Eduardo Guimarães - Blog Cidadania
Como definir a cidade e o povo de São Paulo? Aliás, como definir o que é a cidade de São Paulo, se a dita “grande São Paulo” interconecta-se com o município que sedia a capital do Estado que leva o mesmo nome que o seu? E por último: existe uma única cidade de São Paulo, do ponto de vista da organização social, política e econômica?
Ao se aproximar o 457º aniversário da capital paulista, é obrigatório escrever sobre essa cidade que concentra amores e ódios de todo o país. Uma cidade que sustenta, como nenhuma outra, os políticos de direita que se tornaram a cabeça de um dos dois pólos do grande embate político nacional, mas que também abriga a resistência mais aguerrida a eles.
São Paulo abriga e privilegia a direita demo-tucana de prominência nacional. Foi e continua sendo o “quartel-general” de Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e José Serra. E como a maioria da população autóctone apóia esses políticos, a cidade atrai uma antipatia política imensa.
Sobre o conceito que o resto do país tem dos paulistanos, apesar do discurso de que São Paulo seria amistosa, abrigaria imigrantes de todas as partes do Brasil e do mundo etc., etc., o fato é que esse povo é considerado frio, inamistoso, arrogante e preconceituoso, apesar de ser o mais mesclado do país, tanto do ponto de vista étnico quanto de origem geográfica.
É injusta a má fama política de São Paulo? É verdadeiro o discurso da grande imprensa e da elite étnico-financeira-empresarial de que é “acolhedora” e “plural? É possível extrair uma única conclusão sobre a cidade e seu povo?
Em primeiro lugar, há que entender que São Paulo é muitas. A cidade é marcada, talvez como nenhuma outra, pela desigualdade, que se torna mais visível devido a não haver a separação entre pobres e ricos que se vê, por exemplo, no Rio de Janeiro, onde rico fica perto da praia e pobre, longe.
Nesse aspecto, apesar de ter bairros miseráveis e abandonados nas franjas da cidade, em um nível de carestia e precariedade que muitas vezes lembra o de países intermediariamente pobres da África – há bairros da capital paulista que lembram os bairros pobres de Luanda, em Angola, por exemplo –, não separa ricos de pobres, ao menos geograficamente.
A convivência entre mansões, condomínios de luxo, shoppings e centros empresariais com favelas em que o esgoto corre a céu aberto ou com famílias entrincheiradas sob viadutos em habitações precárias, é chocante e comum por toda a região metropolitana da capital paulista.
Nesse aspecto, portanto, São Paulo é uma só. E não termina nos limites oficiais do município, pois as cidades limítrofes padecem dos mesmos males, todas oferecendo péssimos serviços públicos e baixas condições de vida para os mais humildes. Tanto é assim que se passa de São Paulo a Osasco, por exemplo, e não se nota diferença alguma.
Também não se pode dizer que São Paulo é amistosa e acolhedora. Você não hospeda uma visita debaixo da escada. Pelo contrário: São Paulo é hostil com os imigrantes. A população mais antiga da cidade tem ódio deles, principalmente quando vêm do Norte e do Nordeste.
Felizmente, porém, a necessidade de atrair mão-de-obra de outras partes do país para fazer os serviços pesados e insalubres que a população mais antiga da cidade não queria e não quer fazer, tornou esses paulistanos “da gema” uma inexpressiva minoria, encastelada nos bairros ditos “nobres”, onde as administrações municipais – com raras exceções –, ao longo da história, sempre gastaram a maioria dos impostos de todos.
Há, porém, uma dissidência de natureza político-sindical-acadêmica, em São Paulo, que faz barulho, que luta com unhas e dentes e que grita, desesperada, para que a maioria prejudicada por falta de instrução formal e política perceba que é usada para manter os privilégios das classes mais abastadas, sendo convencida pela mídia local a votar em seus candidatos.
Paradoxalmente, uma população que, em ampla maioria, não lê, não quer saber de política, nada entende de política, sofre imensa influência da grande imprensa escrita local, que vende suas teses conservadoras a uma elite que a massa empobrecida acha que deve seguir na esperança de que algum dia poderá emular se adotar as suas convicções políticas e ideológicas.
Um dos aspectos mais impressionantes da falta de cultura política e cidadã dos paulistanos reside no discurso que entoam diante das tragédias que as chuvas provocam todos os anos. Do mais rico ao mais pobre, do doutor ao faxineiro, todos acusam “esse povo” de ser o responsável pelas enchentes por “atirar lixo na rua”.
Acredite quem quiser: os nomes dos governadores e prefeitos que, nos últimos anos, permitiram que as enchentes aumentassem tanto, não apareceram na imprensa local ao longo das últimas semanas. Em vez disso, a grande maioria dos paulistanos execra a si mesma e a Lula pelo problema que enfrenta ano após ano.
A vida em São Paulo se tornou insuportável. Sair de automóvel, por exemplo, virou risco de enorme prejuízo material e até à própria vida. Em um fim de semana, quem mora longe das regiões que abrigam shoppings, restaurantes ou casas noturnas, para desfrutar dessa ampla gama de prazeres consumistas tem que se meter em congestionamentos intermináveis.
Com uma imprensa chapa-branca, que trata os governantes locais a pão-de-ló – menos quando são do PT –, o paulistano não sabe de quem cobrar melhora na qualidade de vida. E, mais do que isso, não acha possível que melhoras ocorram, conformando-se com tudo de ruim que a cidade vai colocando em seu caminho de forma progressiva, ano após ano.
São Paulo é a cidade de um povo absolutamente domesticado, em sua imensa maioria. Não sendo capaz de cobrar melhoras dos governos municipal e estadual, não tem muita chance de se tornar uma cidade com melhor qualidade de vida, até porque cobra do governo federal aquilo que ele não tem competência legal para fazer.
E o que é pior: quando o governo federal foi ocupado pelo PSDB, o povo cobrava da oposição petista os problemas municipais e estaduais, o que induz à crença de que mesmo no dia em que os coronéis políticos locais governarem tudo – cidade, Estado e país –, continuará sem saber cobrar quem tem que ser cobrado.
Apesar da pujança econômica, auferida através dessa escravização de corações, mentes e corpos da população, São Paulo é isso: o cemitério da cidadania, o Olimpo da arrogância racial e de classe; uma terra de injustiça, violência, sujeira, egocentrismo, superficialidade, xenofobia e ignorância.
Todavia, por ser filho, neto, bisneto e tetraneto de paulistanos, este blogueiro não saberia viver em outro lugar. Talvez porque, lá no fundo, acalente a esperança de que um dia será possível despertar a sua comunidade desse transe profundo em que foi atirada pela pior imprensa e pelos políticos mais calhordas do país.