O Blog procurou quatro especialistas em Direito Internacional para
comentarem o acolhimento pela ONU de queixa do ex-presidente Lula feita
em julho ao organismo multilateral; ele acusou a operação Lava Jato de
praticar violações de seus direitos humanos no âmbito das investigações
contra si.
Dois dos consultados não quiseram emitir analises nem públicas nem
privadas sobre o caso, alegando que seria prematuro. Outros dois
analistas se dispuseram a dar opiniões sobre a decisão do Comitê de
Direitos humanos da ONU, mas não autorizaram a divulgação de seus nomes.
Os especialistas que se manifestaram argumentaram que suas opiniões
poderiam ser facilmente instrumentalizadas pelos inimigos de Lula e pela
própria Lava Jato, que usariam a inevitável possibilidade de a ONU
rejeitar a tese do ex-presidente como se tal possibilidade fosse uma
previsão de que isso ocorreria. Por isso não quiseram se expor.
O conteúdo das entrevistas, porém, precisa ser divulgado porque
tratará de expor claramente o que significa a aceitação preliminar da
queixa de Lula, uma aceitação que nem é definitiva nem avaliou o mérito
do caso, mas que, só por existir, já produziu um efeito prático
extremamente positivo para o ex-presidente.
Esta matéria se reveste de importância por conta do noticiário da
mídia antipetista em relação ao caso. A tentativa midiática de minimizar
a decisão da ONU de passar a analisar a denúncia de Lula tenta esconder
um efeito inequívoco e inegável, ao menos um efeito importante e que
também é imediato, tendo resultado da decisão preliminar do organismo.
Para rebater a argumentação midiática, pois, é preciso conhecê-la.
Então, vamos a ela. Dentre as várias matérias iguais em veículos
diferentes da mídia antipetista, usemos a do Estadão porque é a que usa
argumentação mais capciosa.
Segundo o jornal, o registro da queixa de Lula pela ONU não passa de
“formalidade” e organismo ainda irá “analisar os argumentos para avaliar
sua admissibilidade ou mérito, o que pode levar cinco anos”.
A matéria toda é construída para vender uma tese, de que a ONU
aceitar analisar a queixa de Lula não teria a importância atribuída
pelos advogados do ex-presidente. Confira a íntegra da matéria do
Estadão
*
Estadão
27/10/2016
“ONU diz que não examinou admissibilidade do caso Lula
GENEBRA – A ONU informa que a sua
decisão relativa ao exame do caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva foi uma “formalidade” e que ainda não se pode considerar que a
entidade considerou sua admissibilidade. Tal etapa apenas será realizada
em 2017 ou mesmo em 2018. O julgamento completo do caso pode levar
cinco anos.
Na quarta-feira, os advogados do
ex-presidente anunciaram em um comunicado de imprensa que o pedido de
abertura de processo para averiguar possível violação de garantias do
petista pelo Estado brasileiro foi registrado pelo órgão. No comunicado,
os advogados apontam que a ONU informa ainda que o governo Michel Temer
tem dois meses para prestar “informações ou observações relevantes à
questão da admissibilidade da comunicação”.
Na manhã de hoje, em um outro
comunicado, a ONU explicou que a decisão envolvia apenas um “registro”
do caso. “Isso não implica uma decisão nem sobre sua admissibilidade e
nem sobre mérito”, indicou uma nota enviada pela porta-voz da entidade,
Elizabeth Throssell. “Significa apenas que o Comitê de Direitos Humanos
olhará o caso”, disse.
Ela confirmou que a comunicação “agora foi enviada à missão permanente do Brasil para que o Estado faça suas observações”.
Em um segundo comunicado emitido
hoje, a ONU foi além. “Podemos confirmar que a ONU formalmente registrou
a petição submetida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”,
disse Throssell. “O processo de registro é essencialmente uma
formalidade e não implica em nenhuma expressão ou decisão do Comitê
sobre a admissibilidade ou os méritos da queixa”, insistiu.
Segundo a ONU, 95% dos casos que
chegam são registrados. Nesta fase, a entidade apenas examina se todos
os documentos estão em mãos, se a pessoa de fato existe e se o país
implicado pode ser julgado com base nos tratados. Ainda conforme a
organização, a admissibilidade da queixa apenas será avaliada uma vez
que a entidade também tenha em mãos a defesa do Estado brasileiro. “O
Comitê vai começar sua consideração sobre a admissibilidade uma vez que
tenha recebido a subsmissão do Estado brasileiro sobre o assunto”,
indicou.
“O Comitê primeiro decide se a queixa
cumpre os critérios de admissibilidade”, explicou. “Isso pode
normalmente levar até dois anos”, disse. “O tempo para considerar a
queixa, tanto em sua admissibilidade como mérito, varia. Mas pode levar
até cinco anos”, completou.
Na prática, isso significa que a ONU
aceita considerar a queixa de Lula e dará prosseguimento à análise do
caso, mas ainda não se posicioinou sobre o conteúdo do pedido feito pelo
petista. A entidade poderia ter rejeitado o registro já no primeiro
juízo ou mesmo ter considerado um caráter de urgência, antecipando um
exame. Mas optou pelo caminho tradicional.
A decisão sobre abertura de processo
deve ficar para uma avaliação de peritos, no segundo semestre de 2017.
Em julho, quatro meses depois de Lula ter sido levado coercitivamente
para depor pela força-tarefa da Lava Jato, os advogados do
ex-presideente protocolaram uma queixa formal contra o Estado
brasileiro. O documento denuncia ações consideradas como “abuso de
poder” do juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Lava Jato. O processo
também acusa o Judiciário de “parcialidade” e será avaliado com base na
Convenção Internacional de Direitos Políticos.
Na semana passada, o Comitê de
Direitos Humanos da ONU deu início a seu terceiro e último encontro de
2016. Mas, na agenda, estavam apenas 25 casos de mais de 550 que
aguardam para ser avaliados.
A entidade que vai julgar o caso está
com um atraso na avaliação de cerca de 550 outros casos, enquanto
peritos da ONU admitem que o exame de conteúdo do ex-presidente pode
ficar para o final de 2017. A entidade poderia ter dado um tratamento
urgente à queixa, mas isso não foi autorizado.
Yuval Shany, presidente do comitê que
avalia as petições individuais, informou que os funcionários da ONU
apenas conseguiram preparar 25 casos nesta semana. “Lula não está entre
eles”, disse ao Estado.
Nigel Rodley, também perito, era
outro que sequer sabia da existência de uma petição apresentada por
Lula. “Acho que quando esse caso chegar, eu não serei nem mais membro do
Comitê”, disse. “É uma pena, teria sido divertido”, lamentou.
Para o perito Vitor Manuel Rodriguez, um caso pode ficar engavetado até um ano e meio antes de chegar às suas mãos.
Mesmo assim os advogados de Lula
comemoraram a decisão. “Avançamos mais um passo na proteção das
garantias fundamentais do ex-Presidente com o registro de nosso
comunicado pela ONU.É especialmente importante saber que, a partir de
agora, a ONU estará acompanhando formalmente as grosseiras violações que
estão sendo praticadas diariamente contra Lula no Brasil”, disse
Cristiano Zanin Martins, po meio de nota.
No texto, a defesa do petista argumenta que o ex-presidente e seus familiares são alvo de perseguição da Lava Jato.
“As evidências apresentadas na ação
se reportam, dentre outras coisas: (i) à privação da liberdade por cerca
de 6 horas imposta a Lula em 4 de março de 2016, por meio de uma
condução coercitiva sem qualquer previsão legal; (ii) ao vazamento de
materiais confidenciais para a imprensa e à divulgação de ligações
interceptadas; (iii) a diversas medidas cautelares autorizadas
injustificadamente; e, ainda, (iv) ao fato de Moro haver assumido em
documento enviado ao Supremo Tribunal Federal, em 29/03/2016, o papel de
acusador, imputando crime a Lula por doze vezes, além de antecipar
juízo de valor sobre assunto pendente de julgamento”, diz a nota.”
*
A matéria que você acaba de ler mistura mentiras e verdades.
Primeiramente, vale dizer que os dois especialistas consultados dizem
desconhecer a estatística divulgada pelo Estadão de que “Segundo a ONU,
95% dos casos que chegam são registrados”. Os especialistas pediram que o
jornal divulgue a fonte dessa informação, porque, para eles, a maioria
dos casos de violação de direitos humanos que chegam a ONU é prontamente
descartada.
A partir daqui, portanto, tudo que for dito por mim deverá ser
atribuído às fontes que conversaram comigo na manhã de quinta-feira, 27
de outubro de 2016.
Primeiro: o jornal procura rebater afirmações que os advogados de Lula não fizeram.
Por exemplo: ninguém nega que a admissão do pedido de Lula não seja
análise do mérito da queixa. É óbvio que a ONU não condenou o Brasil por
violação dos direitos humanos de Lula, é óbvio que a ONU não deu um
grão de razão a Lula, ainda.
Afinal, o que houve foi, tão-somente, a decisão do organismo de ao
menos confrontar o pedido de Lula com a defesa que o governo brasileiro
fará do processo contra o ex-presidente.
E tem mais. Os especialistas consideram que acionar o Comitê de
Direitos Humanos da ONU foi uma medida de risco porque as regras daquele
comitê para acolher ações como a de Lula é a de que antes de recorrer a
si os queixosos devem esgotar todas as possibilidades no Judiciário de
seus países.
O que pode acontecer, então, com o pedido de Lula é a ONU nem ao
menos analisar se ele está tendo seus direitos cerceados por considerar
que ainda haveria no Brasil instâncias recursais que ainda não entraram
no processo, como o STF.
Desse modo, seria um risco o ex-presidente recorrer à ONU agora, pois
se o Comitê de Direitos Humanos se negar a abrir processo contra o
Brasil por achar que Lula ainda tem aonde recorrer no Judiciário
brasileiro a mídia antipetista dirá que o organismo se recusou a
investigar a Lava Jato porque ela está certa e não está cometendo abuso
algum…
E não seria isso, em absoluto. Se a ONU vier a achar que Lula ainda
tem aonde recorrer no Brasil, isso não significará que estará condenando
o ex-presidente ou dando razão à Lava Jato, apenas estará dizendo que
ainda não é hora de o ex-presidente recorrer a si.
Porém, essa visão sobre a decisão da defesa de Lula de recorrer ao
Comitê de Direitos Humanos da ONU não considera que já não havia outra
forma de impedir uma arbitrariedade maior contra Lula.
Logo após a iniciativa do presidente, em julho, a mídia antipetista
passou a “monitorar” a ONU para saber se já teria tido conhecimento
daquela ação. A divulgação triunfal de que o processo ainda era
desconhecido do Comitê de Direitos Humanos permeou os dois meses
seguintes, até que, neste mês, o processo deu o primeiro passo.
A matéria do Estadão diz que a ONU poderia ter dado prioridade ao
processo de Lula, e não deu. Sim, não deu porque não dá prioridade a
casos individuais. Como são centenas de casos esperando julgamento, o
CDH do organismo reserva urgências para casos de genocídio, para as
violações que envolvem risco à vida dos atingidos.
Não há necessidade de tanta urgência no caso de Lula. O processo dele ainda está sendo julgado.
Porém, até há pouco eram fortíssimos os indícios de que Lula poderia
ser preso e, tal qual tantos outros petistas, corria o risco de começar a
cumprir pena sem nem ser julgado.
Era tão crível que isso poderia acontecer que a imprensa brasileira
se mobilizou ante a denúncia deste Blog de que havia intenção da Lava
Jato de prender o ex-presidente a qualquer momento. É ocioso reproduzir a
profusão de matérias da grande imprensa ou da imprensa alternativa que
hesitaram diante da minha denúncia ou até a deram como verossímil.
É igualmente verossímil que tenha havido influência desse episódio na decisão da ONU de colocar o pedido de Lula na fila.
O Estadão procura dar um caráter anódino à atuação da ONU, que
estaria dando pouca ou nenhuma importância para um caso que está no
centro da geopolítica latino-americana e de uma das maiores economias do
planeta. Conversa. A ONU está de olho, o mundo está de olho no que está
acontecendo no Brasil.
É incrível como a mídia acha que todos são idiotas ao ponto de
acreditarem que o MUNDO não tem ideia do cerne da crise política no
Brasil, que é o desejo irrefreável da direita de encarcerar Lula. Pode
até haver quem, lá fora, também queira ver Lula afastado para sempre da
política, mas não há ninguém bem informado que não saiba que há uma
manipulação das leis e da Justiça para atingir esse objetivo.
Ocorre que a mídia pode pasteurizar quanto quiser a percepção do seu
público crédulo sobre a importância da decisão da ONU anunciada na
última quarta-feira (26/10), mas essa decisão coloca a Lava Jato sob
escrutínio da comunidade internacional, através de especialistas do
Comitê de Direitos Humanos da ONU que têm internet, experiência e que
certamente sabem da importância do processo contra Lula para a
democracia na América Latina.
Apesar de a mídia antipetista desdenhar de uma eventual condenação do
Brasil por violar os direitos políticos de Lula, a direita em peso sabe
que uma condenação dessas seria desastrosa e colocaria os golpistas ora
encastelados no Poder na mira de futuras investigações sobre a
implantação de um regime de força no país.
Quanto a direitalha não quer que a ONU condene o Brasil e dê razão a
Lula? Seria ao ponto de não oferecer ela mesma a prova de que há
arbítrio contra o ex-presidente? Bem, se assim for então a aceitação
pela ONU de análise à queixa de Lula irá impedir uma prisão arbitrária
de Lula, que seria prova de violação dos direitos humanos do
ex-presidente.
Com a decisão da ONU, pois, em tese está enterrada a possibilidade de
Lula sofrer uma prisão arbitrária, pois a menos que surgisse uma prova
absolutamente inquestionável da culpa dele sua prisão seria considerada
pelo Comitê de Direitos Humanos do organismo como ato de arbítrio
suficiente para condenar o Brasil.
Eis por que matérias como a do Estadão, supra reproduzida, não valem o
tempo gasto na leitura. São peças políticas formuladas pelo PSDB e
publicadas pelo jornal como se fossem dele. São uma tentativa de fazer o
leitor de bobo.