A mídia ganhou e perdeu em 2011. Agenda de 2012 depende da privataria
Meios de comunicação buscaram impor orientação conservadora ao país. Ganharam, apesar de derrotados nas eleições de 2010. Embate pela agenda política de 2012 passa pelo destino que se dará à CPI da privataria. Ela pode ser uma espécie de “Comissão da verdade” do neoliberalismo. Tudo depende de existir pressão popular.
por
Gilberto Maringoni, em
Carta Maior
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Lá vai: a mídia brasileira ganhou ou perdeu politicamente neste ano?
A) Perdeu;
B) Ganhou;
C) Quem perdeu foi o Santos;
D) Todas as anteriores estão corretas;
E) Nenhuma das anteriores está certa. O Santos é um eterno campeão.
Dando um desconto aos santistas, a coisa pode ser vista de duas maneiras.
Os entusiastas do governo marcarão sem dúvida a alternativa “A”. E terão um argumento insofismável, que é mais ou menos o seguinte:
A grande mídia brasileira perdeu em 2010 e em 2011. Em 2010, jogaram todas as fichas na candidatura de José Serra. Manipularam, distorceram e correram riscos. Não deu. Em 2011, fizeram o gigantesco jogo de “vaca amarela”, para abafar o sucesso editorial e político do livro
A privataria tucana, de Amaury Ribeiro Jr. Se lascaram e ficaram com a ridícula pecha de censores privados.
Opositores à esquerda do governo marcarão “D”. Poderão contra argumentar, num raciocínio menos linear:
A indústria midiática perdeu a batalha eleitoral, mas ganhou politicamente em 2011. Ela conseguiu impor sua agenda quase integralmente ao governo Dilma Rousseff. Perdeu na embalagem, mas ganhou no conteúdo.
É como se a derrota nas urnas tivesse se transformado em uma vitória quando se examina o tipo de governo capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores.
A disputa de agenda
A grande disputa que os meios de comunicação fazem não se restringe a ganhar ou perder uma eleição, a vender mais jornais ou revistas e a aumentar a audiência, o que resulta em maiores receitas publicitárias. Isso já é muita coisa.
Os monopólios da mídia querem mais. Investem para definir a agenda dos debates nacionais, para que os grupos econômicos que os sustentam sigam dominando a situação. Impor os temas mais importantes e influir nas decisões oficiais vale mais do que saber se fulano ou sicrano foi o eleito pelas urnas.
A grande agenda de 2011, logo no início do governo, era definir os rumos da política econômica. Era preciso manter quem ganhou muito nos anos anteriores ganhando mais ainda.
As últimas semanas de 2010 e o início do ano que agora termina foram marcados por saber se o governo daria um fim ao que chamam de “gastança” do governo Lula e se teríamos uma gestão mais “responsável”. E nisso tiveram amplo sucesso.
O editorial principal do jornal
O Estado de S. Paulo, de 13 de janeiro de 2011 já dava o tom no noticiário de todos os grandes meios de comunicação nos meses seguintes:
“O governo prepara cortes definitivos no Orçamento de 2011, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao sair de reunião com a presidente Dilma Rousseff, na terça-feira.
(…)
Uma política mais séria a partir de agora será uma condição de segurança para todo o mandato da presidente Dilma Rousseff.
(…)
O ajuste do Orçamento de 2011 será, na melhor hipótese, apenas o começo de uma arrumação muito mais ampla e cada dia mais necessária. A gastança populista esgotou suas possibilidades. A presidente Dilma Rousseff tem de seguir outro rumo”.
Não deu outra. Em 9 de fevereiro, o governo anunciou um corte em suas despesas. O valor do salário mínimo, anunciado em abril, limitou-se a repor perdas inflacionárias, não incorporando nenhum ganho real. E todo o primeiro semestre do ano foi tomado por cinco elevações seguidas nas taxas de juros do Banco Central.
Desenvolvimentismo e PIB zero
Quem esperava um desabrochar da política desenvolvimentista levemente esboçada no segundo mandato do presidente Lula teve a clara sensação de que apesar da vitória eleitoral de Dilma, o programa aplicado era o dos ultraliberais do PSDB.
Ao longo do ano, o ajuste recessivo continuou. Para baixar as taxas de juros em 0,5%, o governo anunciou, em 29 de agosto, a elevação da meta de superávit primário em R$ 10 bilhões, alcançando a fantástica soma de R$ 127,9 bilhões, ou 3,3% do PIB. As sucessivas quedas da taxa de juros no segundo semestre nem de longe reverteram a trombada recessiva das medidas anteriores.
O esforço fiscalista contou ainda com a aprovação da Desvinculação das Receitas Orçamentárias (DRU), no início de dezembro. O mecanismo, como se sabe, faculta ao governo desviar até 20% do orçamento de qualquer área para o pagamento das dívidas financeiras.
A opção ultraliberal não ficou nisso. No meio, houve o anúncio da privatização dos aeroportos mais rentáveis.
Todo o esforço governamental – amplamente apoiado pela grande imprensa – teve seu coroamento na divulgação do crescimento do PIB do terceiro trimestre: zero por cento!
O orçamento do aperto
E o ano termina com a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012, a partir de projeto enviado pelo governo ao Congresso. O gráfico com a divisão de verbas para o orçamento do ano que vem, preparado pelo movimento pela Auditoria Cidadã da dívida pública circula na internet. Quem ainda não viu e deseja tomar contato com os números, basta assessar
esse endereço.
Os dados são baseados no relatório final da LDO.
O gráfico fala mais do que mil discursos: o governo petista destina nada menos do que 47,19% de todo o orçamento de 2012 ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Banqueiros e especuladores agradecem tamanha bondade.
Resumo da ópera: a agenda central do país em 2011 foi preenchida pela pauta conservadora e liberal. Exatamente o que os meios de comunicação em uníssono propagaram ao longo do ano.
Privataria embola o jogo
Apesar da agenda do ano que vem já estar em grande parte definida pela aprovação da LDO, ela não está fechada.
O impacto do livro
A privataria tucana deu uma embolada no jogo. A mídia, apanhada de surpresa, reagiu de duas maneiras. Primeiro, tentou ignorar o assunto. A repercussão da obra na blogosfera – que se traduziu numa explosão de vendas – não pôde ser contida pela censura corporativa. A segunda reação se deu pela via da desqualificação do autor e do volume.
O que está em questão não é o livro ou as possíveis liberalidades com a coisa pública tomadas por José Serra e seus seguidores. O que está em tela é um dos pilares centrais do modelo neoliberal, a privatização de ativos públicos. Se é para se falar em escândalos, a privatização em si – com os danos estratégicos causados ao país – é muito mais escandalosa que as propinas eventualmente cobradas.
Ao abrir essa caixa Pandora, Amaury Ribeiro Jr. vai muito além do que buscar falcatruas cometidas por uma turma de larápios do patrimônio público. Ele coloca em questão o centro de gravidade do governo FHC e de parte das ações dos governos petistas.
A instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tema será o grande embate dos próximos meses.
Comissão da verdade do neoliberalismo
A CPI da privataria, caso instalada, pode tomar rumos inesperados e inaugurar uma nova agenda para o país. Ela pode se tornar uma espécie de “Comissão da verdade” sobre as ilegalidades cometidas por membros de governo e dirigentes de megacorporações globais, todas anunciantes das grandes empresas de comunicação. Sua viabilidade depende de um clamor nacional, com os setores populares à frente.
Setores do governo, parte da cúpula petista, a chamada “base aliada”, a velha direita (PSDB-DEM-PPS), a mídia, o capital financeiro e seus seguidores devem jogar pesado e de forma articulada para inviabilizar a instalação da Comissão.
Entre tais extremos, há múltiplas nuances. A disputa pela viabilidade da Comissão será briga de cachorro grande. Se ela vingar e conseguir, mesmo que timidamente, colocar em questão o processo de liquidação do Estado, representará uma derrota para os setores neoliberais de alcance internacional. E teremos uma saudável disputa sobre os fundamentos de um novo projeto de desenvolvimento para o país.
Nisso tudo, apenas uma coisa parece certa: todo esse imbróglio será muito mal coberto pela grande mídia nacional.
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).