O ex e atual presidentes da república talvez quisessem algo mais discreto. A Globo talvez esperasse uma reação envergonhada. O que aconteceu, no entanto, surpreendeu a todos. A militância petista presente à abertura do 5º Congresso do partido, realizada ontem, em Brasília, recebeu as suas maiores lideranças com inflamados gritos de guerra.
A coragem, como se diz, contamina. E nada melhor para unir uma comunidade política do que um inimigo externo, ainda mais se há convicção de que este agiu com má fé, mau caratismo e arbitrariedade, como é o caso da grande mídia.
Tem alguma coisa se mexendo nas placas tectônicas da política nacional. Na postura corajosa da militância petista e do próprio presidente do partido, Rui Falcão, havia um pouco do calor das milhões de pessoas que saíram às ruas, nos meses de junho a julho, gritando um refrão desconcertante:
“A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura!”
Em 2014, teremos o aniversário de 50 anos do golpe de Estado. Iremos “comemorar”? Ou iremos usar a data para esmagar, de uma vez por todas, os resquícios da ditadura?
Este ano, descobrimos que os generais receberam milhões de dólares para apoiar o golpe de Estado e que Juscelino Kubischek foi assassinado.
Este ano, duas escolas, uma no Rio, outra em Salvador, decidiram, via eleições internas diretas, mudar de nome. Em Salvador, a escola Emilio Garrastazu Medice deu 406 votos para Marighella e 128 votos para Milton Santos. Nenhum voto para a ditadura. No Rio, o Colégio Estadual Presidente Costa e Silva decidiu mudar seu nome para Abdias Nascimento, um dos mais importantes representantes do movimento negro nacional, e que ocupou a Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras durante o governo Brizola.
O Brasil está perdendo o medo daqueles que apoiaram o regime militar e com ele se tornaram poderosos. E que tentam manter as benesses conquistadas durante o tempo de exceção, através de uma tática ainda mais vil que a truculência dos milicos: manipulando as informações.
Isso não é brincadeira. Os falcões americanos deram um golpe contra a paz mundial com mentiras sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque. A informação foi manipulada e o mundo perdeu mais de um milhão de vidas, além da tunga de dois trilhões de dólares no contribuinte americano.
A irresponsabilidade da nossa mídia, repito, não é brincadeira. Não é mais uma questão de “bater” no PT. Eles agridem a democracia, de um lado, e prejudicam a nossa economia, de outro. E, assim como em 1964, por um punhado de dólares…
Ontem, por exemplo, aconteceu uma coisa muito grave. Houve um ridículo ataque especulativo à Petrobrás e aos interesses nacionais, felizmente
abortado pelo Fernando Brito, do Tijolaço. Baseado na informação de um site apócrifo, um coxinha que faz “contribuições” para o site da Forbes, provavelmente de graça, noticiou que a Petrobrás tem 31% de chance de falir. A grande mídia e o PSDB, ambos sem nenhum compromisso com a verdade, com a Petrobrás e com o Brasil, repercutiram a irresponsabilidade.
Brito logo descobriu que o mesmo site, fonte da “previsão”, estima que a Vale, a maior empresa de minério de ferro do planeta, tem 59% de chance de falir. Ou seja, é quase um site de pornochanchada financeira, tocado por algum robozinho mal programado.
Aliás, não se trata mais apenas de irresponsabilidade e incompetência. Há interesses muito mais obscuros por trás dessa campanha sistemática contra o Brasil. A quem interessa comprar tão facilmente uma previsão, baseada em informações falsas, de que a Petrobrás, a jóia da nossa coroa, tem chance de falir? Em informações falsas, repito!
Os americanos, agora sabemos, fugiram de Libra porque planejavam um assalto político mais vantajoso no México, onde um governo conservador lhes garantiu a chance de explorarem petróleo com desenvoltura e truculência imperialistas. Mas ainda continuam por aqui, patrocinando manipulações, para que os fluxos mundiais de investimento fiquem só com eles, não com a gente.
*
Abaixo, reproduzo chamada na capa, fác-símile da página 3, e o texto da matéria, do Globo de hoje, para registro histórico.
NO GLOBO
Com Lula e Dilma, Congresso do PT se transforma em ato de apoio a mensaleiros condenados
Ex-presidente cita caso de helicóptero pego com cocaína e diz que imprensa dá mais atenção ao mensalão
Em discurso, Rui Falcão diz que mensalão foi ‘tsunami de manipulação’
FERNANDA KRAKOVICS E LUIZA DAMÉ
Publicado:
12/12/13 – 18h15
Atualizado:
12/12/13 – 23h01
BRASÍLIA – Com as presenças da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o 5º Congresso do partido, aberto na noite desta quinta-feira, foi transformado em um ato de apoio aos petistas condenados no julgamento do mensalão. Com Lula e Dilma no palco, a plateia gritou em coro: “Dirceu, guerreiro do povo brasileiro”, “Genoino, guerreiro do povo brasileiro”, e “Delúbio guerreiro, do povo brasileiro”. Lula começou seu discurso afirmando que não falaria de mensalão, mas depois de apelos da militância se referiu ao caso como “a maior campanha de difamação”:
- Eles tinham medo do Lula, agora têm que enfrentar a Dilma e o Lula, agora têm que enfrentar um partido que na maior campanha de difamação faz um PED (Processo de Eleição Direta) e coloca mais de 400 mil militante para votar – disse Lula, citando as eleições internas do PT, que elegeu novos dirigentes no mês passado.
O ex-presidente também comparou o caso do helicóptero de um parlamentar pego com cocaína à repercussão do emprego de Dirceu.
- Nosso partido tem sido vítima das suas virtudes e não só de seus defeitos. Somos criticados pelas coisas boas que fazemos, não só pelos erros. Se for comparar o emprego do Zé Dirceu no hotel com a quantidade de cocaína no helicóptero, pelo menos houve uma desproporcionalidade na divulgação do assunto – disse Lula, em referência à cocaína encontrada no helicóptero que pertence à família do senador Zezé Perrella (PDT-MG).
Antes de falar, a plateia havia gritado, em coro:
- Lula, guerreiro, defenda os companheiros.
Dilma: ‘couro duro’
Dilma, em seu discurso, não citou o mensalão, mas relembrou a afirmação de Lula de que há momentos em que se adquire um “couro duro” com os ataques sofridos pelos oponentes.
- Adquirimos um couro duro. Esse couro duro é que nos permite que olhemos sempre para nossas origens, para o fato de que somos um partido que representa uma causa, uma ideia e que não pode nesses momentos difíceis, onde o couro fica duro, esquecer quem somos. É isso que nos mobiliza, e faz com que enfrentemos todas as dificuldades e saibamos que a vida é dura – disse Dilma.
Ela citou os protestos que acontecerem no país neste ano, e disse que o PT é um partido que ouve o que pedem as ruas e que o governo dela tem a mesma postura.
- Jamais nos esqueceremos daquilo que conquistamos, por isso sabemos que são importantes alguns momentos do país. Não somos um partido que deixa de ouvir os movimentos populares, que deixa de ouvir as manifestações. E por isso não podemos ser um governo que não escuta as ruas e as manifestações.
Dilma afirmou que nenhum outro partido fez tanto pela transparência e combate a corrupção. Ela defendeu uma reforma nas instituições políticas e afirmou que é preciso buscar mais ética.
- É algo que o PT sempre defendeu – disse.
Rui Falcão: ‘tsunami de manipulação’
O presidente do PT, Rui Falcão, abordou o julgamento em discurso. Falcão disse que os petistas foram condenados injustamente e sem provas. Ele afirmou que o julgamento foi um “tsunami de manipulação” e que o processo foi político, para manipular a população contra o PT.
- É o típico caso da manipulação realimentando a mentira e da mentira realimentando a manipulação. A história vai provar que nossos companheiros foram condenados sem provas, em um processo nitidamente político, influenciado pela mídia conservadora – disse o presidente da legenda, que reforça que não foi usado dinheiro público no mensalão.
Como foi dito ontem na Câmara pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), um dos condenados, Falcão afirmou que o julgamento é uma situação de “dois pesos e duas medidas” e que opositores seguem sem punição por outros casos. Ele cita o suposto mensalão mineiro, que teria entre os participantes políticos do PSDB.
- Surpreendentemente, o suposto sentimento de punição e justiça continua sem alcançar determinados setores e partidos, o que caracteriza uma inegável situação de dois pesos e duas medidas. Por que o silêncio de mais de uma década, no martelo dos juízes, no famoso mensalão do PSDB mineiro? – afirmou Falcão.
As denúncias de formação de cartel no metrô se São Paulo, que atingem o governo paulista e políticos do PSDB, também foram citadas pelo petista. Falcão disse, no discurso, que o governo de Lula e de Dilma foram os que mais combateram a corrupção.
- Não faremos uma campanha no estilo mar de lama como nossos adversários estão acostumados, e na qual, aliás, foram treinados por seus ancestrais. Mas se enganam os que pensam que vamos levar injustiça e desaforo para casa.
Participaram do Congresso do PT os ministros Fernando Pimentel (Desenvolvimento), Aloizio Mercadante (Educação), Alexandre Padilha (Saúde), Tereza Campello (Desenvolvimento Social), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Miriam Belchior (Planejamento), Eleonora Menicucci (Políticas para as Mulheres) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais).
Versões de Lula para o mensalão
Em 2005, em meio à crise do mensalão, o ex-presidente Lula fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV dizendo que se sentia traído pelos acontecimentos divulgados, e pediu desculpas ao povo brasileiro.
Mais tarde, Lula passou a divulgar diversas versões sobre o caso, desde que fora uma mera repetição de atitude comum aos políticos brasileiros, o uso de caixa 2 nas campanhas eleitorais, até que tudo não passara de uma tentativa golpista de tirá-lo do poder. Lula prometeu ainda provar, quando saísse da Presidência da República, que o mensalão simplesmente não existiu.