sua jogada “genial” – ou diabólica, como preferirão alguns.
Não é segredo para ninguém que os partidos de oposição que situam-se à esquerda do governo Dilma preferem mil vezes um Aécio Neves ou um José Serra ou um Eduardo Campos no Palácio do Planalto a uma Dilma. Esses partidos dificilmente colherão um benefício pessoal, mas consumarão a vendeta antilulista e antipetista que há anos os move politicamente.
Contudo, tampouco se pode desconsiderar que há, sim, gente boa, idealista e decente tanto no PSOL quanto no PSTU ou em qualquer partido de oposição à esquerda. Assim, para não dizerem que não propus nada, aqui, e para evitar que as eleições sejam alvo de uma trapaça como um movimento eleitoreiro que pode eclodir, indico esse caminho.
Recentemente, fiquei encantado com a postura do deputado Jean Wyllys, do PSOL. Durante o linchamento de José Genoino e de seus companheiros nas redes sociais, de uma forma impressionantemente corajosa ele se opôs ao que estavam fazendo sobretudo seus próprios correligionários. Há, sim, gente séria nesses partidos de esquerda.
Tais partidos, porém, por falta de visão ou por má fé mesmo consideram que não há diferença entre o PT e o PSDB e, assim, tanto faz um quanto o outro no poder. E se conseguirem desencadear novos protestos, um PSOL poderia passar de 3 deputados e um senador no Congresso para, quem sabe, 6 deputados e 2 senadores, se tanto.
O que proponho, pois, é uma aproximação de lideranças petistas com as lideranças lúcidas da oposição à esquerda para convencê-la a parar de fazer o jogo de uma direita que, se retomar o poder, será nefasta também para movimentos sociais que agem em consonância com esses partidos, pois a volta da direita demo-tucana ao poder seria uma catástrofe.
Fica, aqui, o aviso – com antecedência mais do que suficiente: desencadear protestos em 2014 sob desculpa de combater a Copa do Mundo e “gastos” que já terão sido feitos só irá beneficiar a direita. PSOL e PSTU – e os petistas e esquerdistas em geral que apoiaram os protestos de junho – têm que pensar o Brasil acima de suas idiossincrasias.

CARDOZO: PF VAI, SIM, INVESTIGAR CARTEL DO METRÔ

Bocejos para o século XXI

Nenhuma das questões essenciais que desafiam o futuro da humanidade encontra resposta adequada no ambiente extremado da desregulação global, pós crise.
por: Saul Leblon 

Arquivo




















O impasse entre a lógica dos mercados e os interesses da humanidade, sobretudo da parcela  que ainda luta pelo seu desenvolvimento, está por trás das declarações truncadas, dos documentos entremeados de colchetes [sinônimo de pendências diplomáticas] e da circularidade irritante dos fóruns globais  que bocejam para as urgências do século XXI.

Sempre foi assim, mas o quadro se agravou com o colapso da ordem neoliberal, desde 2008.

A emergência  dos pobres se agudizou; o caixa dos ricos se retraiu. A desordem financeira se acomodou  às custas do elo mais fraco da corrente.

Num primeiro momento, o ajuste se deu pela expansão da liquidez internacional para salvar a bancarrota da grande finança.

A contrapartida foi a valorização das moedas locais, uma doença autoimune que passou a operar contra a produção doméstica, à favor das importações ‘baratas’.

Na reversão do ciclo, ensaiada agora pelo BC norte-americano, pavimentam-se as condições à ascensão do receituário recessivo.

Chegou a hora, esfrega as mãos o colunismo  isento por essas bandas, que evoca a desforra das urnas desde setembro de 2008.

Manchetes exigem que o governo se antecipe à ‘tempestade perfeita’, adotando-a voluntariamente.

A saber: raios de choque de  juros para conter a fuga de capitais e o salto da inflação; trovões de arrocho fiscal sobre os pobres, para purgar os pecados das desonerações ao consumo e ao investimento (feitas para evitar a internalização da crise dos ricos).

O encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), que acontece esta semana, em Bali, na Indonésia, ilustra essa colisão da  lógica na esfera econômica.

Como conciliar, a essa altura, o interesse protecionista  de milhões de pequenos agricultores da Índia, por exemplo, com a voragem liberalizante das grades potencias exportadoras de grãos? 

Chovem colchetes em Bali.

Há duas semanas, o mesmo ambiente de prostração se repetiu na Polônia.

A 19ª reunião do clima, preparatória para o encontro de 2015, em Paris (quando em tese será pactuado um novo acordo global)  não avançou um honesto centímetro no esboço de um sucessor para o malogrado protocolo de Kioto.

A crise colocou a agenda da descarbonização na gaveta das prioridades remotas.

E endureceu o braço de ferro na distribuição dos sacrifícios imediatos.

Quanto cada nação poderá emitir, antes que a temperatura multiplique eventos extremos em progressão devastadora?

Reza a Convenção do Clima, de 1992, que é necessário  diferenciar as responsabilidades, maiores, dos países ricos em relação aos pobres que ainda lutam  pelo seu desenvolvimento.

Não foi o que ocorreu até hoje.

 ‘70% das emissões de gases-estufa até 2010 vieram dos países desenvolvidos, enquanto 70% das reduções das emissões até agora foram feitas pelos países em desenvolvimento’, desabafou a delegação chinesa na fracassada reunião de Varsóvia, segundo o jornal Valor.

 A  China, a exemplo do Brasil, deve uma cota de sacrifício ao futuro.

Os propulsores do seu desenvolvimento terão que convergir desde já para uma matriz menos poluente. Mas tudo isso será inútil se sociedade norte-americana persistir, de longe, como a maior ameaça ao aquecimento do planeta.

A emissão média per capita nos EUA hoje é de 16,9 toneladas de CO2 por habitante/ano. Equivale a dizer que cada norte-americano sozinho emite mais que um chinês e um europeu juntos (respectivamente 6,8 t/per capita/ano e 8,1 t/per capita/ano).

A delegação dos EUA  nesses encontros desconversa e evoca contribuições isonômicas para ‘salvar o planeta’.

Tampouco  assume a iniciativa de inaugurar doações ao Fundo Verde, criado em 2009, na reunião de Copenhague, que destinaria US$ 100 bi em compensações ambientais às nações em desenvolvimento.

Se Obama não comparece, o resto do planeta se desobriga; as  discussões giram em torno de miragens desprovidas de lastro econômico ou políticas.

Nem ONGs aguentam mais.

Mais 700 ativistas das 13 megaorganizações - incluindo Greenpeace, WWF e Oxfam – deixaram o Estádio Nacional de Varsóvia no meio da COP 19.

Do lado da fome e da miséria, o cenário tampouco está imune ao tsunami de colchetes.

Aguarda-se a generosidade dos países ricos para dar alicerce financeiro à necessária repactuação dos Objetivos das Metas do Milênio de 1990.

A principal delas --reduzir à metade os níveis de fome e miséria, até 2015,  foi alcançada por apenas  40 nações. O Brasil é um dos destaques.

Mas e os restantes 840 milhões de famintos?

São necessários  cerca de U$ 30 bilhões de dólares/ano para um combate efetivo às causas do seu infortúnio.

Quem se habilita?

Silencio de ouvir moscas nos encontros mundiais.

É nesse mundo de ouvidos moucos que a OMC buscar o Santo Graal na Indonésia, aquele ponto de equilíbrio capaz de conciliar o ímpeto dos livres mercados e o interesse coletivo da humanidade.

Pretende-se, de um lado,  eliminar barreiras protecionistas e alfandegárias; de outro, garantir salvaguardas de subsídio a uma agricultura familiar que costura várias das boas intenções que desfilam por entre bocejos nos fóruns internacionais.

Basta dizer que 70% da fome do planeta concentra-se no espaço rural e que a pequena agricultura cooperativa talvez seja um suporte de segurança alimentar alternativo à escalada esgotante dos métodos convencionais de plantio.

A dificuldade de um consenso em torno desse ponto imaginário reflete menos as dificuldades técnicas que ele encerra, do que o embate entre  interesses  que a nomenclatura conservadora no Brasil denominou de:  ‘intervencionismo da Dilma’ versus  ‘agenda do custo Brasil’.

Ou, no idioma acadêmico, planejamento público versus desregulação de mercados.

O ponto a reter é que nenhuma das questões essenciais que desafiam o futuro da humanidade  –a fome e a miséria, o destino do clima e da cooperação para o desenvolvimento—  encontra  resposta adequada no ambiente extremado da desregulação existente na ordem  global.

Isso deveria dizer algo ao debate sucessório brasileiro em 2014.

Não apenas a quem reverbera aqui a emergência ambiental mas, paradoxalmente, alia-se aos que atribuem aos ‘livres mercados’ a panaceia para os gargalos nacionais.

O campo progressista –inclua-se aí o PT-- talvez devesse considerar também com mais de seriedade a hipótese de existir neste país condições singulares para aquilo de que tanto se fala e tão pouco se arrisca.

Não uma identidade exaustiva de agenda histórica.

Mas  a possibilidade de uma articulação inédita de força social e  horizonte econômico em torno do pré-sal brasileiro.

Uma agenda de convergência da riqueza na qual a lógica de mercado se subordine ao planejamento democrático da sociedade em que os brasileiros querem viver no século XXI.

A soberba do pragmatismo bem sucedido,  ou a esférica indiferença dos portadores da verdade histórica, pouco ou nada representam diante do ganho que uma frente política dessa ordem traria a um mundo enfadado de bocejos, diante de um século que mal nasceu e já parece morrer.