Onda de protestos nos EUA começou em Nova York, em ruas próximas a Wall Street
Um mês depois do início do movimento batizado de "Ocupe Wall Street", em Nova York, crescem nos Estados Unidos os protestos contra o alto índice de desemprego e o agravamento da situação econômica do país.
Neste sábado – um dia depois de a pesquisa mais recente sobre o índice de confiança do consumidor americano revelar uma queda a níveis comparáveis ao de períodos de recessão – o descontentamento dos americanos será visto nas ruas de Washington em pelo menos quatro protestos.
O principal deles, a "Marcha por Empregos e Justiça", é organizado pelo reverendo Al Sharpton, conhecido ativista de direitos civis, radialista e fundador da organização National Action Network (Rede de Ação Nacional).
"No momento em que abordamos questões como a ganância corporativa, uma crescente desigualdade de renda, falta de empregos e acesso desigual na sociedade, nós iremos marchar pelo nosso futuro coletivo", escreveu Sharpton em um artigo publicado pela imprensa americana nesta semana.
A marcha deverá percorrer as ruas da capital até o monumento em homenagem ao líder do movimento de direitos civis Martin Luther King Jr, que será inaugurado oficialmente no domingo.
No meio do caminho, os manifestantes deverão se reunir a uma outra demonstração, a "Marcha pela Democracia", organizada pelo prefeito de Washington, Vincent Gray.
Outros dois movimentos, o "Ocupe DC" (sigla para Distrito de Colúmbia, que é como os americanos comumente se referem à capital), inspirado no similar nova-iorquino, e o "Outubro 2011", já ocupam as ruas de Washington há vários dias e também farão demonstrações neste sábado.
Movimento
"No momento em que abordamos questões como a ganância corporativa, uma crescente desigualdade de renda, falta de empregos e acesso desigual na sociedade, nós iremos marchar pelo nosso futuro coletivo"
Reverendo Al Sharpton, ativista, em artigo publicado pela imprensa americana
O pioneiro da onda recente de manifestações nasceu em Nova York com um grupo de jovens que resolveu acampar perto de Wall Street para protestar contra o desemprego, as grandes corporações e a desigualdade na sociedade americana.
Desde então, o movimento vem ganhando adeptos em todas as classes e faixas etárias e, depois de se espalhar pelo território americano, já inspira protestos semelhantes em diversos países, que também ganharam as manchetes neste sábado.
Somente neste fim de semana, dezenas de demonstrações já estão sendo realizadas em cidades americanas e no exterior. Há eventos programados no Canadá, na América Latina, na Europa, na Ásia e na África.
A marcha organizada por Sharpton não foi inspirada diretamente pelo movimento em Nova York. A demonstração estava originalmente prevista para agosto, mas acabou adiada em razão da passagem do furacão Irene pela cidade.
O reverendo, porém, é uma presença constante acampamento no Parque Zuccotti, onde estão concentrados os ativistas nova-iorquinos, e chegou a transmitir seu programa de rádio diretamente de lá.
Sem liderança central ou um conjunto de propostas bem definido, os manifestantes em todos esses protestos têm em comum a insatisfação com os rumos da economia nos Estados Unidos e com o que consideram falta de ação da classe política em representar e defender os interesses da população, e não das grandes corporações.
Eles se definem como os "99%", em oposição à minoria de 1% que controla a maior parte da riqueza do país. Reclamam que, enquanto o governo gastou bilhões para salvar as grandes corporações financeiras no auge da crise econômica mundial, a classe média foi deixada de lado.
Comparações
Os protestos surgidos no último mês nos Estados Unidos já foram comparados aos levantes da Primavera Árabe – que desde o início do ano se espalharam por países do Oriente Médio e do norte da África –, aos "indignados" da Espanha e até mesmo ao Tea Party, movimento surgido há alguns anos que reúne diversos grupos conservadores americanos com uma bandeira de defesa da redução da presença do governo.
Alguns analistas comparam o momento atual com a década de 30, quando a Grande Depressão gerou uma onda de greves e protestos.
Manifestantes se queixam do dinheiro gasto para salvar as grandes corporações
"Os paralelos entre 1930 e hoje são impressionantes", escreveu o professor Sidney Tarrow, da Universidade de Cornell, em um artigo na revista
Foreign Affairs.
"A economia mergulhou em níveis históricos de desemprego e dificuldades. A crise econômica novamente é global, forças de obscurantismo e reação estão em movimento (vide as leis anti-imigração aprovadas recentemente no Arizona e no Alabama) e os legisladores estão exigindo reduções selvagens de gastos", afirma Tarrow.
As manifestações atuais surgiram em um momento em que os Estados Unidos enfrentam um temor cada vez maior de nova recessão, e as divisões políticas em Washington parecem impossibilitar uma solução para os problemas econômicos.
O país tem níveis recordes de deficit e dívida pública, e o crescimento econômico se arrasta há meses em um ritmo insuficiente para recuperar os empregos perdidos durante a recessão.
Há mais de dois anos a taxa de desemprego gira em torno de 9%, nível considerado alto por economistas e pelo governo. Entre jovens de 16 a 19 anos, o índice chega a 24,6%.
Calcula-se que haja 14 milhões de desempregados nos Estados Unidos, número que pode ser maior, já que as estatísticas não levam em conta pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego.
Confiança
A crescente frustração dos americanos, muitas vezes mencionada pelo presidente Barack Obama e por outros membros do governo, é visível em alguns indicadores recentes.
Na sexta-feira, dados preliminares do índice de confiança do consumidor de outubro, calculado pela Reuters e pela Universidade de Michigan, mostravam queda de 1,9 ponto percentual, para 57,5%.
Segundo o economista Chris Christopher, da consultoria IHS Global Insight, o nível é o de um período de recessão. O analista observa que o desencanto dos americanos cresceu em meio ao impasse no Congresso nas negociações para elevar o teto da dívida pública – que quase levaram a um calote, evitado por um acordo de última hora no início de agosto.
"Se o movimento realmente se mantiver e crescer, obviamente poderá forçar a Casa Branca ou o Congresso a tomar novas medidas, e pode até se transformar em um ponto importante de disputa durante o ciclo da próxima eleição"
Analistas Michael Hardt e Antonio Negri, em artigo na revista 'Foreign Affairs'
Após uma leve melhora no mês seguinte, a confiança dos americanos voltou a cair, sob o impacto da atual crise nos países da zona do euro, que ameaça contaminar a economia global, diz Christopher.
Em meio a esse cenário, analistas afirmam que o movimento iniciado com o "Ocupe Wall Street" pode continuar a crescer e ganhar maior impacto, inclusive nas eleições de 2012, nas quais Obama buscará um segundo mandato.
"Se o movimento realmente se mantiver e crescer, obviamente poderá forçar a Casa Branca ou o Congresso a tomar novas medidas, e pode até se transformar em um ponto importante de disputa durante o ciclo da próxima eleição", dizem os analistas Michael Hardt e Antonio Negri, em artigo na
Foreign Affairs.
No entanto, eles observam que o resgate às instituições financeiras, tão criticado pelos manifestantes, é obra tanto do governo de Obama quanto do de seu antecessor, George W. Bush.
"A falta de representação (política) ressaltada pelos protestos se aplica a ambos os partidos", dizem os analistas.