Não era bem assim. Aos poucos, o conflito na Líbia assume contornos de uma guerra interna mais complexa do que a unânimidade anti 'cachorro-louco' que a mídia e a propaganda norte-americana pintaram inicialmente. O
esforço narrativo orquestrado para deslocar o foco do principal não isenta Kadafi e o seu regime de constituírem nexos de uma teia de oligarquias autoritárias, incapazes de conviver com a vontade das ruas. A sangrenta e longa purgação que se esboça no 9º maior produtor de petróleo, porém, repõe os termos de um esfarelamento histórico inapelável. O que se vive no Oriente Médio é a implosão de uma ordem predominantemente funcional à dinâmica capitalista trazida do século 20, que sofre o segundo abalo sísmico após o esgotamento neoliberal inscrito na crise de 2007 e 2008. Nenhum bode expiatório conseguirá esconder a gravidade desse duplo revés que sacode os pilares dos mercados obrigando-os a se reinventarem ideologica e logisticamente num espaço que se estreita urbi et orbi, agora também no 'quintal árabe'. O 'esforço' narrativo dos últimos dias tenta ocultar essa dimensão sistêmica de uma crise que será longa e dramática, com ou sem Kadafi. O governo Dilma certamente tem consciência desse divisor subjacente à ansiosa 'boa vontade' norte-americana com o país , manifesta nos preparativos para a viagem de Obama ao Brasil do pré-sal. Espera-se que o novo Itamaraty saiba extrair as consequências e atitudes soberanas desse reordenamento profundo na geopolítica mundial.
(Carta Maior; 4º feira, 09/03/2011)
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