Deixei de trabalhar para os outros em 1989. Há quase um quarto de século, dei-me conta de que não fora feito para o jogo de puxadas de tapete e bajulação a que trabalhar em uma empresa obriga o funcionário. Cansei-me de ver gente incompetente e sem ética superar quem, ingenuamente, acreditava na competência como meio de galgar posições.
Como sempre, portanto, o que faço neste texto é defender a coletividade sem interesses pessoais no assunto que será abordado, ou seja, a recente manifestação do STF de que o aviso prévio aos trabalhadores não é de 30 dias, segundo a Constituição; 30 dias é um piso a partir do qual deve ser calculado o custo para uma empresa demitir alguém.
Desde a criação do FGTS – em 1966, durante a ditadura –, que o trabalhador passou a correr o risco de ser demitido após, por exemplo, 30 anos de trabalho como se tivesse começado ontem. Hoje, pouco importando o tempo em que você trabalha em uma empresa, pode ser demitido como aquele que está nela há pouco mais de 90 dias, o prazo de experiência em que o trabalhador quase não tem direitos.
Deixei de trabalhar como empregado e me tornei trabalhador autônomo, depois empresário e agora autônomo de novo (de 7 anos para cá) justamente por conta do poder que o empresário brasileiro recebe do Estado para pôr no olho da rua até alguém que deu a sua vida àquele que o empregou, muitas vezes durante décadas a fio.
E também me desiludi com o trabalho assalariado por conta dos empregados “modernos” que, contra o próprio interesse e o dos colegas, defendiam posições do patronato que entravam na moda com a ascensão de Fernando Collor de Mello ao poder, de reduzir direitos do trabalhador como forma de “modernizar” a economia e combater o “custo Brasil”.
Esse processo autofágico de parcela da classe trabalhadora chegou ao auge durante a era Fernando Henrique Cardoso, quando o governo, o partido do governo e a grande imprensa diziam que a única forma de aumentar o emprego formal no Brasil seria reduzindo direitos trabalhistas tais como férias, 13º salário, FGTS etc.
É, meu caro leitor, por pouco você não trabalha hoje como autônomo, porém com todas as obrigações de um empregado formal. Porque seus colegas “modernos” de então, inspirados pelo nefasto governo midiático do PSDB, repetiam, tal qual papagaios, as teses do patronato, na busca insana por serem considerados “confiáveis” por ele.
Todos sabem que aquela história era balela. Collor e FHC foram eleitos pela mesma razão que a ditadura militar foi instalada no Brasil, para ajudar o patronato a ganhar mais dinheiro às custas da precarização do trabalho formal, que impunha cada vez mais deveres e já recebia propostas de redução dos direitos.
Agora, durante julgamento de processo de funcionários da mineradora Vale, descobriu-se que a Constituição estabelece, no Artigo 7, que “é direito dos trabalhadores urbanos e rurais (…) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias”, e que, pasme, uma lei deveria regular o tema, apesar de que o Congresso nunca aprovou essa lei.
Alguém tem alguma teoria sobre por que a classe política jamais tocou nesse vespeiro? Imagine-se o que a mídia, o braço comunicacional da elite, faria com o político que defendesse abertamente que o empresário não pudesse dar um pontapé na bunda até daquele que o serviu por 20, 30 anos…
Agora, quatro ex-funcionários da Vale pediram, por meio de um “mandado de injunção”, que o STF suprisse a lacuna na lei. Um deles, José Geraldo da Silva, estava na empresa havia quase 30 anos e foi demitido sem justa causa, recebendo o equivalente a 30 dias de salário.
A mídia, mais uma vez, como fazia na época de Collor e FHC, tenta vender à sociedade que ela deve se autoflagelar e deixar que o bom e velho mercado regule tudo. Esse é o teor dos editoriais, dos artigos, das cartas de leitor, de tudo que a grande imprensa está publicando. É como se todos pensassem da mesma forma.
Hoje, o Brasil bate recordes incessantes de contratação formal de trabalhadores até um ponto em que já falta mão de obra em vários setores. Que lição você, papagaio de jornal, tira disso? Já imaginou se tivesse prevalecido o discurso tucano, no fim do século passado, e direitos trabalhistas tivessem sido suprimidos para “facilitar” a contratação?
O fato é que o que inibe ou impede a contratação formal não são as garantias que têm aqueles que vendem ao patronato a sua força de trabalho, mas a conjuntura econômica. Você pode obrigar as pessoas a trabalharem até de graça que, se não houver necessidade e a oferta de mão de obra for farta, o empregador certamente não contratará.
Não acredite, pois, nessa história única com que a mídia pretende soterrar a discussão das regras para demissão de trabalhadores. Tornar o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço não estimulará demissões se o mercado estiver contratando. O que é preciso é continuar com as políticas que vão gerando demanda por trabalhadores.
Dos leitores
Caro Eduardo :
Sou advogado desses trabalhadores que tiveram seus Mandados de Injunção julgados pelo STF, que foram ajuizados através do SINDICATO METABASE DE ITABIRA (Raimundo, Jonas e José Geraldo) e da ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DA VALE EM SERGIPE (Luiz Vieira), e tenho acompanhado as repercussões do julgamento.
Claro, em sua maioria, a imprensa está divulgando as opiniões vociferantes do empresariado, como se o Aviso Prévio Proporcional já não estivesse aprovado desde 05 de outubro de 1988.
É sempre a mesma coisa, basta pesquisar nos arquivos de jornais da Biblioteca Nacional : a cada avanço (sempre tardio !) em favor da Classe Trabalhadora, surgem os argumentos ad terrorem da Direita. Foi assim com as Férias, foi assim com o 13º Salário, foi assim com a Jornada de 44 horas…
Sempre o mesmo argumento de que os pobres empresários não vão suportar os custos. Aliás, já diziam isso na época em que foi promulgada a Lei do Ventre Livre ! Que seria de nossos empresários sem poder escravizar a prole das senzalas ? Quem tiver vontade que o pesquise. Está nos jornais da época.
Por isso, eu o cumprimento, caro Eduardo, por sua opinião lúcida e cidadã. Parabéns !
Carlos Cleto
OAB-SE 352-A / OAB-MG 115.576