*Samuel Pinheiro Guimarães discute as causas econômicas e as consequências políticas da desindustrialização; na coluna desta semana (nesta pág.)**Tarso Genro: o antídoto à fábrica de 'consensos' do conservadorismo midiático.Mais de 100 mil pessoas ocuparam a praça do Sol, em Madrid, na noite desta 5ª feira. Protestos tomaram as ruas de outras 80 cidades do país. As centrais sindicais exigem um plebiscito para definir o futuro da sociedade e da economia. As manifestações explodiram no mesmo dia em que o Congresso --dominado pela direita do PP-- aprovou o novo pacote de arrocho ditado pela cúpula do euro à Madrid. O governo conservador de Mariano Rajoy já não comanda; o Palácio de Moncloa está sob intervenção dos homens de negro de Bruxelas que impõem medidas, fiscalizam ações e fuçam contas do Estado. O que as ruas de Madrid estão dizendo é que os espanhóis querem o Estado de volta, para defendê-los; não como aguilhão para dilapidá-los. Eis uma agenda universal. (LEIA MAIS AQUI)
Povo espanhol pede sacrifício de políticos e banqueiros
Protestos em mais de 80 cidades da Espanha levam centenas de milhares às ruas para contestar o corte de 65 bilhões de euros aprovado pelo governo. Políticos e banqueiros foram alvos das manifestações. “Há muitos gastos e cargos políticos a enxugar antes de tirar da educação, da saúde, de aposentados e de desempregados”, repetiam os madrilenhos que aderiram à marcha. A reportagem é de Guilherme Kolling, direto de Madri
Guilherme Kolling, de Madri
Madri - “A joderlos!, ooéé! A joderlos, ooéé!”... O principal grito de guerra da torcida da Espanha na Eurocopa 2012 (o original é Por La Roja!, ooéé!) ganhou uma paródia malcriada que ecoou pelas principais vias do centro de Madri na noite desta quinta-feira. Quem cantava era o povo que saiu às ruas para protestar. O alvo eram políticos e banqueiros.
A inspiração veio da deputada Andrea Fabra, do conservador Partido Popular (PP), que foi flagrada dizendo 'que se jodan!', durante a apresentação no Congresso espanhol do corte de 65 bilhões de euros anunciado pelo governo na semana passada.
A população atingida pela medida reagiu com força, em 80 cidades. Em Madri, mais de 100 mil pessoas participaram da marcha pelo Paseo del Prado, Calle de Alcalá, até chegar na Puerta del Sol.
Um deles era Carlos Gaudencio, funcionário da prefeitura que exibia um cartaz parafraseando a deputada do PP, mas atacando os políticos. “Que se jodan, pero mira cómo roban!” Havia muitos outros estandartes nesse estilo, caso de uma bandeira da União Europeia contornada pelos dizeres “Bancos y políticos, que se jodan”.
Organizado pelos principais sindicatos do país ibérico, o ato tinha como título “Quieren arruinar com el país. Hay que impedirlo. Somo más”. Teve apoio maciço de centenas de entidades e de milhares de cidadãos que simplesmente desejavam manifestar seu descontentamento com as medidas do governo de direita comandado por Mariano Rajoy (PP).
O pacote aumenta impostos e sacrifica funcionários públicos, aposentados e desempregados. Nem educação nem saúde foram poupados. Rajoy declarou que não gostaria de ter adotado as medidas, mas justificou que não havia outra opção para a Espanha, que precisa reduzir seu déficit para receber o resgate de 100 bilhões de euros da União Europeia para salvar seus bancos.
A interpretação exibida nas ruas é outra. Seja no “Manos arriba! Eso es un asalto!”, uma das palavras de ordem da caminhada, ou no cartaz com os dizeres “Nos roban dinero para dar a los banqueros”.
Ao invés de cortes nos salários e em áreas sociais, os manifestantes defendem menos dinheiro às instituições financeiras, menos cargos políticos, redução dos altos salários e nas benesses de parlamentares.
“Nesses últimos três meses, tivemos perdas que superam 5 mil euros. São 5 mil euros a menos por ano no nosso salário!”, denunciava o bombeiro José Luis Garcia, integrante de uma das classes que esteve em peso na passeata de Madri. “Nos tiraram salário extra, pagamento de Natal, seguro médico, auxílio-alimentação. Antes de fazer isso, poderiam extinguir pelo menos uns 80% dos cargos políticos desse país”, sugeriu.
Julián Sánchez, também bombeiro, exemplificou os efeitos negativos dos sucessivos recortes na corporação com o aumento do número de plantões e a falta de pessoal e de material de trabalho. “E os carros oficiais que deixam a disposição dos políticos? E o dinheiro para Fórmula 1 em Valência? Enfim, não se pode dizer que a única saída era tomar essas medidas. Há muito para cortar”.
Além de bombeiros, profissionais do canal de televisão Telemadrid, enfermeiros, profissionais da educação e até mesmo policiais engrossaram a marcha. A classe cultural também se mobilizou, com direito a presença ilustre do ator Javier Barden. “Cultura no es lujo”, era um dos dizeres do grupo.
A tese do corte de benesses à classe política foi repetida por vários ativistas, que se referiam a uma pesquisa divulgada neste ano, que revelou que a Espanha tem mais de 400 mil cargos políticos, número muito superior aos pouco mais de 100 mil que existem na Alemanha.
Olga Rosa e Maite Méndez, funcionárias da Universidade Carlos III de Madri, criticaram o desconto no salário dos servidores que ficam doentes. E disseram que há muito desperdício com dinheiro público, como recursos destinados a touradas, incentivadas por serem consideradas um bem cultural.
Julia Ogaña, funcionária do Estado de Madri, observou que a suspensão do salário extra e do pagamento de Natal não atinge parlamentares, que recebem esse valor diluído nos vencimentos mensais.
A administradora de empresas Nieves Palomares, 50 anos, está desempregada e vai ser atingida pelos cortes. Ela compara a ajuda de algumas centenas de euros recebida por quem está sem trabalho com salários em cargos públicos que superam 100 mil euros. “Não seria mais justo diminuir um pouco o soldo deles?”, questiona.
Reduzir recursos da Família Real ou cortar os benefícios fiscais da Igreja foram outras sugestões dos manifestantes. No manifesto lido na Puerta del Sol ao final da caminhada, ficou a promessa de que, enquanto o povo não for ouvido, permanecerá protestando na rua.
Fotos: Guilherme Kolling
Desindustrialização e Desnacionalização
O Brasil corre o risco de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para o Brasil e para a integração sulamericana. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.
Samuel Pinheiro Guimarães - Especial para Carta Maior
1. A desindustrialização e a desnacionalização têm forte impacto sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro em geral e sobre temas como emprego e salários, violência urbana, tráfico e consumo de drogas e saúde da população.
2. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para a integração sul-americana, a partir de sua base necessária que é o Mercosul, para a posição do Brasil no mundo e, em consequência, para sua política externa.
3. Um país com uma indústria atrasada e não-integrada é um país fraco econômica e politicamente; um país com sua economia desnacionalizada é um país com menor capacidade de fazer política econômica e de fazer política externa.
4. Algumas causas da desindustrialização são uma política cambial e monetária que resulta, na prática, na valorização do real que estimula as importações e prejudica as exportações; uma política comercial que não combate com firmeza o dumping de produtos importados, o baixíssimo preço e o subfaturamento das importações; a ausência de políticas firmes de conteúdo nacional em áreas estratégicas como motores. A questão da competitividade (sistema de transportes, educação, tributos, etc) como causa da desindustrialização é complexa, suas soluções são de longo prazo e, ainda que importantes, não evitariam o perigo que se corre, que é atual, urgente.
5. A crise internacional e as relações comerciais com a China têm profundo impacto sobre a desindustrialização da economia brasileira. De um lado, a concorrência dos produtos chineses de baixíssimo preço afeta não só as unidades produtivas instaladas como a possibilidade de instalação de novas unidades. De outro lado, a forte demanda chinesa por produtos primários torna os investimentos a agricultura e na mineração mais lucrativos e, ademais, sujeitos a menor competição quando comparados à indústria. A crise nas economias européia e americana afeta as exportações brasileiras para a Europa (e, portanto, a lucratividade das empresas) enquanto se reduz o comércio intra-firma de manufaturados com os Estados Unidos, que corresponde a parte importante da pauta de exportação.
6. A desindustrialização da economia pode ser aferida pela redução do valor relativo da produção da indústria como um todo ou de setores industriais específicos ou pelo aumento do percentual das importações no valor total do consumo interno de um bem industrial ou da indústria em seu conjunto.
7. Os argumentos que procuram demonstrar a existência de um processo de desindustrialização através dos índices de redução da participação dos produtos industriais na pauta de exportações ou de déficit comercial por setores não são suficientes. A redução da participação percentual dos produtos industriais na pauta pode resultar ou de aumento de preços internacionais dos produtos primários ou do aumento do seu volume exportado, sem que haja redução do valor ou do volume das exportações industriais que podem, inclusive, ter aumentado.
8. As causas da desnacionalização são a ausência de políticas de preferência pelo capital nacional, diferindo da situação dos países desenvolvidos e dos outros Brics que possuem políticas, principalmente em áreas de tecnologia sensível, que tem como beneficiárias exclusivas empresas de capital nacional; de uma política firme de compras governamentais (e.g. na área de computadores); de preferência ao capital nacional nos financiamentos com recursos públicos, recursos inclusive dos trabalhadores, como é o do BNDES.
9. A desnacionalização da economia ocorre quando se verifica uma participação percentual crescente de empresas estrangeiras na produção de determinado bem ou serviço específico, ou do setor industrial e de serviços como um todo ou na produção de outros setores, tais como na agricultura e na mineração.
10. 85% da população brasileira é urbana. Nas cidades, o emprego é necessariamente na indústria ou em serviços. Nas cidades não há agricultura, nem pecuária, nem mineração e, portanto, não há emprego nesses setores que possa ser urbano. Os próprios empregos nos serviços urbanos são profundamente vinculados à atividade industrial.
11. O desenvolvimento brasileiro significa o aproveitamento cada vez mais eficiente de seus recursos naturais, de sua mão-de-obra e de seu capital, o que depende da expansão e da integração física de seu mercado interno. A desindustrialização e a desnacionalização da economia tornam difícil este aproveitamento eficiente e, portanto, o desenvolvimento do país. Em situações de desindustrialização ou desnacionalização, o desenvolvimento, medido em termos de aumento do PIB, pode até ocorrer, mas a uma taxa inferior à que seria necessária para superar a situação de subdesenvolvimento e de pobreza em que ainda vivemos.
12. O desenvolvimento eficiente dos recursos do solo e do subsolo, através da melhor organização da agropecuária e da mineração, depende da utilização crescente de máquinas, equipamentos e veículos que são, necessariamente, ou produzidos pela indústria no país ou importados. Nenhuma colheitadeira é produzida numa fazenda, nenhuma máquina perfuradora é produzida em uma mina.
13. O desenvolvimento industrial eficiente significa a integração da cadeia produtiva, o que significa produzir no país todos os componentes ou insumos de um produto final, sempre que haja escala atual ou potencial para isto, ou pelo menos a maior parte dos componentes e, em especial, os mais estratégicos. Digo potencial, pois quando a Embraer foi criada, por exemplo, não havia escala nacional para a produção de aviões.
14. O desenvolvimento eficiente da mão-de-obra significa o aumento da capacidade produtiva do trabalho em relação à mesma unidade de capital. O aumento da produtividade do trabalho em decorrência da utilização de unidades de capital, de equipamentos, mais eficientes significa aumento da produtividade do capital e não do trabalho. O aumento de produtividade do trabalho se verifica pela capacitação técnica da mão de obra, a qual, com a mesma unidade de capital com as mesmas características técnicas, passa a produzir mais.
15. A desindustrialização significa a redução da possibilidade de aumento da produtividade da mão de obra em geral. Primeiro, porque a indústria é a atividade de maior produtividade, onde a produtividade mais cresce e de onde nasce a maioria das inovações que irão aumentar a produtividade nos outros setores. Em segundo lugar, porque a desindustrialização reduz a integração das cadeias produtivas e assim as possibilidades de aprendizado que decorrem da instalação e da operação de novas unidades de produção para preencher “lacunas” nas cadeias produtivas.
16. A desindustrialização corresponde também à perda de emprego potencial, já que o emprego utilizado para produzir os bens importados pelo Brasil ocorre em outro país, o emprego é gerado em outro país.
17. Tendo em vista o grande estoque de mão-de-obra desempregada e subempregada que existe no Brasil e sua residência nas cidades, a menor expansão do emprego decorrente da desindustrialização da economia contribui para maiores índices de criminalidade, de tráfico e consumo de drogas, de incidência de doenças e para maiores despesas do Estado com segurança e saúde.
18. A desnacionalização tem consequências importantes para o desenvolvimento tecnológico, para o grau de concorrência no mercado brasileiro e para o balanço de pagamentos do país.
19. O impacto da desnacionalização sobre o desenvolvimento e a capacidade tecnológica, que significa a capacidade de transformar conhecimento em patentes e em investimentos produtivos, decorre do fato de que as empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais. Estas megaempresas já têm centros de pesquisa no exterior, em especial nos países de sua sede, o que leva muitas vezes ao fechamento dos laboratórios de pesquisa que existiam nas empresas por elas adquiridas no Brasil.
20. As empresas que desnacionalizam empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais com muito maior capacidade financeira e, portanto, têm maior capacidade de concorrer no mercado, de adquirir concorrentes e de oligopolizar ou monopolizar mercados. Este “controle” do mercado resulta em lucros maiores e lucros maiores de empresas multinacionais significa remessas maiores para o exterior e redução da formação de capital no Brasil, isto é, da expansão da capacidade produtiva no Brasil, do desenvolvimento eficiente do capital.
21. A desnacionalização leva à desindustrialização. Muitas vezes as empresas multinacionais adquirem empresas no Brasil e integram a produção desta empresa na cadeia produtiva geral da empresa o que pode dificultar a instalação de empresas supridoras no território brasileiro ou mesmo levar ao desaparecimento das que existiam antes da aquisição.
22. O Brasil corre o risco simultâneo de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais, inerme objeto de suas estratégias globais.