No meio da grita do “mercado” pressionando o Governo a apresentar um sólido superávit primário – ou seja, receitas bem maiores do que as despesas – há um grande prêmio para as multis e o risco de um grande prejuízo para o Brasil.
E, o que é pior, prejuízo disfarçado de lucro.
Hoje, o
Valor anuncia que, até o final do mês, sai o pré-edital do leilão da área de Libra, a mais promissora já descoberta no pré-sal.
Sozinha, com estimativas de oito a 15 bilhões de barris recuperáveis (a parte do óleo que pode ser extraída), Libra quase representa tudo o que o Brasil tinha de reservas petrolíferas até há pouco.
É a jóia da coroa do pré-sal.
Mas o Governo já não garantiu o controle nacional sobre esse mar de petróleo quando mudou o regime de exploração do modelo de concessão implantado por Fernando Henrique, para o de partilha.
Sim. Mas a partilha, sozinha, não garante que esse patrimônio vá ser usufruído como deve ser pelo povo brasileiro.
E onde está o “pulo do gato” com que os interesses sobre o nosso petróleo ainda esperam dar?
O nome é “bônus de assinatura”.
Os jornais falam, todos os dias, em um bônus entre R$10 bilhões e R$ 20 bilhões. Os olhinhos de muita gente chegam a brilhar com tanta grana entrando de uma só tacada.
O Governo, por sua vez, no decreto que estabeleceu o contingenciamento orçamentário, no final do mês passado, fixou uma previsão de R$ 8,3 bilhões em receitas provenientes de concessões. Isso inclui o bônus de assinatura de Libra, mas não apenas ele.
E o que vai definir se o bônus a ser obtido será maior ou menor?
Simples: é o percentual mínimo de partilha, a partir do qual as empresas oferecerão lances para dar maior ou menor parte do petróleo extraído para o Governo brasileiro.
É como se você vendesse sociedade em uma loja dizendo aos possíveis compradores: qual é a parte da féria que você concorda em me entregar (a partilha) e quanto vai me pagar de luvas (o bônus).
É evidente que, se o comprador sabe que a loja é bem situada, tem muito movimento e dá dinheiro certo e alto, ele pode ganhar muito ficando com uma parcela menor. Mas quanto menor a parcela, menos ele tenderá a pagar de luvas, ou seja, de bônus.
Os campos do pré-sal são como a tal loja: dinheiro garantido, e muito. Sem risco de quem comprar estar pondo dinheiro fora.
É por isso que a partilha é mais adequada que a concessão, por não haver risco exploratório. Claro que há investimento, mas se pode dizer que, com ele, fica assim: furou, conectou o tubo, é só ir contando o que entra de óleo.
Há, porém, uma diferença em relação ao negócio da loja.
O vendedor, neste caso, tem uma empresa capaz de explorar e administrar – e muito bem – a loja: a Petrobras.
E, embora ela tenha, por lei, 30% do contrato, não apenas terá de pagar por ele a parte das luvas – o bônus – correspondente a sua participação, como terá de dar ainda mais se ficar com uma parcela maior – e é ótimo para o país que fique – do negócio.
Quanto mais perto de 100% for a participação da Petrobras, mais fica aqui a renda do pré-sal.
Embora tenha muitos recursos – e esteja se preparando para ter caixa, no momento do leilão de Libra – quanto mais a Petrobras tiver de desembolsar de imediato no pagamento do bônus, menos ela poderá aplicar na compra dos direitos a uma parcela maior do negócio.
E, lógico, vai ter de deixar essa parcela para as multis, porque só as grandes empresas, com acesso a capitais, podem dispor de uma caixa assim.
Além do mais, se a Petrobras mobiliza todos os seus recursos de investimento no pagamento de bônus, como ela assumirá os compromissos de ter recursos para os investimentos altos que a fase inicial de exploração exige?
Se, por isso, ela não tiver como “dar conta” de explorar na velocidade adequada o campo de petróleo, não apenas está sujeita a sanções como, sobretudo, a ter de vender essa parcela a maior ou, até, a se ver politicamente fragilizada e facilitar uma mudança nas regras.
Ou você não se lembra da promessa de José Serra a Patricia Pradal, executiva da Chevron, revelada nos documentos do
Wikileaks?
“Deixa esses caras fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”
Mas, se impedir isso fixando um bônus menor, o Governo não terá prejuízo, ou menos ganhos?
Não, porque os ganhos do Governo vão ocorrer também ao longo do contrato de exploração, na transformação em dinheiro da parcela do petróleo que lhe couber. Quanto mais alta a parcela, maior participação no lucro do petróleo.
A participação do estado, nos contratos de partilha, varia internacionalmente entre 50 e 90% do óleo obtido, descontados os custos de extração.
Quanto maior o poço, maior a parcela estatal, essa é a regra.
E o que pode ser maior do que Libra, a maior jazida de petróleo descoberta nos últimos anos em todo o mundo?
Duas coisas: a gula das multis sobre essa riqueza imensa e a estultice de gente que quer um bilhão já em lugar de dez ou vinte ao longo do contrato.
E há estúpidos para isso, como o homem da fábula da galinha dos ovos de ouro.
E, nesse caso, para se fazerem de “bons meninos” diante do capital financeiro mundial, para mostrar que “fazem o dever de casa” e entregam as contas nacionais “bonitinhas e arrumadinhas”, a qualquer preço.
Não importa que haja cabeças minúsculas não conseguem pensar um projeto de país e querem administrar as finanças públicas como as contas de um botequim, onde se frua o prazer de ver que a féria, naquele dia, foi boa, porque vendeu as mesas, as cadeiras e até a geladeira.
Não há, ao contrário de mesas, cadeiras e geladeiras, reservas de petróleo deste tamanho para serem compradas.
Não serão burros os que fizerem isso, porque sabem o que estão fazendo ou deveriam sabe-lo.
Serão, sim, criminosos de lesa-pátria, que entregam o patrimônio do povo brasileiro na bacia das almas alegando que precisam “fazer caixa”.
Mas também serão, no médio prazo, suicidas. Porque seguir os rumos de FHC, mesmo usando um caminho mais tortuoso, só levará ao destino de rejeição e asco que tem dele o povo brasileiro.
Por: Fernando Brito