“Mervalices” são batatadas que o jornalista da Globo Merval Pereira espalha toda vez que comete um comentário político. Há cerca de duas semanas, por exemplo, o mordomo tucano (vide foto acima) afirmou que o governador de Brasília, Agnelo Queiróz, tinha mais evidências de relações suspeitas com Carlinhos Cachoeira do que o governador de Goiás, Marconi Perillo.
Batatada é pouco para definir aquele comentário. Já havia, então, dezenas de informações sobre negociatas e apadrinhamentos envolvendo o governador e o bandido goianos, enquanto que, contra o governador de Brasília, só existiam comentários de membros da quadrilha sobre relações dela com um ex-assessor direto de Agnelo.
Gravações feitas pela Polícia Federal mostraram os criminosos aludindo a uma suposta ligação do então chefe de gabinete de Agnelo, Claudio Monteiro, com o grupo de Cachoeira. Integrantes da quadrilha discutiram pagamento de mesada a ele para obterem benefícios em contratos no setor de limpeza pública.
A conversa foi gravada em janeiro do ano passado. O diretor da Construtora Delta na região Centro-Oeste, Claudio Abreu – que foi preso na semana passada -, ligara para Idalberto Matias de Araújo, o Dadá. Conversaram sobre nomeação de um aliado da quadrilha na direção do Serviço de Limpeza Urbana de Brasília (SLU).
Os criminosos citaram dois nomes: Marcelão, que seria o ex-assessor da casa militar do GDF, Marcello Lopes, e Claudio Monteiro, chefe de gabinete de Agnelo Queiroz. Abaixo, o diálogo.
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Dadá: “O Marcelão tá aqui comigo, entendeu. Eu tava falando para o Carlinhos, o seguinte. Ele veio da reunião com o Claudio Monteiro entendeu, então ele tava falando o seguinte, que é ideal você dar um presente pro cara. A nomeação só vai sair na terça-feira no Diário Oficial.”
Claudio Abreu: “Dada, resume. O que é que é pra dar pra ele, Dadá?”
Dadá: “Dá o dinheiro para o cara, meu irmão.”
Claudio Abreu: “Faz o seguinte. Vamos dar R$ 20 mil pra ele e R$ 5 mil por mês, pronto! Nós vamos dar R$ 20 mil pra ele agora e R$ 5 mil por mês, entendeu?”
Dadá: “Vou falar com o Marcelão aqui.”
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Segundo a investigação, Claudio Monteiro foi o responsável pela indicação do nome de João Monteiro na direção do SLU. A PF não comprovou se o chefe de gabinete do GDF recebeu o dinheiro. A apuração da polícia indica que a quadrilha esperava que João Monteiro facilitasse negócios da Delta na coleta de lixo do DF, mas o único contrato fora firmado na gestão anterior à de Agnelo.
Foi a isso que Merval se referiu como sendo mais grave do que o envolvimento de Marconi Perillo com Carlinhos Cachoeira e sua quadrilha. Todavia, de lá para cá, explodiram indícios gravíssimos contra o governador de Goiás que têm sido amplamente difundidos na grande mídia e na blogosfera. Mas o que a este blog parece mais grave ganhou pouca repercussão.
Na semana passada, chegou a ser manchete principal de primeira página da Folha de São Paulo o fato de que a quadrilha tentou entregar uma caixa de dinheiro no palácio do governo de Goiás. Segundo a Polícia Federal, o governador tucano mandava recados para o bicheiro por meio de Demóstenes Torres.
Marconi Perillo vinha negando qualquer relação com Cachoeira. Entretanto, gravações da PF ventiladas pelo site Congresso em Foco – e que não ganharam repercussão na mídia – mostram que o governador de Goiás mentiu, pois ele mesmo tomou a iniciativa de ligar para o contraventor a fim de parabenizá-lo por seu aniversário.
Perillo e Cachoeira chegam a marcar um jantar. De acordo com a PF, trataram de assuntos de interesse do grupo de Cachoeira”. Cinco dias depois dessa reunião, apontam as investigações, a quadrilha tentou entregar uma caixa de dinheiro no Palácio das Esmeraldas, a sede do governo goiano.
A conversa entre Marconi e Cachoeira, que então aniversariava, aconteceu às 20h48 de 3 de maio de 2011. Perillo ligou para o bicheiro a fim de parabenizá-lo, chamando-o de “Liderança” e reclamando por não ter sido convidado para a festa de aniversário.
Veja, abaixo, o diálogo entre Carlinhos Cachoeira e Marconi Perillo capturado pela Polícia Federal.
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03/05/2011 20:48:12
RESUMO: MARCONI parabeniza CARLINHOS por seu aniversário e confirma jantar entre eles.
CARLINHOS: Oi.
HNI: CARLOS?
CARLINHOS: É.
HNI: Um momento, por favor, que o GOVERNADOR MARCONI vai falar.
MARCONI: Liderança!
CARLINHOS: Fala, amigo, tudo bem?
MARCONI: Rapaz, faz festa e não chama os amigos?
CARLINHOS: O que é que é isso…
MARCONI: Parabéns.
CARLINHOS: Tudo bem? Obrigado pela lembrança, viu, GOVERNADOR.
MARCONI: Que Deus continue te abençoando aí, te dando saúde, sorte.
CARLINHOS: Amém, muito obrigado, viu?
MARCONI: Um grande abraço pra você, viu?
CARLlNHOS: Obrigado aí, viu?
MARCONI: Eu vou falar com o EDIVALDO pra gente marcar uma conversa, tá?
CARLINHOS: Exatamente. Tô esperando, viu?
MARCONI: Já tá marcado. Quinta-feira, não tem?
CARLINHOS: É, quinta-feira. O SENADOR me ligou, tá? Obrigado pela lembrança.
MARCONI: Tá bom. Um abraço, tchau.
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Para não crucificarmos só Merval, não foi só ele que disse que havia mais indícios de ligação entre Agnelo e Cachoeira do que deste com Perillo. Reinaldo Azevedo, Ricardo Noblat, Eliane Cantanhêde e muitos outros pistoleiros do PIG disseram a mesma coisa.
O leitor que decida se isso procede, se a citação de assessores de um se compara com a relação de amizade do outro, que envolve até envio de pacote de dinheiro ao palácio do governo de Goiás.
Neste domingo, porém, as mervalices de Merval se tornam muito mais esclarecedoras sobre quem é quem na política brasileira.
O mordomo tucano, em artigo, desmancha-se em elogios ao PSOL (com ressalvas), absolve a Veja de suas relações escandalosas com a quadrilha de Cachoeira e com o próprio e, naturalmente, faz do PT o grande alvo das investigações, apesar de que a íntegra do inquérito que vazou recentemente praticamente não contém nada que desabone os governistas.
Abaixo, a coluna de Merval Pereira deste domingo (29.04) em O Globo
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O GLOBO
29 de abril de 2012
As gravações que revelam escândalos da República
por Merval Pereira
Os vazamentos dos documentos sigilosos referentes à investigação da Polícia Federal sobre a relação do Senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira que o Supremo Tribunal Federal enviou ao Congresso estão por toda a parte, e já nem são mais seletivos. Há fatos para todos os gostos.
Tanto a chamada “grande imprensa” quanto uma variedade imensa de blogs, de várias tendências políticas e com diversos interesses em jogo, estão divulgando sem parar documentos e gravações, para desespero, suponho, do senador autointitulado bedel da CPI.
Aliás, muitos dos documentos vazaram enquanto estavam sob a guarda do Supremo, e continuaram vazando mesmo antes de chegarem ao Congresso.
Eles demonstram mais uma vez que o relacionamento de jornalistas da revista Veja com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seus asseclas nada têm de ilícito, ficando preservada, por tudo que se conhece até o momento, a tênue linha que separa a ética jornalística de atos que podem comprometê-la.
O caso do jornal popular inglês News of the World, que colocou seus diretores e proprietários no banco dos réus na Inglaterra, é exemplar dessa diferença: lá os jornalistas contratavam arapongas para espionar celebridades e políticos.
Aqui, até o momento está demonstrado que a revista se utiliza de gravações realizadas para revelar os escândalos da República.
E em diversos momentos, como revelam as gravações, a revista se colocou contra os interesses de sua fonte de informações, divulgando notícias que desagradaram o bicheiro e sua turma.
A já conhecida gravação em que Cachoeira se queixa de que o diretor da sucursal de Brasília da revista Policarpo Junior não dá nada em troca das informações que recebe é uma evidência disso.
O máximo que aparece nas novas gravações é um tratamento íntimo do bicheiro com o jornalista, e um pedido de uma notinha na revista, fatos que podem desagradar os que tentam politizar o caso para se vingar, mas não chegam a condenar a revista nem seus jornalistas.
As gravações mostram também, de maneira evidente, o trabalho do senador Demóstenes Torres de proteger a empreiteira Delta por interesse direto do bicheiro.
Tanto que o PSOL já decidiu aditar à sua representação contra Demóstenes no Conselho de Ética do Senado, todo o material que receber da investigação da Polícia Federal sobre o esquema Cachoeira, através do senador Randolfe Rodrigues, seu representante na CPI.
O Partido Socialismo e Liberdade, aliás, indica que terá nessa CPI um papel semelhante ao que o PT originalmente tinha quando estava na oposição.
Seus membros são praticamente todos oriundos da base petista, formados na dissidência primeiramente dentro do próprio partido, depois na formação de um novo partido que se quer distante do “pragmatismo” que passou a ditar as regras do governo Lula.
Por motivos errados a meu ver, pois o gatilho para a dissidência foi a reforma previdenciária que o ex-presidente Lula acertadamente tentou levar adiante no início de seu governo, o PSOL já pressentia os rumos que o PT no governo tomaria, e seus fundadores desembarcaram dele antes que estourasse o escândalo do mensalão, em 2005.
Embora insista em teses arcaicas como a implantação do socialismo no país, objetivo que o próprio PT deixou como letra morta em seu estatuto, o PSOL guarda uma certa indignação com as atitudes pouco republicanas na prática política brasileira que é saudável.
Seu instrumento de pressão, a maioria das vezes inócuo pelos próprios vícios do sistema em vigor, são as comissões de Ética e as CPIs no Congresso, como a reforçar a ideia de que o primeiro passo para uma reforma política seria a reforma de nossas práticas políticas.
O partido pretende ampliar o anexo de sua representação à Comissão de Ética com diálogos ‘pouco republicanos’ de Demóstenes com o contraventor, publicados na imprensa, segundo seu líder, o deputado federal Chico Alencar.
Ele contesta a tendência declarada pelo relator da Comissão de Ética, senador Humberto Costa, de desconsiderar as gravações, afirmando que “não se sustenta” a tese de que elas podem ser anuladas pelo Supremo.
Alencar utiliza-se do argumento do próprio Humberto Costa, que já declarou que o julgamento do senador de Goiás no Conselho é político, e não se cinge às tecnicalidades jurídicas.
“Portanto, tudo o que — sendo veraz, por óbvio — contribui para a análise política da quebra da Ética e do Decoro Parlamentar tem que ser levado em consideração. Assim cobraremos”.
Na análise do líder do PSOL, “há alguns parlamentares na CPMI que confiam uns nos outros, pois são independentes e não têm medo de seu passado e de seu presente, isto é, não têm ‘telhado de vidro’. Nem estão ali para blindar correligionários”.
O deputado Chico Alencar admite que “não são muitos os que não recuarão por conveniências políticas, é verdade”.
Mas acha que os “independentes” são em número suficiente para, em último caso, fazer um voto em separado, denunciando o que, na verdade, está em questão: “o padrão degenerado da política brasileira, no qual os interesses privados, legais e ilegais, imbricam-se com os negócios públicos, e capturam, para o enriquecimento ilícito de pessoas e empresas, as instituições”.
Chico Alencar considera que o caso guarda semelhanças, nesse aspecto da promiscuidade do público com o privado, com o caso do mensalão:
“Trata-se da tarefa de ‘republicanizar a República’, e a oportunidade é singular”, diz ele.
Ele chama a atenção para uma declaração do governador petista do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, segundo quem “tomar a denúncia como produto de uma conspiração é errado: é deixar de lado que o Estado brasileiro — historicamente cartorial, bacharelesco e barroco nos seus procedimentos, e forjado sob o patrocínio de um liberalismo antirrepublicano — tem um sistema político, eleitoral e partidário totalmente estimulante a desvios de conduta e a condutas que propiciam a corrupção”.
Genro, por sinal, foi uma das poucas lideranças petistas que, em decorrência do escândalo do mensalão, tentou liderar um movimento dentro do partido para sua “refundação”.
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Sempre que algum pistoleiro do PIG trata das relações escandalosas da Veja com a quadrilha de Cachoeira toma o cuidado de não reproduzir uma linha das escutas da PF – e olhem que só o que vazou, até agora, é lateral, pois as centenas de conversas entre Policarpo Jr. com Cachoeira e sua quadrilha, bem como os almoços, jantares e festas, ainda estão ocultos e só devem vir à tona durante os trabalhos da CPI.
Merval e companhia não reproduzem o teor do material da PF sobre a Veja porque, se o fizessem, desmontariam a tese sobre se tratar de mera relação repórter-fonte. Vale relembrar, pois, do que se trata o que a mervalice chama de simples “pedido de uma notinha na revista”.
Como se vê, não foi um simples “pedido de uma notinha na revista” Veja, mas uma determinação da quadrilha sobre onde deveria ser publicada uma nota para prejudicar adversários dos criminosos. E isso é só parte do que existe, pois, repito, não se conhece, ainda, o teor dos grampos das conversas entre Policarpo, Cachoeira e companhia.
Outro ponto que vale notar é a utilização que a direita midiática faz do PSOL. Com efeito, ganha todo sentido do mundo a máxima de que esse partido representa a esquerda de que a direita gosta. É apresentado como uma agremiação de ingênuos sonhadores com um socialismo “ultrapassado”, mas que seriam “honestos”.
O PSOL tem três deputados federais e um senador. Não tem como influir em nada. Apenas posa de Grilo Falante sempre disposto a atacar os ex-companheiros petistas e a aparecer no Jornal Nacional para ganhar elogios de gente como o mordomo tucano, que sempre toma o cuidado de, em meio a tais elogios, ridicularizar as ideias “caquéticas” do partido.