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Mauro Santayana
Há uma curiosa interpretação dos resultados eleitorais da Grécia – a de que a direita ganhou as eleições. O que as urnas revelaram foi a vitória da razão nacionalista: tanto os conservadores da Nova Democracia – não tão conservadores assim – quanto a extrema-direita e a coligação de esquerda Syriza, defendem uma postura de resistência contra as exigências da Europa, ditadas pela chanceler Ângela Merkel. O Pasok, provável parceiro de Samaras no governo, tampouco se encontra à direita do espectro.
Apesar de todo o simbolismo da Grécia, que teve seu fulgor no tempo clássico, e se escondeu da História até recentemente, o problema do mundo não se encontra em Atenas. Ele, como o diabo, está em todos os lugares. Como temos insistido, ele é de natureza política e se resume na aspiração das finanças internacionais em criar um estado único universal, sob seu domínio direto e tirânico, com a definitiva escravização dos povos, e a resistência do sentimento nacionalista e da razão humanística. Para lembrar que o vocábulo problema vem do léxico grego (proboulema significava projeto de lei enviado à Boule, ou seja, ao parlamento de Atenas), a questão é sempre política.
É uma luta que se encontra na alma histórica do Ocidente. A Igreja presumia ter herdado o imperialismo romano, e os anglossaxões, têm buscado, desde o século 16, ocupar o mando, ao substituir o Sacro Império, primeiro a partir de Londres e, mais tarde, de Washington.
A capital do mundo, nestes dois dias, se deslocou para Los Cabos, com a reunião do Grupo dos 20. Ontem, segunda-feira, o New York Times publicava matéria sobre a “nova rivalidade” no universo latino-americano, entre o México e o Brasil. Segundo a análise, o Brasil está perdendo espaço para o México, que – como é óbvio – segue integralmente a cartilha neoliberal e se encontra condenado pela natureza e pela história a viver encostado nos Estados Unidos, como irmão xifópago atrofiado: não podem separar-se os dois, a menos que uma catástrofe planetária abra o mar ao longo da fronteira. Nem podem integrar-se, embora a fatalidade demográfica, com a predominância mestiça, e a força genética, possa expulsar, com o tempo que se torna veloz, a cultura da Nova Inglaterra.
De acordo com o texto do jornal de Nova Iorque, estamos, os brasileiros, dependendo da China, que importa as nossas mercadorias, enquanto indústrias americanas, no México, competem com o país asiático, suprindo o mercado norte-americano, em condições competitivas com os chineses. Em suma, a recessão chinesa significará uma desgraça para o nosso país.
As coisas não são tão simples assim. A própria matéria do jornal americano lembra que temos dois trunfos. O primeiro deles é o da política social, com o crescimento do mercado interno. O outro é o de que as circunstâncias, ao nos fazer parceiros da China, nos fazem seus companheiros de viagem – pelo menos nesse trecho histórico. Faltou, ao falar na China, referir-se aos Brics.
Pela primeira vez, na Idade Moderna – isto é, no meio milênio que nos separa do Renascimento e da descoberta do hemisfério em que vivemos – uma realidade geopolítica nova abre cunha no sistema internacional de poder sob a hegemonia da Europa Ocidental (da qual os Estados Unidos são projeção geopolítica): a aliança entre os países que emergem. Ela rompe os marcos geográficos e se alicerça no fator humano, ao englobar a metade da população do mundo, que se encontram na Ásia, na África e no Brasil. E não nos esqueçamos que, na hora da decisão, o Mercosul se somará com o Brasil.
Mesmo que essa aliança não venha a ter futuro em horizonte mais longo, porque a História não é preguiçosa, essa coalizão pode definir o destino da Humanidade nas próximas décadas.
Assim, todas as previsões no curto prazo são meras especulações que atendem ao desejo dos analistas. Os gregos, açulados pela emergência, provavelmente encontrarão um caminho intermediário, entre a ruptura definitiva com o euro e a submissão a Berlim. Se se confirmar a decisão de Tsipras, de manter a coligação de esquerda na oposição, o governo a ser formado terá que dar alguma satisfação ao povo e ela só pode ser entendida na amenização das medidas de arrocho exigidas pela senhora Merkel.
O governo brasileiro tem a consciência de que as procelas atingirão também o nosso país. Daí as medidas de cautela que estão sendo tomadas. A reunião de Dilma com os governadores, embora não tivesse tom dramático, revelou a sua preocupação em assegurar a unidade institucional interna, sem prejuízo das divergências político-partidárias, que se acirrarão nestes dois anos próximos. A decisão de conceder empréstimos federais aos estados, para investimentos, em condições bem mais amenas do que as impostas por Fernando Henrique para a amortização das dívidas antigas, vindas ainda do governo militar, serve a esse propósito. Estamos atingindo uma consciência republicana que separa as instituições permanentes do Estado das naturais divergências dos partidos, sujeitos às hesitações das circunstâncias.
O sentimento de nação sempre prevalece para erguer diques e quebra-ventos contra os vendavais planetários. Não devemos nos esmorecer na tarefa de buscar a unidade da América do Sul, e isso implica desdenhar as provocações externas que buscam criar arestas entre o Brasil e seus vizinhos. Somos suficientemente adultos para reconhecer a nossa força, e entender que devemos administrá-la com modéstia e prudência. De qualquer forma, há duas eleições que podem mudar tudo – além dos rumos que a Grécia tomará: as eleições presidenciais mexicanas dentro de poucos dias, e as eleições alemãs do ano que vem. De Washington nada devemos esperar de bom; se Obama nos quer cozinhar em banho-maria, Mitt Romney pretende assar-nos em fogo vivo.
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