Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

terça-feira, 5 de novembro de 2013

COMO O PIG FRAUDA A LEY DE MEDIOS Venício explica: foi uma escolha do povo argentino.

 O Conversa Afiada reproduz artigo de Venício A. de Lima, extraído do Observatório da Imprensa:

A Lei de Meios da Argentina resulta de um longo processo de construção que mobilizou os mais diversos setores da sociedade civil e do governo. Néstor Busso e Diego Jaimes organizaram um livro – La Cocina de la Ley. El Processo de Incidencia em la elaboración de la ley de servicios de comunicación audiovisual em Argentina (Foro Argentino de Radios Comunitárias; 2011) – que, além de descrever todo o processo, reúne os principais documentos que deram origem ao projeto original (disponível aqui).

Depois de tramitar e receber mais de duzentas emendas no Congresso Nacional, a lei foi finalmente aprovada por ampla maioria e sancionada pela presidente da República em outubro de 2009, substituindo um decreto-lei da ditadura militar, promulgado em 1981 (ver aqui o texto integral da lei).

A Lei de Meios busca impedir a continuidade de um mercado oligopolizado de mídia, historicamente excludente de vozes, corruptor da opinião pública e protetor da liberdade de expressão de apenas uns poucos. Para isso, estabelece limites – em nível nacional e local – para o número de concessões de emissoras de rádio e de televisão a ser controlado por um mesmo grupo.

Na prática, nenhum dos três setores prestadores dos serviços de comunicação audiovisual – de gestão estatal, de gestão privada com fins lucrativos e de gestão privada sem fins lucrativos – poderá controlar mais de um terço das concessões que serão outorgadas por um prazo máximo de dez anos.

Impede-se assim a concentração da propriedade e garante-se a liberdade de expressão de setores até aqui excluídos do “espaço público da mídia” – povos originários, sindicatos, associações, fundações, universidades, isto é, entidades privadas sem fins lucrativos.

São também garantidas cotas de exibição para o cinema argentino, para a produção independente nacional, o fomento à produção de conteúdos educativos e para a infância, e o acesso universal à transmissão de eventos esportivos. As novas concessões e as renovações de concessões terão que passar por audiências públicas e foi criada uma Autoridade Federal de sete membros e um Conselho Federal de quinze membros, ambos colegiados plurais e representativos, que zelarão pelo cumprimento da lei.

Uma das inovações da Lei de Meios é que foram nela didaticamente incluídas trinta e sete “Notas Explicativas” (NE) sobre a origem e/ou as razões para a adoção de princípios e normas. Essas NE são descrições que não só especificam os documentos de organismos multilaterais (ONU, Unesco, União Europeia, OEA, Cepal, UIT, dentre outros) que recomendam a adoção das normas e princípios, como também oferecem uma análise comparada de regulações praticadas em outras democracias representativas (Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Reino Unido, Austrália, dentre outros). Além disso, a lei traz quase uma centena de “notas de rodapé” que remetem para entidades, pessoas, referências bibliográficas e/ou propostas que estão na origem e fundamentam vários artigos.

Quem alegava a inconstitucionalidade de que?

Imediatamente após sua promulgação, quatro dos 166 artigos da lei foram questionados na Justiça pelo maior grupo privado oligopolista de comunicação argentino: o Grupo Clarín. Liminares e medidas protelatórias diversas impediram o cumprimento pleno da lei ao longo de mais de quatro anos, até que se chegasse a uma decisão da Suprema Corte argentina.

O Grupo Clarín, alegava a inconstitucionalidade dos artigos 41, 45, do parágrafo 2º do artigo 48 e do artigo 161. São as normas que tratam da transferência de concessões; da multiplicidade de concessões; da impossibilidade de se evocar o “regime de multiplicidade de concessões” previsto na lei como direito adquirido e a obrigatoriedade de adequação à lei, em prazo de um ano a partir da definição dos mecanismos de transição, por parte de grupos já detentores de concessões.

Veja abaixo o texto (traduzido) dos artigos questionados:

>> ARTIGO 41. – Transferência das concessões. As autorizações e concessões de serviços de comunicação audiovisual são intransferíveis. (…)

>> ARTIGO 45. – Multiplicidade de concessões. A fim de garantir os princípios da diversidade, pluralidade e respeito pelo que é local, ficam estabelecidas limitações à concentração de concessões.

Nesse sentido, uma pessoa de existência física ou jurídica poderá ser titular ou ter participação em sociedades titulares de concessões de serviços de radiodifusão, de acordo com os seguintes limites:

1. No âmbito nacional:

a) Uma (1) concessão de serviços de comunicação audiovisual sobre suporte de satélite. A titularidade de uma concessão de serviços de comunicação audiovisual via satélite por assinatura exclui a possibilidade de titularidade de qualquer outro tipo de concessão de serviços de comunicação audiovisual;

b) Até dez (10) concessões de serviços de comunicação audiovisual mais a titularidade do registro de um sinal de conteúdo, quando se trate de serviços de radiodifusão sonora, de radiodifusão televisiva aberta e de radiodifusão televisiva por assinatura com uso de espectro radioelétrico;

c) Até vinte e quatro (24) concessões, sem prejuízo das obrigações decorrentes de cada concessão outorgada, quando se trate de concessões para a exploração de serviços de radiodifusão por assinatura com vínculo físico em diferentes localidades. A autoridade de execução determinará os alcances territoriais e de população das concessões.

A multiplicidade de concessões – em nível nacional e para todos os serviços –, em nenhuma hipótese, poderá implicar na possibilidade de se prestar serviços a mais de trinta e cinco por cento (35%) do total nacional de habitantes ou de assinantes dos serviços referidos neste artigo, conforme o caso.

2. No âmbito local:

a) Até uma (1) concessão de radiodifusão sonora por modulação de amplitude (AM);

b) Uma (1) concessão de radiodifusão sonora por modulação de frequência (FM) ou até duas (2) concessões quando existam mais de oito (8) concessões na área primária do serviço;

c) Até uma (1) concessão de radiodifusão televisiva por assinatura, sempre que o solicitante não seja titular de uma concessão de televisão aberta;

d) Até uma (1) concessão de radiodifusão televisiva aberta sempre que o solicitante não seja titular de uma concessão de televisão por assinatura;

Em nenhuma hipótese, a soma do total das concessões outorgadas na mesma área primária de serviço ou o conjunto delas que se sobreponham de modo majoritário, poderá exceder a quantidade de três (3) concessões.

3. Sinais:

A titularidade de registros de sinais deverá se conformar às seguintes regras:

a) Para os prestadores designados no item 1, subitem “b”, será permitida a titularidade do registro de um (1) sinal de serviços audiovisuais;

b) Os prestadores de serviços de televisão por assinatura não poderão ser titulares de registro de sinais, com exceção de sinal de geração própria.

Quando o titular de um serviço solicite a adjudicação de outra concessão na mesma área ou em uma área adjacente com ampla superposição, ela não poderá ser concedida se o serviço solicitado utilizar uma única frequência disponível na referida zona.

>> ARTIGO 48. – (…)

O regime de multiplicidade de concessões previsto nesta lei não poderá ser invocado como direito adquirido frente às normas gerais que, em matéria de desregulamentação, desmonopolização ou de defesa da concorrência, sejam estabelecidas pela presente lei ou que venham a ser estabelecidas no futuro.

>> ARTIGO 161. – Adequação. Os titulares de concessões dos serviços e registros regulados por esta lei, que até o momento de sua sanção não reúnam ou não cumpram os requisitos previstos por ela; ou as pessoas jurídicas que, no momento de entrada em vigor desta lei sejam titulares de uma quantidade maior de concessões, ou com uma composição societária diferente da permitida, deverão ajustar-se às disposições da presente lei num prazo não maior do que um (1) ano, desde que a autoridade de execução estabeleça os mecanismos de transição. Vencido tal prazo, serão aplicáveis as medidas que correspondam ao descumprimento, em cada caso.

Apenas para efeito da adequação prevista neste artigo, será permitida a transferência de concessões. Será aplicável o disposto pelo último parágrafo do Artigo 41.

A leitura desses artigos evidencia que, ao questioná-los, o Grupo Clarín procurava se excluir do âmbito da lei e manter o seu enorme oligopólio.

Em 29 de outubro de 2013, todavia, a Suprema Corte declarou a constitucionalidade de todos os artigos questionados reconhecendo a legitimidade do Congresso Nacional em legislar sobre o tema e, sobretudo, a garantia da liberdade de expressão e da liberdade da imprensa (ver aqui a íntegra da decisão).

Interditar o debate e falsear a verdade

Reduzir a Lei de Meios e a decisão da Suprema Corte argentina apenas a uma disputa entre o governo de Cristina Kirchner e o Grupo Clarín e/ou “a mais um episódio da ascendente violação da liberdade de imprensa na América Latina” – como afirma o editorial de um jornal brasileiro –, é faltar deliberadamente com a verdade e sonegar informação de interesse público.

Diante da constrangedora omissão do poder público, que se recusa a enfrentar abertamente a questão, o que reiteradamente vem ocorrendo entre nós é a omissão e o falseamento descarados de informações referentes à regulação da mídia – refiram-se elas ao Brasil, à Argentina, à Inglaterra ou a qualquer outro país –, sempre e paradoxalmente em nome da liberdade de expressão e da liberdade da imprensa.

No que se refere à regulação democrática da mídia, o Brasil continua no século passado.

***

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Conselhos de Comunicação Social – A interdição de um instrumento da democracia participativa (FNDC, 2013), entre outros livros.




Clique aqui para ler “Como a Ley de Medios enquadra a Globo argentina”. 

aqui para ler “STF da Argentina considera Ley de Medios constitucional”. 

“Rede Globo, fantástico é o seu racismo!”



Nas últimas semanas escrevi dois textos sobre a relação entre meios de comunicação, publicidade e humor e a prática de racismo, o primeiro provocado por uma peça publicitária de divulgação do vestibular da PUC-PR e o segundo por conta de umprograma de humor que ridicularizava as religiões de matriz africana. Hoje, graças a Rede Globo de televisão, retorno ao tema.

Neste domingo 3 de novembro o programa Fantástico, em seu quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico”,  exibiu um episódio cujo tema é muito caro para a história da população negra no Brasil.

Passado mais da metade do programa, eis que de repente surge a simpática Renata Vasconcellos. Sorriso estonteante ainda embriagado pela repentina promoção: “Vamos voltar no tempo agora, mas voltar muito: 13 de maio de 1888, no dia em que a Princesa Isabel aboliu a escravidão. Adivinha quem tava lá? Ele, o repórter da história, Bruno Mazzeo!”


O quadro, assinado por Bruno Mazzeo, Elisa Palatnik e Rosana Ferrão, faz uma sátira do momento histórico da abolição da escravidão no Brasil. Na “brincadeira” o repórter entrevista Joaquim Nabuco, importante abolicionista, apresentado como líder do movimento “NMS – Negros, mulatos e simpatizantes”!

Princesa Isabel também entrevistada, diz que os ex-escravos serão amparados pelo governo com programas como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola – o Senzalão da Educação” e com Palhoças Populares do programa “Minha Palhoça, minha vida”!

“Mas por enquanto a hora é de comemorar! Por isso eles (os ex-escravos) fazem festa e prometem dançar e cantar a noite inteira…” registra o repórter, quando o microfone é tomado por um homem negro que, festejando, passa a gritar: “É carnaval! É carnaval!”

O contexto

Não acredito que qualquer conteúdo seja veiculado por um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo apenas por um acaso ou sem alguma intencionalidade para além da nobre missão de “informar” os milhões de telespectadores, ora com seus corpos e cérebros entregues aos prazeres educativos da TV brasileira em suas últimas horas de descanso antes da segunda feira – “dia de branco”.

E me perguntei: Por que – cargas d’água, a Rede Globo exibiria um conteúdo tão politicamente questionável? O que teria a ganhar com isso? Sequer estamos em maio! Que “gancho” ou motivação conjuntural haveria para justificar esse conteúdo?

Bom, estamos em novembro. Este é o mês reconhecido oficialmente como de celebração da Consciência Negra. É o mês em que a população  a f r o d e s c e n d e n t e  rememora, no dia 20, Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo e personagem que figura no Livro de Aço como um dos Heróis Nacionais, no Panteão da Pátria. Relevante não?

Estamos também na véspera da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que começa nesta terça, dia 5 e segue até dia 7 de Novembro, em Brasília, momento ímpar de reflexão e debates sobre os rumos das ações governamentais relacionadas a busca de uma igualdade entre brancos e negros que jamais existiu no Brasil. Isso somado à conjuntura de denúncia de violência e assassinatos que tem como principais vítimas os jovens negros, essa Conferência se torna ainda mais importante.

Voltando ao Fantástico, evidente que há quem leia as cenas apenas como um mero quadro humorístico e como exagero de “nossa” parte. Mas daí surge novas perguntas:

Um regime de escravidão que durou 388 anos; Que custou o sequestro e o assassinato de aproximadamente 7 milhões de seres humanos africanos e outros tantos milhões de seus descendentes; e que fora amplamente denunciado como um dos maiores crimes de lesa-humanidade já vistos, deve/pode ser motivo de piadas?

Quantas cenas de “humor inteligente” relacionado ao holocausto; Ou às vítimas de Hiroshima e Nagasaki; Ou às vítimas do Word Trade Center ou – para ficar no Brasil – às vítimas do incêndio na Boate Kiss, assistiremos em nossas noites de domingo?

Ah, mas ex-escravizados festejando em carnaval a “liberdade” concebida pela áurea princesa boazinha, isso pode! E ainda com status de humor crítico e inteligente.

Minha professora Conceição Oliveira diria: “Racismo meu filho. Racismo!”.

A democratização dos meios de comunicação como forma de combate ao racismo

Uma das tarefas fundamentais dos meios de comunicação dirigidos pelas oligarquias e elites brasileiras tem sido a propagação direta e indireta – muitas vezes subliminar, do racismo. É preciso perceber o que está por trás da permanente degradação da imagem da população negra nesses espaços. Há um pensamento racista que é, ao mesmo tempo, reformulado, naturalizado e divulgado para a coletividade.

A arte em forma de publicidade, teledramaturgia, cinema e programas humorísticos são poderosos instrumentos de formação da mentalidade. O que vemos no Brasil, infelizmente, é esse poder a serviço do fomento a valores racistas e preconceituosos que, por sua vez, gera muita violência. A democratização dos meios de comunicação é fundamental para combater essa realidade. No mais, deixo duas perguntas ao governo federal e ao congresso nacional, dos quais devemos cobrar:

O uso de concessão pública para fins de depreciação, desvalorização da população negra e da prática do racismo, machismo, sexismo, homofobia e todos os tipos de discriminação e violência não são suficientes para colocar em risco a concessão destes veículos?

Por que Venezuela, Bolívia e Argentina, vizinhos latino-americanos, avançam no sentido de diminuir a concentração de poder de certos grupos de comunicação e no Brasil os privilégios para este setor só aumentam?

Tantas perguntas…


Douglas Belchior
No Negro Belchior