Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Dilma já governa com a rua e resistirá se a rua se organizar Hoje a palavra organizar virou sinônimo de resistir; assim como rua se tornou equivalente ao verbo lutar

Dilma já governa com a rua e resistirá se a rua se organizar

por: Saul Leblon

Roberto Parizotti/ CUT
A história apertou o passo no país e quem não entender isso será atropelado pela velocidade dos acontecimentos.

Esse é um tempo em que jornais de hoje amanhecem falando de um remoto mundo de ontem; tempo em que a tergiversação colide com a transparência; tempo em que nenhum discurso faz mais sentido dissociado da tríade: ‘rua’, ‘resistência’ e ‘organização’.

As sirenes da história anunciam confrontos intensos no front.

De um lado, os interesses da maioria da população; de outro, a coalizão da escória parlamentar com o rentismo e a classe média fascista.


No arremate desse enredo a mídia insufla a venezuelanização do Brasil.

Não é sugestivo do lugar da Folha na história que a edição desta 2ª feira, por exemplo, mostre Paulinho Boca festejado pelo 'povo' e Dilma cercada por uma mosca?

Dilma fez no 1º de Maio do Anhangabaú o melhor discurso de sua vida.

Veja a íntegra de sua fala aqui: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/363835267073690

Sim, Dilma incendiou um ato que começou morno e sem a presença de Lula. Como explicar essa mutação que passou batida aos petizes da mídia pautados no Anhangabaú para alimentar o golpe –de moscas, se possível—e não para fazer jornalismo?

A explicação está no acirramento de um conflito que Lula, Dilma, o PT e todas as forças progressistas e democráticas resolveram encarar de frente, pelo simples fato de que não fazê-lo seria trair o país, o povo e, sobretudo, a esperança na construção de uma democracia social na oitava maior economia do mundo e principal referência da luta pelo desenvolvimento no ocidente.

Todo o discurso da Presidenta Dilma irradiou esse discernimento de que o seu governo e mais que ele, o projeto que ele expressa só tem futuro se tiver o desassombro de ser defendido na rua.

Foi isso que Dilma fez ao levar seu governo à rua do 1º de Maio e lá anunciar um aumento médio de 9% para o Bolsa Família, ademais de reafirmar a prorrogação do Mais Médicos por três anos, corrigir a tabela do IR e adicionar mais 25 mil contratações à linha do Minha Casa vinculada à autoconstrução.

Dilma afrontou assim o martelete midiático do ‘país aos cacos’ , que lubrifica a sociedade para a resignação diante do arrocho embutido na tese do golpe ‘saneador’.

Dilma fez mais que isso ao acusar a sabotagem paralisante contra o seu governo, por parte dos interesses que, derrotados quatro vezes no jogo democrático, resolveram destruir a urna e pisotear seus escombros para chegar ao poder.

A propaganda do jornalismo embarcado sonega esse traço central da encruzilhada brasileira: a ofensiva golpista não é uma consequência da crise; ela é a crise em ponto de fusão.

Em outras palavras, ao contrário do que solfejam os violinistasdo golpe, não existe uma ‘macroeconomia responsável’ (a do arrocho) que vai tirar o Brasil da espiral descendente.

O que existe é um acirramento da luta de classes, a exigir uma repactuação política do país e do seu desenvolvimento. Algo que a plutocracia, a mídia, a escória e o fascismo decidiram elidir por meio do golpe e através dele impor a sua agenda à nação.

‘Eu vou resistir’, disse Dilma ovacionada pela multidão no Anhangabaú que teve o privilégio de participar desse pontapé da resistência de uma Presidenta que passou a governar na rua, pela rua, com a rua.

Esse é o requisito para mudar a correlação de forças e destravar as verdadeiras reformas de que a sociedade e o desenvolvimento necessitam.

A saber: reforma política, para capacitar a democracia a se impor ao mercado; reforma tributária, para buscar a fatia da riqueza sonegada à expansão da infraestrutura e dos serviços; reforma do sistema de comunicação, para permitir o debate plural dos desafios brasileiros –que são poucos, nem se resolvem sem ampla renegociação do desenvolvimento.

Quem rumina desalento diante do gigantismo dessa tarefa menospreza o salto histórico percorrido nos últimos meses.

Há exatamente um ano, um outro comício do dia do trabalhador organizado no mesmo Vale do Anhangabaú foi igualmente desdenhado pelo noticiário –e mesmo por uma parte da esquerda.

Foi tratado como mero evento retórico.

Um ano depois, as ruas do Brasil já não dormem mais.

Um ciclo de grandes mobilizações de massa está em curso no país.

Respira-se a expectativa dos campos de batalha no amanhecer do confronto.


A engrenagem capitalista puro-sangue escoiceia o chão do estábulo. Aguarda os cavalariços do golpe que vem lhe trazer a liberdade para matar.

A chance de que o embate resulte em uma sociedade melhor depende da determinação progressista –acenada no discurso de Dilma-- de assumir a rédea das forças xucras do mercado, para finalmente domá-las a favor do povo e da nação brasileira.

O golpe tornou quase inevitável isso que o ciclo do PT sempre adiou em favor de soluções acomodatícias e avanços incrementais.

A natureza ferozmente excludente de sua lógica revela os limites estreitos e irredutíveis de uma parte da elite brasileira, da qual a mídia se fez porta-voz.

No 1º de Maio do ano passado, Lula –ausente nesse por recomendação médica-- lembrou que a primeira universidade brasileira só foi construída em 1920.

Quatro séculos depois do descobrimento.

Em 1507, em contrapartida, 15 anos depois de Colombo chegar à República Dominicana, Santo Domingo já construía sua primeira universidade.


Tome-se o ritmo de implantação do metrô em São Paulo, em duas décadas de poder tucano.


Compare-se a extensão duas vezes maior da rede mexicana, ou a dianteira expressiva da rede argentina e da chilena.

O padrão não mudou.


Lula criou 18 universidades em oito anos. A elite levou 420 anos para erguer a primeira e Fernando Henrique Cardoso não fez nenhuma.

Há lógica na assimetria.

Para que serve uma universidade se não faz sentido ter projeto de nação; se a industrialização será aquela que a ALCA rediviva permitir e se o pre-sal deve ser entregue à Chevron?

O que Lula estava querendo dizer ao povo do Anhangabaú, então, tinha muito a ver com algo que agora assume nitidez desconcertante nos ‘planos’ do golpismo.

O desenvolvimento brasileiro não pode depender de uma elite que dispensa ao destino da nação e à sorte do seu desenvolvimento o mesmo descompromisso do colonizador em relação aos povos oprimidos.

Uma elite para a qual a soberania é um atentado ao mercado não reserva qualquer espaço à principal tarefa do desenvolvimento, que é civilizar o mercado para emancipar a sociedade e, portanto, universalizar direitos.

Reinventar a soberania no Brasil do século XXI, portanto, implica vencer o golpe e seu projeto de terceirização do Estado e do patrimônio nacional aos mercados.

A devastação do mundo do trabalho e a supressão da cidadania social é a lógica que move o golpismo e os homens-abutres que frequentam seu bazar de ministérios.

O que a elite preconiza nos salões onde se negocia o botim é de uma violência inexcedível em regime democrático e muito provavelmente incompatível com ele.

É como se uma gigantesca engrenagem cuidasse de tomar de volta tudo aquilo que transgrediu os limites de uma democracia tolerada por ser apenas formal, mas que o ciclo iniciado em 2003, com todas as suas limitações, desvirtuou em direção a um resgate social transgressivo para o gosto da elite brasileira.

No lugar disso, o que se pretende instituir agora é um paradigma de eficiência feito de desigualdade ascendente. A Constituição Cidadã de 1988 será retalhada. Programas e políticas sociais destinados a combater a pobreza e a desigualdade de oportunidades serão eviscerados. O que restou da esfera pública, privatizado. A riqueza estratégica do pré-sal e o impulso industrializante contido na exigência de conteúdo nacional serão ofertados no altar dos ditos livres mercados (ou Chevron).

A ambição implica regredir aquém do ciclo de redemocratização que subverteu o capitalismo selvagemente antissocial da ditadura. Como disse Dilma no 1º de Maio: lutamos hoje para preservar tudo o que conquistamos com a redemocratização; mas também tudo o fizemos antes para ter a democracia de volta’.

A petulância chega a tal ponto que na véspera deste 1º de Maio, Michel Temer afagou a bancada ruralista com uma promessa obscena: o golpe revisará todos os decretos de desapropriação de glebas para reforma agrária e demarcações de áreas indígenas assinados por Dilma nos últimos meses.

O confronto é aberto.

Não será vencido só com palavras.

No 1ºde Maio de 2015, o presidente da CUT, Vagner Freitas chamou para a frente do palco dirigentes da Intersindical e da CBT; chamou Gilmar, do MST; chamou Boulos, do MTST, e outros tantos; e através deles convocou quase duas dezenas de organizações presentes.

Vagner apresentou ao Anhangabaú, então, a unidade simbólica da esquerda brasileira, fixada em torno de uma linha vermelha a ser defendida com unhas e dentes: a fronteira dos direitos, contra a direita.

Premonitória, sua iniciativa, já não basta mais para deter uma violência que agora marcha ostensivamente para sua consumação.

A defesa da agenda progressista hoje implica, ademais da unidade das direções, promover a capilaridade da resistência popular.

Comitês de resistência da vizinhança; comitês de resistência nos locais de trabalho; comitês profissionais e sindicais; comitês de amigos; comitês de mães de alunos; comitês por escola...

Sobretudo, urge dotar essa capilaridade de uma prontidão articulada, exercida por uma efetiva coordenação da frente progressista nascida no 1º de Maio de 2015.

Hoje para afrontar o golpe; amanhã para vencer uma nova disputa presidencial, essa rede da legalidade é a tarefa inadiável dos dias que correm.

Por uma razão muito forte: sem ela o próximo 1º de Maio talvez encontre o Vale do Anhangabaú cercado por tropas de um golpe vencedor.

O Brasil será aquilo que a rua conseguir que ele seja.

Quando o extraordinário acontece na vida de uma nação é inútil reagir com as ferramentas da rotina.

Hoje a palavra organizar é sinônimo de resistir, assim como o substantivo ‘rua’ tornou-se equivalente ao verbo lutar.

As lideranças populares não podem desperdiçar o significado histórico dessa mutação

As ruas do Brasil já não dormem mais, cabe às lideranças dota-las de sonhos reais.

Um golpe dos donos de escravos no Brasil? A revista americana The Nation destaca que entre os grupos que buscam promover o golpe, há um pouco discutido: o das empresas que lucram com a escravidão.

Um golpe dos donos de escravos no Brasil?

A revista americana The Nation destaca que entre os grupos que buscam promover o golpe, há um pouco discutido: o das empresas que lucram com a escravidão.

Greg Grandin - The Nation
Nilson Bastian / Câmara dos Deputados
carta maior
The Nation, a revista mais antiga dos Estados Unidos, fundada em 1865, e uma das mais bem conceituadas por sua seriedade, publica artigo devastador sobre interesses por trás do golpe em curso no Brasil.
 
Um golpe dos donos de escravos no Brasil?
  
Entre os opositores da combatida – e ameaçada de perder o cargo – presidente do Brasil, Dilma Rousseff, existe um grupo com interesses comuns que se pensava haver perdido seu poder político há cerca de um século: os donos de escravos. Há alguns dias um artigo no The New York Times, que documentou os muitos crimes dos políticos envolvidos no processo de impeachment, disse o seguinte acerca de Beto Mansur, um ardoroso deputado em sua oposição ao Partido dos Trabalhadores (ou PT): “Ele é acusado de manter 46 trabalhadores em suas fazendas de soja no Estado de Goiás em condições tão deploráveis que os investigadores disseram serem eles tratados como escravos modernos.”
 
A escravidão não é, claro, o principal eixo de conflito entre o governo do PT e seus opositores. Outros – incluindo Mark Weisbrot, Glenn Greenwald, David Mirada, Andrew Fishman, Gianpaolo Baiocchi, Ben Norton e Dave Zirin – documentaram os muitos e diferentes interesses de classe e de status que se aliaram, usando o bordão da “anti-corrupção” tanto para desviar a atenção de sua própria venalidade como para começar a reversão das políticas levemente redistribucionistas do PT, que vem governando o Brasil desde 2003 . Quando se menciona a escravidão, isto é geralmente feito como uma herança. O Brasil importou mais africanos escravizados que qualquer outra nação americana, e foi o último país do hemisfério a abolir a instituição, em 1888. Como é o caso das nações historicamente fundadas sobre o colonialismo e a escravidão, a política econômica federal do PT, orientada para o alívio da pobreza e redução da desigualdade, tem um viés racial. Isto era verdade em 1964 quando um governo levemente reformista foi derrubado em um golpe (como minha colega da MYU, Barbara Weinstein, escreve em seu maravilhoso novo livro The Color of Modernity: São Paolo and the Making of Race and Nation in Brazil - A Cor da Modernidade: São Paulo e a Formação da Raça e da Nação no Brasil). E é verdade hoje, 56 anos depois. 
 
Mas, na verdade, a escravidão ainda existe no Brasil, na Amazônia (como escrevi emFordlândia, com base nesta investigação da Bloomberg), e cada vez mais nas plantações de soja do interior. A escravidão moderna é, como um funcionário do Ministério do Trabalho o declara, uma "parte essencial da economia globalizada, orientada para a exportação, sobre a qual o Brasil prospera." Os trabalhadores são coagidos quer por meios violentos, quer por força de seus débitos a fornecer trabalho sem compensação e forçados a suportar as condições mais desumanas. Eles forjam ferro-gusa para alimentar a indústria de aço do Brasil, colhem soja, derrubam florestas tropicais, cortam cana-de-açúcar e servem como empregadas domésticas. 
 
Uma das primeiras coisas que o governo do PT fez quando assumiu em 2003, depois que Luiz Inácio Lula da Silva alcançou a presidência, foi criar uma “lista suja” de “centenas empresas e empregadores individuais que foram investigados por fiscais trabalhistas e descobertos como usuários de escravos. Os empregadores nesta lista estão impedidos de receber empréstimos do governo e têm restrições colocadas sobre as vendas de seus produtos." O PT também intensificou os esforços para "emancipar "os escravos modernos:" Em 2003, um plano nacional de erradicação do trabalho escravo atualizou a legislação e introduziu um sistema de procuradores e juízes do trabalho. "Entre 2003 e 2015," o governo resgatou 44.483 trabalhadores do que chama "condições análogas à escravidão."
 
A "lista suja", juntamente com outras iniciativas abolicionistas do PT, provocou uma reação por parte daqueles interesses econômicos que lucram com a escravidão moderna. No final de 2014, a Suprema Corte do país, que tem apoiado decididamente os que desejam o impeachment da Dilma, emitiu uma liminar contra o Ministério do Trabalho para que este suspendesse o lançamento de uma nova lista de donos de escravos. A decisão foi tomada para favorecer a associação dos proprietários e construtoras do Brasil. E muitos desses interesses, incluindo políticos ruralistas como Beto Mansur, encontram-se entre aqueles que pressionam para a queda de Dilma e a destruição do PT. O principal grupo de lobby da agro-indústria brasileira, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, que apoia a derrubada de Dilma, tem se oposto à "lista suja" há anos. Uma investigação feita pelo Repórter Brasil, uma ONG que combate o trabalho forçado, revela que os partidos políticos por trás do impeachment (incluindo o Partido do Movimento Democrático do Brasil, o partido de Eduardo Cunha, o líder do Congresso da Câmara dos Deputados do Brasil e que organizou o impeachment) são aqueles que receberam a maior parte das doações políticas de empresas que lucraram com o trabalho escravo. 
 
Os lucros produzidos pelo trabalho escravo no Brasil são relativamente insignificantes se comparados à riqueza dos principais promotores da crise política: as elites ligadas às finanças, à energia, à mídia e à industria. Mas a luta em torno da escravidão no Brasil revela o que em última análise está em jogo no conflito. Muitos dos políticos agora que procuram derrubar Dilma ficaram espetacularmente ricos ou representam outros que se enriqueceram espetacularmente durante os bons tempos da primeira década dos mandatos do PT, aproximadamente de 2003 a 2013, durante os dois termos de Lula e o primeiro da Dilma. No entanto, eles jamais aceitaram a ideia de que deveriam subordinar seus interesses particulares ao projeto maior do PT, a despeito do fato de que foi este projeto – incluindo uma leve redistribuição – que impulsionou o consumo interno e os tornou espetacularmente ricos. A exportação de soja explodiu sob o governo do PT, dando origem a toda uma classe de barões no interior, alguns dos quais, incluindo homens como Mansur detêm assentos no Congresso. E apesar dos esforços agressivos do PT para erradicar a escravidão moderna, o trabalho forçado na verdade aumentou sob seu governo, na medida em que cresceram as indústrias que utilizaram trabalho forçado, entre as quais eles a da soja, a do etanol e a do açúcar.
 
A escravidão, conquanto relativamente pequena frente ao quadro maior do mercado de trabalho do Brasil, representa a fina borda de um princípio mais amplo: o direito das elites brasileiras de explorarem os seres humanos e a natureza tão implacavelmente quanto o desejarem. Como já está amplamente divulgado, a presidente eleita duas vezes no Brasil está hoje prestes a ser afastada do cargo, o que pode acontecer logo na primeira semana de maio. Sua destituição pode ser chamada de muitas coisas, entre elas um golpe da mídia e um golpe constitucional. Pelo menos em parte, ela é também um golpe dos donos de escravos.
 
Veja o texto original em inglês:
(http://www.thenation.com/article/a-slavers-coup-in-brazil)
 
Traduzido por Anivaldo Padilha
Créditos da foto: Nilson Bastian / Câmara dos Deputados