Tanto a mídia corporativa fez, que conseguiu: a possibilidade de racionamento de energia elétrica é hoje um tema na ordem do dia nos redutos da classe média, nas redes sociais, nas conversas ao acaso com pessoas das mais diversas origens e tendências políticas – ou de nenhuma.
E, embora a administração federal garanta reiteradamente e com todas as letras que não há a menor possibilidade de que o racionamento venha a se efetivar, estamos diante de uma situação na qual fica evidente que o poder de comunicação do governo Dilma não é páreo para o dos conglomerados midiáticos, que já há tempos vêm trabalhando de forma orquestrada, com um discurso previamente combinado.
Na Folha de S. Paulo que chegou às bancas na manhã de segunda-feira (7), a inacreditável Eliane Cantanhêde teve o desplante de transformar uma reunião rotineira, agendada há meses, em reunião de emergência para discutir medidas ante a escassez de recursos energéticos – nominalmente, o racionamento. À noite, o Jornal Nacional mostrou cenas gravadas em dois reservatórios com volumes bem baixos de água e ouviu – adivinhem – um especialista que corroborou a ameaça de racionamento. Não dimensionou, no entanto, o "peso" proporcional dos dois reservatórios em relação ao total de energia produzida no país, não deu dados precisos sobre a situação do sistema como um todo, nem identificou as credenciais ideológicas do indefectível expert – entidade que, no jornalismo brasileiro, é como prostituta: fala o que o contratante quer ouvir. É bem provável, porém que, dado o poder imanente às imagens e à narrativa jornalística, contrapostos ao baixo nível de formação cultural da maioria da população, tal matéria venha a convencer os incautos.
Interesses contrariados
É sabido que Dilma Rousseff cutucou a onça com vara curta ao insistir na redução do preço final da energia elétrica, uma medida salutar ao bolso dos cidadãos e como forma de incentivo à economia produtiva. Aos dissabores provocados por tal insistência, manifestados por porta-vozes de empresas do sistema elétrico ligadas ao tucanato e que incluíram ameaças não muito veladas de boicote e sabotagem, somam-se contrariedades anteriores de setores da elite nacional advindas da redução expressiva da taxa SELIC e da primazia que o governo tem concedido aos investimentos diretos em produção em detrimento da atenção de décadas ao capital financeiro especulativo. Não se promove tais mudanças impunemente.
Ocorre, porém, que, prenunciada por suspeitíssimos e frequentes blackouts regionais, a campanha insidiosa e ininterrupta da mídia corporativa acerca da questão energética e da ameaça de racionamento, mesmo que a rigor falsa, começa a gerar consequências potencialmente perigosas ao país – pois pode funcionar como um fator a mais de precaução por parte dos empresários interessados em investir no Brasil – e à imagem de Dilma Rousseff, a quem procura-se pespegar o rótulo de incompetente e teimosa por insistir no barateamento da energia elétrica em um cenário de alegada crise energética - que tal medida, carimbada de populista pelo conservadorismo, tenderia a agravar ainda mais.
O fato de o noticiário alarmista ocupar um espaço e gozar de um alcance desproporcionalmente maiores, se comparados aos disponíveis para a resposta governamental, além de evidenciar, uma vez mais, a gravidade da crise ética da mídia brasileira – que não só se abstém de cumprir seu papel de reprodutora dos fatos, mas mostra-se engajada em uma campanha difamatória descolada da realidade -, deixa claro o absurdo de o governo continuar a sustentar, com verbas publicitárias, uma tal forma de mau jornalismo, contrário aos próprios interesses públicos que deveria representar.
Mais do que claro está, porém, que o goveno Dilma Rousseff não está disposto a comprar essa briga. A milionária bolsa-mídia continuará a encher os bolsos da plutocracia midiática, mesmo que esta insista em promover campanhas difamatórias mentirosas no lugar do que deveria ser uma atividade jornalística de valores republicanos, que respeitasse o público que a sustenta através dos impostos que paga. Dentre os louváveis avanços sociais que as três administrações federais comandadas pelo PT certamente legarão ao país não se encontrará, infelizmente, a democratização dos meios de comunicação.
Por uma nova imprensa
Ainda assim, e face a mais este grave episódio de desinformação e de manipulação da percepção do público acerca de tema de suma importância para a economia, em diversos níveis, e para a população, em seu dia a dia, não parece despropositado questionar se, ante a inação do governo na área comunicacional, não seria o caso de o próprio PT mobilizar-se junto ao empresariado que hoje apoia o partido e convencê-lo da necessidade da criação de um órgão de imprensa de alcance nacional, com uma redação pequena mas com profissionais gabaritados e blogueiros de talento, que oferecesse nem mais, nem menos do que um jornalismo profissional, interessado em apurar os fatos e difundi-los, em entrevistar os dois ou demais lados de cada questão e reproduzir-lhes as vozes, em opinar de forma ponderada e racional, liberta de compromissos partidários evidentes.
Um Última Hora, de Samuel Wainer, sem a participação direta do governo, que se mantivesse com a venda avulsa, as assinaturas, os patrocínios estatais que angariasse, sua parte nas verbas publicitárias que o governo rateia. Ainda que um eventual prejízo fosse inevitável, um rateio de quando em quando para minimizá-lo seria um preço aceitável a se pagar pela manutenção de um jornal diário digno do nome.
Trata-se de uma demanda urgente, que certamente teria acolhida entre um número enorme de potenciais leitores que simplesmente perderam a fé na mídia que o Brasil tem hoje e anseiam por um jornal que possa ser apreciado sem que o leitor sinta-se constantemente espancado no fígado, tratado como um idiota e insultado como cidadão.