Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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terça-feira, 19 de junho de 2012

Os gregos em Los Cabos e as intrigas no continente

 

 JB online:

Mauro Santayana


Há uma curiosa interpretação dos resultados eleitorais da Grécia – a de que a direita ganhou as eleições. O que as urnas revelaram foi a vitória da razão nacionalista: tanto os conservadores da Nova Democracia – não tão conservadores assim – quanto a extrema-direita e a coligação de esquerda Syriza, defendem uma postura de resistência contra as exigências da Europa, ditadas pela chanceler Ângela Merkel. O Pasok, provável parceiro de Samaras no governo, tampouco se encontra à direita do espectro.
Apesar de todo o simbolismo da Grécia, que teve seu fulgor no tempo clássico, e se escondeu da História até recentemente, o problema do mundo não se encontra em Atenas. Ele, como o diabo, está em todos os lugares. Como temos insistido, ele é de natureza política e se resume na aspiração das finanças internacionais em criar um estado único universal, sob seu domínio direto e tirânico, com a definitiva escravização dos povos,  e a resistência do sentimento nacionalista e da razão humanística. Para lembrar que o vocábulo problema vem do léxico grego (proboulema significava projeto de lei enviado à Boule, ou seja, ao parlamento de Atenas), a questão é sempre política.
É uma luta que se encontra na alma histórica do Ocidente. A Igreja presumia ter herdado o imperialismo romano, e os anglossaxões, têm buscado, desde o século 16, ocupar o mando, ao substituir o Sacro Império,  primeiro a partir de Londres e, mais tarde, de Washington.
A capital do mundo, nestes dois dias, se deslocou para Los Cabos, com a reunião do Grupo dos 20.  Ontem, segunda-feira, o New York Times publicava matéria sobre a “nova rivalidade” no universo latino-americano, entre o México e o Brasil. Segundo a análise, o Brasil está perdendo espaço para o México, que –  como é óbvio – segue integralmente a cartilha neoliberal e se encontra condenado pela natureza e pela história a viver encostado nos Estados Unidos, como  irmão xifópago atrofiado: não podem separar-se os dois, a menos que uma catástrofe planetária abra o mar ao longo da fronteira. Nem podem integrar-se, embora a fatalidade demográfica, com a predominância mestiça, e a força genética, possa expulsar, com o tempo que se torna veloz, a cultura da Nova Inglaterra.
De acordo com o texto do jornal de Nova Iorque, estamos, os brasileiros, dependendo da China, que importa as nossas mercadorias, enquanto indústrias americanas, no México, competem com o país asiático, suprindo o mercado norte-americano, em condições competitivas com os chineses. Em suma, a recessão chinesa significará uma desgraça para o nosso país.
As coisas não são tão simples assim. A própria matéria do jornal americano lembra que temos dois trunfos. O primeiro deles é o da política social, com o crescimento do mercado interno. O outro é o de que as circunstâncias, ao nos fazer parceiros da China, nos fazem seus companheiros de viagem – pelo menos nesse trecho histórico. Faltou, ao falar na China, referir-se aos Brics.
Pela primeira vez, na Idade Moderna – isto é, no meio milênio que nos separa do Renascimento e da descoberta do hemisfério em que vivemos – uma realidade geopolítica nova abre  cunha no sistema internacional de poder sob a hegemonia da Europa Ocidental (da qual os Estados Unidos são projeção geopolítica): a aliança entre os países que emergem. Ela rompe os marcos geográficos e se alicerça no fator humano, ao englobar a metade da população do mundo, que se encontram na Ásia, na África e no Brasil. E não nos esqueçamos que, na hora da decisão, o Mercosul se somará com o Brasil.
Mesmo que essa aliança não venha a ter futuro em horizonte mais longo, porque a História não é preguiçosa, essa coalizão pode definir o destino da Humanidade nas próximas décadas.
Assim, todas as previsões no curto prazo são meras especulações que atendem ao desejo dos analistas. Os gregos, açulados pela emergência, provavelmente encontrarão um caminho intermediário, entre a ruptura definitiva com o euro e a submissão a Berlim. Se se confirmar a decisão de Tsipras, de manter a coligação de esquerda na oposição, o governo a ser formado terá que dar alguma satisfação ao povo e ela só pode ser entendida na amenização das medidas de arrocho exigidas pela senhora Merkel.
O governo brasileiro tem a consciência de que as procelas atingirão também o nosso país. Daí as medidas de cautela que estão sendo tomadas. A reunião de Dilma com os governadores, embora não tivesse tom dramático, revelou a sua preocupação em assegurar a unidade institucional interna, sem prejuízo das divergências político-partidárias, que se acirrarão nestes dois anos próximos. A decisão de conceder empréstimos federais aos estados, para investimentos, em condições bem mais amenas do que as impostas por Fernando Henrique para a amortização das dívidas antigas, vindas  ainda do governo militar, serve a esse propósito. Estamos atingindo uma consciência republicana que separa as instituições permanentes do Estado das naturais divergências dos partidos, sujeitos às hesitações das circunstâncias.
O sentimento de nação sempre prevalece para erguer diques e quebra-ventos contra os vendavais planetários. Não devemos nos esmorecer na tarefa de buscar a unidade da América do Sul, e isso implica desdenhar as provocações externas que buscam criar arestas entre o Brasil e seus vizinhos. Somos suficientemente adultos para reconhecer a nossa força, e entender que devemos administrá-la com modéstia e prudência. De qualquer forma, há duas eleições que podem mudar tudo – além dos rumos que a Grécia tomará: as eleições presidenciais mexicanas dentro de poucos dias, e as eleições alemãs do ano que vem. De Washington nada devemos esperar de bom; se Obama nos quer cozinhar em banho-maria, Mitt Romney pretende assar-nos em fogo vivo.

Cunha e as verrugas da história mal contada

“Pinte-me como eu sou, com verrugas e tudo.”

Amaral de Souza: retocado... e Lorde Cromwell: com verrugas e tudo



O Conversa Afiada reproduz imperdível artigo de Luiz Claudio Cunha sobre as verrugas de um leal servidor dos militares, extraído da Sul21:



Amaral de Souza (1929-2012): As verrugas da história mal contada da ditadura

Por Luiz Cláudio Cunha
Especial para o Sul21
Pinte-me como eu sou, com verrugas e tudo.
(Oliver Cromwell, 1599-1658, Lorde Protetor do
Reino Unido, ao pintor oficial da corte, Peter Lely)
Um jovem mal informado ou desatento imaginaria que o Rio Grande do Sul perdeu um gigante, na quarta-feira (13), quando morreu o ex-governador gaúcho José Augusto Amaral de Souza, dois meses antes de completar 83 anos, vítima de complicações de um AVC que desde 2006 o confinava a uma cadeira de rodas. Ele ganhou honras de Estado, luto oficial de três dias e os discursos e elogios de praxe da generosa tradição brasileira, que cobre qualquer morto com a pátina da complacência e repinta biografias sem as cicatrizes, espinhas e rugas conferidas pela vida política.
“Um líder importante do Rio Grande”, definiu, com exagero, o governador Tarso Genro. Foi desenhado com linhas ainda mais indulgentes pelos sete políticos de partidos e tendências diversas que o sucederam no Palácio Piratini, a partir de 1982, por decisão exclusiva do voto popular: Jair Soares (PP), Pedro Simon (PMDB), Alceu Collares (PDT), Antônio Britto (PMDB), Olívio Dutra (PT), Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB). No limite da fidalguia, uns e outros louvaram Amaral pelos adjetivos piedosos que ocultam a rugosidade natural do último governador indicado pela ditadura dos generais de 1964: “conciliador, absoluto respeito pelos adversários, afável, vida pública sem máculas, atuação importante na política, administrador sério, importância fundamental na transição para a democracia, um amigo, grande companheiro”, e coisas do gênero.
Os sete sucessores de Amaral de Souza que alcançaram pelo voto popular o palácio que Amaral ocupou sem nenhum voto do eleitor gaúcho não cometeriam a deselegância de admitir publicamente o que muitos deles reconhecem mas ninguém diz: Amaral de Souza conseguiu ser a figura mais medíocre da safra dos quatro apagados governadores indiretos, escolhidos pelos quartéis, no período sem povo e sem liberdade que marcou o Piratini e o Rio Grande do Sul entre 1966 (dois anos após o golpe) e 1983 (dois anos antes da queda da ditadura). Ildo Meneghetti (PSD) só escapou dessa sina porque foi eleito pelo voto popular em 1962, quando o país ainda era uma democracia, e sobreviveu ao golpe militar até o final de seu mandato, em 1966, simplesmente porque era um dos golpistas embebido até a medula na conspiração contra o Governo Goulart.
A partir de Meneghetti, com o advento do bipartidarismo imposto pela nova ordem, só a legenda da ditadura podia chegar ao poder. Assim foi com os quatro governadores biônicos da ARENA, elevados sucessivamente ao poder com o indispensável beneplácito dos generais: Peracchi Barcelos (1966-1971), Euclides Triches (1971-1975), Synval Guazzelli (1975-1979) e Amaral de Souza (1979-1983). Só um regime de força pode explicar a inusitada aparição de um político de biografia tão pífia na galeria de 37 governadores do Rio Grande do Sul a partir da proclamação da República em 1889 — 19 deles eleitos pelo povo gaúcho. Amaral estreou na política partidária aos 30 anos, eleito vereador em sua terra natal, Palmeira das Missões, pelo velho PSD, partido conservador ligado às oligarquias rurais.
Virou deputado estadual em 1962, na chapa que elegeu Meneghetti governador, e deu sua tacada certeira dois anos depois, apoiando o golpe que seria a alavanca de sua improvável carreira. Com a extinção dos partidos em 1965, pulou para o barco da ARENA, sucessora do PSD e sigla de confiança dos generais. Amaral elegeu-se deputado federal em 1966, cultivou as estrelas certas em Brasília e ganhou em 1974 o posto sem voto de vice-governador na chapa de Synval Guazzelli. Não era uma homenagem a ele, mas um prêmio de consolação a seu padrinho político do ex-PSD, senador Tarso Dutra, frustrado pelo revés sofrido ante o adversário da ex-UDN, senador Daniel Krieger, que tinha emplacado o afilhado Guazzelli como governador.
Só o forçado atalho dos quartéis é que pode explicar, quatro anos depois, a surpreendente escolha do opaco Amaral como sucessor de Guazzelli. Seu cabo eleitoral tinha todas as luzes que ele necessitava: era o general quatro estrelas Fernando Belfort Bethlem, comandante do poderoso III Exército, a maior força terrestre do país, que reunia as tropas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Seu cacife melhorou ainda mais, em outubro de 1977, quando Bethlem trocou Porto Alegre por Brasília, para assumir o ministério do Exército, na crise que levou à demissão do ministro linha-dura Sylvio Frota pelo duríssimo presidente Ernesto Geisel.
Amaral tinha os amigos certos e os inimigos ideais para aqueles tempos verde-oliva. Seu adversário dentro da ARENA, na disputa sem voto pelo Piratini, era o deputado federal gaúcho Nelson Marchezan, um parlamentar de origem democrata-cristã que cometia um pecado mortal para os mandamentos da ditadura: flertava demais com a oposição, que fizera um esforço quase subversivo em 1966 para eleger um professor liberal, Ruy Cirne Lima, como governador por via indireta, na Assembleia gaúcha. A coligação antigolpe tinha 31 das 55 cadeiras, mas a cassação preventiva de oito deputados transformou a minoria arenista em maioria, a conta exata dos quartéis para eleger o coronel Peracchi Barcellos.
Marchezan ficou marcado pela ousadia. E piorou suas chances, em 1967, quando integrou a oposição na CPI que investigava o aparecimento do cadáver de um ex-sargento do Exército, ligado a Leonel Brizola, boiando nas águas do rio Jacuí, com marcas de torturas e as mãos atadas às costas. O assassinato do sargento Manoel Raimundo Soares — o ‘Caso das Mãos Amarradas’ — virou um escândalo internacional e serviu para Amaral amarrar politicamente as mãos de Marchezan e Guazzelli no decisivo colégio eleitoral dos generais que escolhiam com exclusividade os governantes.
O então vice-governador, com o olho e a ideia fixa na cadeira de titular do Piratini, cultivava com cálculo político os amigos militares que garantiam seu emprego, sua sobrevivência e seu futuro no regime. Nunca recusava o convite para uma partida camarada de cartas com o sucessor do padrinho Bethlem no comando do III Exército, o general Oscar Luís da Silva. Amaral e sua mulher, dona Miriam, eram parceiros fieis no joguinho de biriba com o casal Oscar e Marina na residência oficial do general, na mansão bem vigiada de uma esquina da avenida Cristóvão Colombo, no bairro Higienópolis.
Em março de 1976, o olho atento e o ouvido alerta de Amaral perceberam uma oportunidade preciosa para melhorar seu ibope no exclusivo colégio eleitoral dos generais. Numa sexta-feira, 19 de março, o MDB fez uma reunião política no maior produtor de soja do Estado, Palmeira das Missões, cidade de 65 mil habitantes, 374 km a noroeste da capital. Menos de mil pessoas lotaram o cine Gaúcho para ouvir uma dúzia de deputados estaduais e federais, comandados pelo líder do MDB gaúcho, deputado Pedro Simon. As duas figuras mais animadas da noite eram os federais gaúchos Nadyr Rossetti e Amaury Muller, destaques do bloco dos Autênticos, a ala mais radical do MDB. Nadyr Rossetti mandou brasa:
— A queda do regime é coisa certa. Se não for por podre, será pela corrupção.
Amaury Muller ecoou:
— Somos governados não pela vontade do povo, mas pela força das armas. Estamos em um regime de golpe, não de revolução, dominados pela aristocracia fardada.
A reunião acabou, sem maiores sobressaltos. Afinal, parecia apenas uma justa e previsível lambada de uma oposição sufocada, desabafando num cinema empoeirado do interior distante. Três dias depois, 22, uma segunda-feira, o encontro irrelevante num grotão gaúcho pipocou de repente em Brasília, na tribuna da Câmara dos Deputados, pela palavra veemente do deputado federal gaúcho Fernando Gonçalves, da ARENA, que deu relevo nacional ao encontro da província. Tudo ali tinha o olho, o ouvido e o dedo rígido de Amaral.
Por acaso, o deputado Gonçalves era o cunhado do vice-governador. Por fatalidade, Palmeira das Missões era a terra natal de Amaral. Por gentileza, um assessor do vice-governador conseguiu uma cópia da gravação com todos os discursos daquela noite no cinema. Por patriotismo, a fita do assessor de Amaral caiu nas mãos do parceiro de biriba, o comandante do III Exército. Na quarta-feira, 24, o agradecido general Oscar Luís da Silva embarcou para a reunião do Alto Comando do Exército em Brasília levando na pasta o mimo gravado pela turma de Amaral. Na quinta, 25, a manchete do jornal Correio do Povo dava a crônica da morte anunciada: “Discursos do MDB levados por Oscar Luís a Brasília”.
Rossetti e Muller foram cassados pelo AI-5 na segunda-feira, 29 de março. Graças ao ouvido sensível, ao olho bom e ao dedo ruim de Amaral de Souza, louvado na morte pelos seus sucessores no Piratini e seus esquecidos opositores na ditadura como “um amigo, grande companheiro, afável, conciliador, vida pública sem máculas e absoluto respeito pelos adversários…”.
Em setembro de 1977, um mês antes de assumir o ministério em Brasília, o general Bethlem operava em Porto Alegre como o cabo eleitoral mais graduado e decisivo para as pretensões futura de Amaral. Chamou ao QG do III Exército, na rua da Praia, o homem mais poderoso e influente da comunicação gaúcha — Breno Caldas, dono da Caldas Júnior, a empresa jornalística que, além do prestigiado Correio do Povo, tinha outros dois diários e uma rádio. No ranking de 1969 da revista Visão, o empresário despontava como o sexto homem mais rico do país. Na ficha dos militares, Breno Caldas era lembrado pelo apoio que dera ao golpe de 1964 e no enfrentamento diário a Leonel Brizola. Ao final do almoço, em pé para o cafezinho, cercado por meia dúzia de generais, Bethlem entrou de coturno no assunto:
— Dr. Breno, nós o convidamos para vir aqui pois queríamos ouvir sua opinião sobre o convite que desejamos fazer ao vice-governador Amaral de Souza para ser o próximo governador…
A democracia sem sutileza daqueles tempos era assim. General, e não o povo, é que ‘convidava’ alguém para ser governador. O Dr. Breno ficou surpreso.
— Como assim? A minha opinião?… Não conheço essa pessoa o suficiente para dar uma opinião, isto é, para emitir um conceito. Não tenho opinião formada a seu respeito. Poderia quando muito dar uma impressão… E que não é favorável!
Os generais se empertigaram, ainda mais curiosos.
— Mas… Qual é a sua impressão? Nós gostaríamos de saber…
Breno Caldas não se acuou diante das estrelas que o cercavam.
— A minha impressão é que ele está abaixo do nível necessário… Falta-lhe pelo menos um palmo e meio.
— Como assim? – perguntou o comandante do III Exército, espantado diante da inusitada régua de medição do empresário. – Em que sentido, Dr. Breno?
— Em todos os sentidos. Ele não tem estatura física, nem pessoal, nem moral…
Apesar do palmo e meio a menos, Amaral subiu as escadarias sem povo do Palácio Piratini em março de 1979, numa cerimônia que mais parecia um velório do que a festiva transmissão de posse entre dois companheiros de legenda. As fotos da época mostram a derrota fragorosa estampada na cara funérea de Guazzelli, fisionomia cerrada, cenho franzido, incapaz de esconder o constrangimento que teve de engolir — pela escolha dos quartéis e pela decisão irrecorrível do general Ernesto Geisel, o gaúcho de Bento Gonçalves cujo voto solitário prevaleceu sobre a vontade soberana de 6 milhões de gaúchos.
Esta, afinal, é a lógica das ditaduras.
O espantoso diálogo de Breno Caldas com os generais só vazou porque o próprio jornalista resolveu relembrar tudo aquilo, em fevereiro de 1983, em editorial por ele escrito e publicado na edição dominical do Correio do Povo para seus 100 mil assinantes, intitulado “Palmo e meio”. O empresário reagia à péssima notícia que recebera ainda na festa de inauguração do Polo Petroquímico do Sul, em Triunfo, a 52 km de Porto Alegre. O Banrisul, banco oficial do Estado, subordinado ao ainda governador Amaral de Souza, tinha entrado naquele dia na Justiça com uma ação executiva pela dívida da Caldas Júnior.
Mais de cinco anos após aquela esquisita conversa no QG, Breno Caldas resolveu contar ao mundo o que costumava circular apenas nas dobras mais íntimas do poder discricionário da época. Convertido de repente às virtudes do regime democrático que ajudou a derrubar em 1964, o Breno Caldas endividado de 1983 agora lamentava os pecados da escolha autocrática dos generais. Escreveu ele no editorial:
“Como o personagem em causa [Amaral de Souza] não foi submetido ao teste de uma eleição direta, mediante a qual existisse a possibilidade de consenso amplo, não sei se minha impressão, que depois se tornou opinião consistente, seria, ou não, aprovada pelo grande número. Não sei. Para mim, o que se viu não deixa dúvidas”.
Amaral de Souza, o personagem em causa, só chegou ao Piratini pela via oblíqua dos quartéis porque a ditadura sempre dispensa o ‘consenso amplo’ típico das democracias, tardiamente lembrado pelo nostálgico Breno Caldas. Apesar da falta de ‘estatura física, pessoal e moral’ anotada pelo mais importante jornalista gaúcho da época, Amaral escalou o Palácio Piratini com o braço amigo e a mão forte do Exército, que compensou sem sobressaltos o palmo e meio de sua escassa biografia política. Conseguiu ser o menor dos 36 homens e uma mulher que governaram o Estado, desde a República.
Com seus ralos 1m58, Amaral de Souza conseguia ser ainda mais baixinho do que Getúlio Vargas, que saiu da vida e entrou na história como líder de massas, regente por um quarto de século de um país redesenhado politicamente à sombra descomunal que se projetava de seu parco 1m60 de altura.
Amaral não correu jamais esse risco de grandeza, até porque ganhou notoriedade na política como um mero Amaralzinho, o diminutivo que explica melhor sua miúda passagem pela história.
Amigos apressados e adversários educados tentaram dourar sua morte com encômios pela conquista do Polo Petroquímico, de tão amarga memória para o desafeto Breno Caldas. Mas não passa de uma inverdade histórica, que tenta dar algum lustro ao reles mandato de Amaralzinho. A construção do terceiro polo petroquímico do país, que o Rio Grande do Sul disputava com São Paulo, Pernambuco e a Bahia do poderoso Antônio Carlos Magalhães, então presidente da Eletrobras, foi decidida em agosto de 1977 pelo general Ernesto Geisel, convencido por uma inédita união entre governo e oposição no sul.
De um lado, a ARENA do governador Synval Guazzelli e, de outro, o MDB de Pedro Simon, que controlava uma folgada maioria de 31 das 56 cadeiras da Assembleia Legislativa, onde se criou uma Comissão Especial. Pelo Polo de Triunfo, Guazzelli e Simon foram a uma inédita, rara reunião com Geisel em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. A vitória gaúcha ficou evidente quando Geisel reagiu, animado, diante da presença inesperada do MDB: “Como não aceitar um pedido de uma composição tão exemplar que a política do Rio Grande está dando como exemplo para todo o Brasil?”.
As digitais do pequeno Governo Amaralzinho se percebem com a aparição do inquieto CPERS, o Centro de Professores do Estado, que ocupou a praça da Matriz e infernizou a vida do governador ao longo de 13 dias de uma greve barulhenta pelo piso de 2,5 salários mínimos. A partir de Amaralzinho, nenhum governador mais pode festejar o silêncio do CPERS. Como uma maldição de Breno Caldas, morto em 1989 aos 79 anos, Amaral também deixou o governo endividado, com um aumento de 79,1% no rombo das contas públicas, obrigando o Estado a buscar recursos no Banrisul e no BRDE para cobrir o déficit operacional.
No final de 1980, Amaral promoveu o policial mais famoso do sul, Pedro Carlos Seelig, a delegado de quarta classe, o ponto mais alto da hierarquia da segurança. Era o contraponto ao crepúsculo do homem mais temido do DOPS gaúcho, cuja carreira entrou em declínio após o fiasco do sequestro dos ativistas de esquerda uruguaios Universindo Díaz e Lílian Celiberti e seus dois filhos, presos numa ação clandestina da Operação Condor, em novembro de 1978 em Porto Alegre, executada por agentes de Seelig e militares da repressão do Uruguai. Braço longo da repressão no sul, onde era conhecido como “o Fleury dos Pampas”, Seelig tinha a proteção incondicional da área militar, que sempre merecia atenção especial de Amaral.
Isso não impediu que, em maio de 1982, um ano após o frustrado atentado do Riocentro que escancarou a ação terrorista do DOI-CODI, Amaral tomasse uma ousada decisão: extinguiu o DOPS de Seelig. O secretário de Segurança, João Leivas Job, explicou o ato: “Como consequência do processo de abertura, o DOPS não é mais necessário”. Na verdade, era o sistema repressivo da ditadura se preparando para o advento das eleições diretas, em outubro daquele ano, que poderia abrir documentos incômodos aos governantes eleitos pela oposição. Uma decisão reservada de Brasília estava transferindo preventivamente as ações de repressão política dos Estados para a área mais confiável da Polícia Federal.
Dois dias depois, uma quinta-feira, 27 de maio de 1982, Amaral aumentou sua aposta, determinando a incineração dos preciosos arquivos do DOPS. Quatro caminhões de mudança levaram toneladas de documentos do DOPS da avenida Ipiranga para os fornos de uma olaria da Brigada Militar em Gravataí, na Grande Porto Alegre, onde queimaram durante oito horas. Viraram cinzas os papéis que contavam 44 anos de repressão política do DOPS gaúcho, criado na ditadura do Estado Novo de Vargas.
O ativista Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), qualificou a pirotecnia de Amaral como uma ‘farsa’, pois parte dos documentos supostamente destruídos foi localizada anos mais tarde em Montevidéu. “Os documentos foram microfilmados. O arquivo do DOPS foi modernizado e entregue ao Comando Militar do Sul”, diz Krischke, referindo-se à nova denominação do III Exército. Ele diz que, nos arquivos do MJDH em Porto Alegre, existem documentos do extinto DOPS com anotações de datas posteriores à queima pública. “Se essas fichas foram queimadas, como aparecem aqui com atualizações?”, pergunta ele.
Na época da fogueira, o então candidato do PT a governador, Olívio Dutra, resumia assim a questão: “O Governo já perdeu as eleições no Rio Grande e quer evitar que os arquivos caiam nas mãos da oposição”. Amaralzinho, muito precavido, parecia também acreditar nisso. Como se sabe, porém, o Governo não perdeu. Dividida entre PMDB, PT e PDT, a Oposição deixou de ganhar uma eleição que parecia líquida e certa. O candidato de Amaral, Jair Soares, da ARENA rebatizada como PDS, venceu o favorito Pedro Simon, do PMDB, por apenas 22.373 votos, cerca de 0,6% do eleitorado gaúcho, numa apuração controversa contaminada pela suspeita de fraudes — nunca provada e estimulada pelo precoce reconhecimento da derrota pelo PMDB, o que desativou todo o mecanismo de fiscalização do pleito.
Assim, com tantos serviços prestados ao regime que serviu com fidelidade canina, Amaralzinho pode enfim passar o cargo em 1983 a um governador eleito diretamente pelo povo, algo que não acontecia no Estado há 21 anos — o tempo de vida da ditadura (1964-1985). A ironia é que, depois de duas décadas sem o ‘consenso amplo’ da democracia, a primeira eleição direta no Rio Grande consagrou um legítimo herdeiro da ARENA da ditadura que cassou o voto popular e que gerou governantes com palmo e meio de legitimidade política. Esta, talvez, tenha sido a marca mais expressiva daquele governo pontuado pela inexpressividade.
Resta lamentar que um Estado um dia conhecido por sua cultura e coragem política não consiga, em plena democracia, pintar o justo retrato, com verrugas e tudo, que nos revelam os homens e suas imperfeições perante a História. Esta é uma tarefa indelegável das lideranças políticas, uma obrigação permanente da imprensa e seria uma reação previsível de seu braço mais militante — os blogs e sites combativos que, estranhamento, engoliram em seco a visão adocicada sobre Amaralzinho e seu legado político. Um país maduro e informado se constrói todo dia pelo retrato sem retoque daquilo que é, daquilo que se faz e daquilo que se vê.
Até um gênio da pintura pode errar a mão. O alemão Hans Holbein (1498-1543), o Jovem, um dos mestres do retrato no Renascimento, em tempos sem Internet e sem Photoshop, foi contratado pela Corte inglesa para fazer o retrato prévio de Ana de Cleves, filha do duque alemão de Dusseldorf que atraía os olhares gulosos do rei inglês Henrique VIII (1491-1547).
Holbein se esmerou e retratou uma jovem que ficou mais bonita na moldura da parede do que na cama do rei. Chegou ao requinte de ocultar as cicatrizes de varíola na face que poderiam assustar o real pretendente. Quando enfim foi apresentado à noiva, o rei conferiu pessoalmente o engano. Ainda assim, Henrique VIII conseguiu aguentar seis meses de casamento em 1540 com Ana, a quarta rainha de sua coleção de seis mulheres.
Quase um século depois, Oliver Cromwell, o líder puritano que decapitou o rei Charles I (1600-1649), revogou a monarquia absoluta e estabeleceu uma fugaz República em Londres 140 anos antes da queda da Bastilha, não perdeu a cabeça ao encomendar seu retrato ao mestre Peter Lely (1618-1680). Com o desprendimento que seria útil a qualquer político ou repórter diante das verrugas de Amaralzinho, o temido Cromwell, Lorde Protetor do Reino Unido, isentou o pintor oficial da corte de qualquer autocensura.
Peter Lely, de origem holandesa, era o retratista particular de Charles I, mas sobreviveu ao rei pelo talento e obediência às ordens de Cromwell em 1635: “Mr. Lely, eu desejo que você use toda a sua habilidade ao pintar o meu retrato verdadeiramente como sou, sem lisonjas. Observe todas essas rugosidades, espinhas, verrugas e tudo como você me vê. Se não for assim, não pagarei um centavo por ele”.
A máscara mortuária de Cromwell comprova que Lely foi fiel às determinações do retratado, preservado as duas enormes verrugas que marcam o rosto do Lorde — uma no queixo, abaixo do lábio, outra sobre o supercílio direito, próxima ao nariz. A lição de honestidade imposta por Cromwell fez escola, como se pode ver em retratos semelhantes pintados por outros artistas, todos preservando as rugas, espinhas e verrugas da vida real.
Quase quatro séculos depois, o retrato público de Amaralzinho retocado pela indulgência plenária de seus crédulos simpatizantes prova que o exemplo de Cromwell continua necessário. Afinal, o pentimento da história não se resgata com o fingimento da política.

Luiz Cláudio Cunha é jornalista
[cunha.luizclaudio@gmail.com]

Tá Explicado

10 Factos Chocantes Sobre os EUA

 
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Estados Unidos - Diário Liberdade - [António Santos] Maior população prisional do mundo, pobreza infantil acima dos 22%, nenhum subsídio de maternidade, graves carências no acesso à saúde... bem-vindos ao "paraíso americano".
10 Factos Chocantes Sobre os EUA

  1. Os Estados Unidos têm a maior população prisional do mundo, compondo menos de 5% da humanidade e mais de 25% da humanidade presa. Em cada 100 americanos 1 está preso1.
A subir em flecha desde os os anos 80, a surreal taxa de encarceramento dos EUA é um negócio e um instrumento de controlo social: À medida que o negócio das prisões privadas alastra como gangrena, uma nova categoria de milionários consolida o seu poder político. Os donos destes cárceres são também na prática donos de escravos, que trabalham nas fábricas no interior prisão por salários inferiores a 50 cêntimos por hora. Este trabalho escravo é tão competitivo, que muitos municípios hoje sobrevivem financeiramente graças às suas próprias prisões camarárias, aprovando simultaneamente leis que vulgarizam sentenças de até 15 anos de prisão por crimes menores como roubar pastilha elástica. O alvo destas leis draconianas são os mais pobres mas sobretudo os negros, que representando apenas 13% da população americana, compõem 40% da população prisional do país.
  1. 22% das crianças americanas vive abaixo do limiar da pobreza2.
Calcula-se que cerca de 16 milhões de crianças americanas vivam sem “segurança alimentar”, ou seja, em famílias sem capacidade económica de satisfazer os requisitos nutricionais mínimos de uma dieta saudável. As estatísticas provam que estas crianças têm piores resultados escolares, aceitam piores empregos, não vão à universidade e têm uma maior probabilidade de, quando adultos, serem presos.
  1. Entre 1890 e 2012 os EUA invadiram ou bombardearam 149 países3.
São mais os países do mundo em que os EUA intervieram militarmente do que aqueles em que ainda não o fizeram. Números conservadores apontam para mais de 8 milhões de mortes causadas pelos EUA só no século XX. E por detrás desta lista escondem-se centenas de outras operações secretas, golpes de Estado e patrocínio de ditadores e grupos terroristas. Segundo Obama, recipiente do Nobel da Paz, os EUA têm neste momento a decorrer mais de 70 operações militares secretas em vários países do mundo. O mesmo presidente, criou o maior orçamento militar norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial, batendo de longe George W. Bush.
  1. Os EUA são o único país da OCDE que não oferece qualquer tipo de subsídio de maternidade4.
Embora estes números variem de acordo com o Estado e dependam dos contratos redigidos pela empresa, é prática corrente que as mulheres americanas não tenham direito a nenhum dia pago antes nem depois de dar à luz. Em muitos casos, não existe sequer a possibilidade de tirar baixa sem vencimento. Quase todos os países do mundo oferecem entre 12 e 50 semanas pagas em licença de maternidade. Neste aspecto, os Estados Unidos fazem companhia à Papua Nova Guiné e à Suazilândia com 0 semanas.
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  1. 125 americanos morrem todos os dias por não poderem pagar qualquer tipo de acesso à saúde5.
Se não tiver seguro de saúde (como 50 milhões de americanos não têm), então, tem boas razões para recear mais a ambulância e os cuidados de saúde que lhe vão prestar, que esse inocente ataquezinho cardíaco. Com as viagens de ambulância a custarem em média 500€, a estadia num hospital público mais de 200€ por noite, e a maioria das operações cirúrgicas situadas nas dezenas de milhar, é bom que possa pagar um seguro de saúde privado. Caso contrário, a América é a terra das oportunidades e como o nome indicam, terá a oportunidade de se endividar até às orelhas e também a oportunidade de ficar em casa, fazer figas e esperar não morrer desta.
  1. Os EUA foram fundados sobre o genocídio de 10 milhões de nativos. Só entre 1940 e 1980, 40% de todas as mulheres em reservas índias, foram esterilizadas contra sua vontade pelo governo americano6.
Esqueçam a história do Dia de Acção de Graças, com índios e colonos a partilhar placidamente o mesmo peru à volta da mesma mesa. A História dos Estados Unidos começa no programa de erradicação dos índios. Tendo em conta as restrições actuais à imigração ilegal, ninguém diria que os fundadores deste país foram eles mesmo imigrantes ilegais, que vieram sem o consentimento dos que já viviam na América. Durante dois séculos, os índios foram perseguidos e assassinados, despojados de tudo e empurrados para minúsculas reservas de terras inférteis, em lixeiras nucleares e sobre solos contaminados. Em pleno século XX, os EUA puseram em marcha um plano de esterilização forçada de mulheres índias, pedindo-lhes para colocar uma cruz num formulário escrito num língua que não compreendiam, ameaçando-as com o corte de subsídios caso não consentissem ou, simplesmente, recusando-lhes acesso a maternidades e hospitais. Mas que ninguém se espante, os EUA foram o primeiro país do mundo a levar a cabo esterilizações forçadas ao abrigo de um programa de eugenia, inicialmente contra pessoas portadoras de deficiência e mais tarde contra negros e índios.
  1. Todos os imigrantes são obrigados a jurar não ser comunistas para poder viver nos EUA7.
Para além de ter que jurar que não é um agente secreto nem um criminoso de guerra nazi, vão-lhe perguntar se é, ou alguma vez foi membro do “Partido Comunista”, se tem simpatias anarquista ou se defende intelectualmente alguma organização considerada “terrorista”. Se responder que sim a qualquer destas perguntas, ser-lhe-á automaticamente negado o direito de viver e trabalhar nos EUA por “prova de fraco carácter moral”.
  1. O preço médio de uma licenciatura numa universidade pública é 80 000 dólares8.
O ensino superior é uma autêntica mina de ouro para os banqueiros. Virtualmente todos os estudantes têm dívidas astronómicas, que acrescidas de juros, levarão em média 15 anos a pagar. Durante esse período os alunos tornam-se servos dos bancos e das suas dívidas, sendo muitas vezes forçados a contrair novos empréstimos para pagar os antigos e ainda assim sobreviver. O sistema de servidão completa-se com a liberdade dos bancos de vender e comprar as dívidas dos alunos a seu bel-prazer, sem o consentimento ou sequer a informação do devedor. Num dia deve-se dinheiro a um banco com uma taxa de juro e no dia seguinte, pode-se dever dinheiro a um banco diferente com nova e mais elevada taxa de juro. Entre 1999 e 2012, a dívida total dos estudantes americanos ascendeu a 1.5 triliões de dólares, subindo uns assustadores 500%.
  1. Os EUA são o país do mundo com mais armas: para cada 10 americanos, há 9 armas de fogo9.
Não é de espantar que os EUA levem o primeiro lugar na lista dos países com a maior colecção de armas. O que surpreende é a comparação com o resto do mundo: No resto do planeta, há 1 arma para cada 10 pessoas. Nos Estados Unidos, 9 para cada 10. Nos EUA podemos encontrar 5% de todas as pessoas do mundo e 30% de todas as armas, qualquer coisa como 275 milhões. E esta estatística tende a se extremar, já que os americanos compram mais de metade de todas as armas fabricadas no mundo.
  1. São mais os americanos que acreditam no Diabo que os que acreditam em Darwin.10
A maioria dos americanos são cépticos; pelo menos no que toca à teoria da evolução, em que apenas 40% dos norte-americanos acredita. Já a existência de Satanás e do inferno, soa perfeitamente plausível a mais de 60% dos americanos. Esta radicalidade religiosa explica as “conversas diárias” do ex-presidente Bush com Deus e mesmo os comentários do ex-candidato Rick Santorum, que acusou os académicos americanos de serem controlados por Satã.