Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 18 de junho de 2015

Fiscalismo do TCU: querem derrubar Dilma pelo que ocorre desde FHC

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 Qualquer leigo que vê toda essa celeuma em torno da mais nova marca do golpismo crônico que se abateu sobre o país após o início do segundo mandato de Dilma Rousseff – as ditas “pedaladas fiscais” –, acaba achando que versa sobre comportamento antiético do governo e, mais do que isso, de prática inventada por ele.
Em poucas palavras, portanto, vale refletir sobre aquilo de que esse governo é acusado e por que é absolutamentenonsense sequer cogitar que a presidente da República tenha praticado “crime de responsabilidade” e, pior, cogitar que ela seja passível de “impedimento” pelas medidas ora sob questionamento.
O Tribunal de Contas da União deu prazo de 30 dias para Dilma explicar as contas do governo em 2014. Por que? Simplesmente porque o governo federal impediu que dificuldades orçamentárias episódicas – e que seriam sanadas em seguida – causassem graves prejuízos a programas sociais e previdenciários como o Bolsa Família, o abono e seguro-desemprego e os subsídios agrícolas.
O Tesouro Nacional teria atrasado repasses a instituições financeiras públicas como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES, entre outras que intermedeiam pagamentos das despesas do governo. As instituições fizeram os pagamentos com recursos próprios e depois foram ressarcidas pelo governo, o que, no entender do TCU, teria constituído operações de crédito proibidas pela Lei de Responsabilidade fiscal.
Apesar de essa ser uma prática comum na administração pública desde que foi criada a LRF, em 2000, e que começou a ocorrer ainda no governo Fernando Henrique Cardoso – que, após a promulgação da lei, em seus dois últimos anos de mandato (2001 e 2002) fez a mesma coisa que o atual governo –, o que se vê é, mais uma vez, a oposição e a mídia tucanas, aliadas ao partidarizado TCU, cogitarem até pedir o impeachment da presidente da República.
Confira, leitor, o que escreveu o mordomo dos tucanos, Merval Pereira, em sua coluna em O Globo.
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A situação é ainda mais revoltante à luz do que outros tribunais de contas fazem neste país, quando aprovam contas de governos estaduais que infringem o interesse público e que gastam mal seus recursos.
Tomemos como exemplo o emporcalhado Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, infestado por indicações políticas do império tucano no Estado – que já dura duas décadas e que, até recentemente, manteve em seus quadros o famigerado “doutor Roubson”, apelido do ex-conselheiro do TCE-SP Robson Marinho.
Nota explicativa: para quem não sabe, em fevereiro deste ano a Justiça determinou o bloqueio de bens do conselheiro afastado do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) Robson Marinho e da multinacional francesa Alstom em razão da suspeita de que ele tenha recebido propina da empresa. Um dos fundadores do PSDB, Marinho foi o principal secretário do governo de Mário Covas (PSDB), de janeiro de 1995 a abril de 1997, ao ocupar a chefia da Casa Civil.
Enquanto o governo Dilma está às voltas com a atuação politiqueira do TCU, mais um governo tucano passeia sobre a lei graças às nomeações políticas para TCE-SP. E, mais uma vez, um governo do PT paga o preço pela adoção de espírito republicano ao nomear pessoas para cargos que permitem atacar esse governo sem se valer de critérios políticos.
As contas de 2014 do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, foram aprovadas sem sobressaltos pelos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado na última quarta-feira (17). O julgamento durou apenas 90 minutos.
Confira abaixo, leitor, trecho de reportagem da Folha de São Paulo de quinta-feira, 18 de junho de 2015, sobre a aprovação-relâmpago das contas do governo Alckmin em 2014.
Dominado por aliados do tucano, o TCE deu tratamento brando mesmo a temas politicamente incômodos para o governo, como a crise hídrica.
No relatório do conselheiro Dimas Ramalho, as causas do desabastecimento de água foram objeto de algumas das mais de cem recomendações feitas ao governo.
“Será que alguém precisa dizer que a falta d’água foi causada por atraso nas obras?”, questionou Roque Citadini, decano da corte e crítico tradicional da gestão de Alckmin.
“O governo precisa explicar claramente por que as metas não foram cumpridas”, continuou.
Foi dele a proposta para transformar todas as recomendações do relator em ressalvas –o que, pelos termos da lei, equivaleria a imputar reprovações pontuais a dezenas de aspectos da prestação de contas do governo. Recomendações, por si, não têm qualquer efeito prático.
Temendo o “descrédito” do TCE com recomendações que caem no vazio, o conselheiro Renato Martins Costa sugeriu uma fórmula para suavizar a reprimenda ao governo: se uma mesma recomendação fosse ignorada por dois anos consecutivos, ela passaria a ser considerada ressalva.
Foi essa a decisão que prevaleceu no TCE, por quatro votos a três.
Durante a tarde, técnicos da Casa começaram a procurar as recomendações coincidentes entre o relatório deste ano e o do ano passado para estabelecer as ressalvas.
Em 2014, o Estado teve receitas de R$ 185,3 bilhões e despesas de R$ 185,6 bilhões –déficit de R$ 355 milhões (-0,19%), indicativo em queda desde 2011. A arrecadação cresceu 5,4% no período.
Ao mencionar a diferença de 2% entre a previsão orçamentária e o que foi efetivamente arrecadado, o relator Ramalho atribuiu o mau resultado à conjuntura econômica nacional.
No ano passado, despesas com pessoal consumiram R$ 73,6 bilhões –o que correspondeu a 39% da despesa total da máquina do Estado (o limite legal é 49%). O gasto com terceirizados alcançou R$ 15 bilhões no período.
Pagamentos da dívida consumiram R$ 9,5 bilhões em 2014. Em 1997, momento da renegociação com a União, o Estado devia R$ 46 bilhões.
Apesar de ter pago R$ 112,8 bilhões em 17 anos, o Estado fechou 2014 com dívida de R$ 197,8 bilhões
Qual é a diferença entre as contas de Alckmin e de Dilma em 2014? Dilma atrasou, por um curto período, repasse a bancos de pagamentos de programas sociais. Fez isso em benefício da população. Já Alckmin, gastou mal os recursos, teve déficit orçamentário e não foi para beneficiar os paulistas, já que deixou de investir, por exemplo, em segurança hídrica, causando os problemas de abastecimento que todos conhecem.
E teve as contas aprovadas, sem ressalvas, em 90 minutos.
Pior do que isso tudo é editorial da mesma Folha de São Paulo, publicado na mesma edição que a matéria supra reproduzida, que tenta vender que o TCU “inovar” com Dilma por ter adotado prática que os governos FHC e Lula também adotaram seria positivo e indicativo de mudança de comportamento institucional em relação à “irresponsabilidade fiscal”.
O que o TCU está fazendo não é nada disso. Se não fosse o casuísmo de condenar no governo Dilma o que vem sendo admitido em todos os governos pós adoção da Lei de Responsabilidade fiscal, poder-se-ia dizer que aquela Corte adota “fiscalismo”, termo que o dicionário Houaiss bem define como “Busca do equilíbrio fiscal em detrimento dos aspectos sociais e políticos da tributação”.
Mais uma vez, portanto, o que está sendo feito contra o governo democraticamente eleito de Dilma Rousseff não passa de um nauseante golpismo, de oportunismo barato, de hipocrisia galopante que a sociedade deve repudiar em nome da democracia e do Estado de Direito.

Brito: Aécio na Venezuela foi pataquada


“Aécio Neves está virando um Marcelo Reis, o revoltado, com mandato…”


"A revista Veja antecipa o fechamento para dar um furo internacional". Fernando Morais


Conversa Afiada reproduz opinião de Fernando Brito, extraído do Tijolaço:

“MISSÃO AÉCIO” NA VENEZUELA NÃO FOI DIPLOMACIA, FOI PATAQUADA PROMOCIONAL


Será que alguém vai ter coragem de dizer que Aécio e a “turminha da encrenca” que foi para a Venezuela estão fazendo papel de palhaços em nome do Brasil?
Não, pousaram lépidos e fagueiros em Caracas, a bordo de um jatinho executivo da Força Aérea.
A comitiva de Aécio ficou presa (no bom sentido) num engarrafamento geral e isso foi um “cerceamento” à sua livre movimentação.
Dá pra ver na foto (abaixo) publicada em O Globo que todos os veículos estão parados no acesso à cidade.
Até o “cara de nojo” do senador paulista cooptado por Aécio reconheceu que não foi isso e O Globo registra: ” No Twitter, o senador Aloysio Nunes explicou que houve um acidente, e por isso o trânsito ficou parado”.
A tucaníssima repórter Maria Lima,de O Globo, diz que “já em um ônibus, a cerca de um quilômetro do aeroporto, o veículo ficou parado no trânsito e um grupo de cerca de 50 manifestantes começou a bater na lataria e gritar”.
Realmente, as batidas na lataria são condenáveis, embora aqui tenham feito isso com Sarney, no ano passado, e não vi ninguém da turma do Aécio condenar o cerco dos “Revoltados Online” aos carros de Sarney e de outros parlamentares para os impedir de votar no parlamento.
Ficamos sabendo também que a excursão dos senadores termina hoje à noite e, portanto, em menos de 12 horas eles vão poder observar tudo e deitar falação sobre o que deve ou o que não se deve fazer lá no país dos outros.
E visitar presos (sejam ou não presos políticos, mas detidos por ordem judicial) sem autorização do Judiciário, onde é que isso poderia acontecer?
Que diferença de gente respeitável como o ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter,que está com o seu Centro Carter trabalhando há meses na Venezuela para, como já fez de outras vezes, ajudar num processo eleitoral transparente, que é o que todas as pessoas de bem devem fazer.
E o nosso país, dominado por uma onda de histeria inédita em nossa história recente é forçado a dar uma de “babá” de meninos travessos, para não ser acusado de “cúmplice” dos “bolivarianos”.
Eu já estive na Venezuela – e não por 12 horas – e pude ver, já há dez anos – como o clima político é radicalizado.
Tão radicalizado que ocorreu um golpe de Estado, contra Chávez.
Se houver outro, desta vez contra Nicolás Maduro, alguém tem alguma dúvida sobre se Aécio, comitiva e mídia vão se posicionar?
Uma comissão de representantes do parlamento brasileiro jamais poderia deixar de ter uma agenda ouvindo os dois lados, oposição e governo venezuelanos, assim como deveria ter um encontro no parlamento daquele país.
Se foi feita em nome de um dos poderes da República do Brasil deveria ter sido tratada como um assunto de Estado, não como um factóide promocional.
Mas o que foi feito, e ninguém quer dizer, foi uma pataquada.
Aécio Neves está virando um Marcelo Reis, o revoltado, com mandato…


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NOGUEIRA: AÉCIO NÃO SE ENXERGA









Grécia e Brasil: a democracia pode vencer o neoliberalismo?





A troika precisa humilhar Atenas para desencorajar uma bola de neve contra a ganância rentista.

por: Saul Leblon

Brookings Institution / Flickr


















A Grécia enfrenta suas provas cruciais diante de credores que, como bem observou o jovem líder Tsipras, pretendem humilhá-la para desencorajar outros candidatos a hereges a colocar a democracia à frente dos mercados.
 
Sem dúvida, o componente político e ideológico da intransigência de Bruxelas e do FMI não é desprezível.
 
Mas a tragédia grega não se resume a um bloco monolítico de oprimidos, acossados pelo poder financeiro externo, sob o açoite de Frau Merkel.
 
Por trás das multidões desesperadas que afluíram às ruas e cercaram o parlamento nos últimos anos, tentando retomar o controle do seu destino, até o desenlace eleitoral em 25 de janeiro deste ano que deu a vitória à frente de esquerda, Syriza, existe a história pedagógica de um conflito entre a maioria da sociedade e os que detêm a riqueza dentro dela.

Nisso a tragédia grega é um clássico e condensa o desatino de muitas nações nos dias que correm, inclusive em latitudes tropicais.

Esse impasse resultará insolúvel se for encarado apenas como um confronto com banqueiros obstinados em ordenhar juros de uma dívida impagável da ordem de U$ 880 bilhões.

Não que essa dimensão do enredo seja negligenciável.

Em uma população da ordem de 11 milhões de pessoas, a dívida grega equivale a uma cota da ordem de 30 mil euros por habitante.

Algo como R$ 350 mil reais por família composta de casal e dois filhos.

A chance de que haja um adulto desempregado dentro dela é alta; um em cada quatro trabalhadores está desocupado na Grécia.

A eletricidade de um milhão de lares foi cortada por falta de pagamento.

Nesse cenário de penúria, pagar a dívida equivale a condenar sucessivas gerações a um regime de servidão às ordens da banca.

A curto prazo a queda generalizada das taxas de juros no mundo   –com exceções notáveis como é o caso brasileiro--  deve aliviar a pressão sobre o novo governo pelo lado externo.

O programa do BCE de injeção de liquidez e o alongamento da dívida grega também ajudam.

Mas a guilhotina continua focada no pescoço do país.

Qualquer solavanco nas taxas de juros internacionais faria desabar a lâmina decapitando a sociedade e o Syriza.

A alternativa real depende de uma frente de avanços políticos em toda a Europa. Pode acontecer aos saltos e a ascensão recente da esquerda nas eleições municipais na Espanha mostra que isso é possível.
 
Mais uma razão para a troika pretender exemplar a audácia grega, antes que seja tarde.

Caso contrário, a austeridade suicida poderá ser substituída à força por um plano Marshall progressista, de regeneração econômica da zona do euro.

É a tese de Yanis Varoufakis, economista de formação marxista, novo ministro da finança indicado pelo premiê Tsipras.

Até lá, porém, mesmo que Atenas sobreviva dentro do euro nas próximas horas decisivas, o governo Syriza terá que aproveitar  a correlação de forças ainda favorável para romper o outro núcleo duro da encruzilhada grega.

Qual?

Nas palavras de Varoufakis: taxar os ricos e desmontar uma cleptocracia composta de banqueiros, meios de comunicação e seus aliados no Estado.
 
Na Grécia, enquanto o país apodrecia a plutocracia engordava.

A exemplo do que ocorre no Brasil, e em outros pagos, trata-se de uma elite alérgica à justiça tributária, cuja bandeira inoxidável, na crise ou fora dela, é a defesa desinteressada do arrocho fiscal e monetário.

Sempre em nome dos bons fundamentos da República --aqueles que vão garantir o que lhe interessa de fato: a proteção preventiva contra a taxação da riqueza e o superávit fiscal suficiente para abastecer o ralo insaciável dos juros.

Detentores de sólida endogamia com o sistema financeiro global, os endinheirados apátridas de todas as latitudes integram uma casta rentista que Piketty desnudou como o grande parasita do nosso tempo.

Essa gigantesca lombriga alojada no metabolismo das nações age determinada a engordar ininterruptamente, às custas, acima  e à frente do crescimento da produção e do bem-estar coletivo.

‘Não estamos interessados apenas em voltar a 2010’, alerta o economista Yanis Varoufakis, como a esclarecer que a crise atual já vinha sendo chocada nos ovos da ameba cosmopolita, muito antes de explodir a desordem sistêmica em 2008.

Nisso sobretudo, ele  tem  algo a dizer em relação ao ajuste brasileiro que parece focado na mera restauração das condições  internacionais pré-crise de 2008  –o que de resto parece ilusório diante das novas e adversas  condições do comércio global.

Combater o privilégio tributário da elite será uma das trincheiras mais desafiadoras do governo Syriza.

‘Não é só um problema de evasão fiscal, mas sim de que grande parte da renda dos ricos nem sequer é tributada’, pontua Varoufakis puxando o fio de um outro gargalo clássico, que condensa na tragédia grega a encruzilhada de outros governos, partidos e nações.
 
Sob a sanguinária ditadura dos coronéis, que dominou o país de 1967 a 1974, a elite grega já vivia um período de fastígio e evasão fiscal ímpar.

O endividamento externo que hoje passa de 170% do PIB reflete em boa parte o complacente intercurso entre a farda truculenta e plutocracia fraudulenta.

Pesquisas indicam que sob o tacão dos coronéis menos de 100 mil abnegados pagavam imposto de renda na Grécia.

Era uma espécie de Olimpo no qual os sonegadores ocupavam o altar dos deuses.

Na democracia, uma tentativa de afrontar a evasão, com o rastreamento por satélite das piscinas nas mansões, foi driblada por uma corrida às capas de grama sintética...

Nas últimas décadas, a socialdemocracia, o Pasok,  não teve a coragem de retirar as capas que recobriam privilégios e caixas milionários dos ricos, dos bancos e dos meios de comunicação.

O endividamento externo persistiu como uma solução de menor resistência.

Em vez de arrecadar das amebas gordas, optou-se pelo endividamento externo desenfreado, em sintonia com a lógica neoliberal.

A farra da liquidez e do crédito deu solvência ao modelo.

Com a adesão grega à União Europeia os controles ficariam mais rígidos.

O Tratado de Maastricht determina que o país membro não pode ostentar déficit fiscal superior a 3% do PIB.

A saída encontrada pelos governantes e cleptocratas  foi pagar polpudas somas a consultorias e a grandes bancos norte-americanos, como a indefectível Goldman Sachs, para maquiar a lambança sem afetá-la.

Sofisticadas operações de engenharia contábil foram oferecidas ao país para persistir no endividamento público, sem afrontar Maastricht, nem tributar a elite local.

As capas de grama sintética cederam lugar a um bem urdido manto de criatividade delinquente.

Coisa típica da grande finança.

Um dos artifícios chancelados pelo selo Goldman Sachs foi penhorar receitas futuras do Estado grego, em troca de antecipações de recursos junto aos credores.

O  saque incluiu, por exemplo, anos e anos de taxas de embarque e desembarque em aeroportos nacionais  penhoradas  pelo Estado.

Rasparam o tacho da nação para evitar a tributação  dos bolsos gordos.

Como a antecipação de receita foi devorada pelo caminho, o futuro do tráfego aéreo, desprovido de fundos para novos investimentos, terá sérios problemas no país.

A irresponsabilidade ganha cores sugestivas quando se sabe que o turismo representa mais de 14% do PIB grego.

Agia-se como agem as elites predadoras em distintas fronteiras.

Tudo se passa como se não houvesse amanhã, essa abstração para quem o tempo consiste no átimo de segundo que separa o dedo da operação digital em paraísos fiscais.

Durante anos foi assim que se deu.

O Estado se endividou sem registrar o rombo como déficit público, graças aos espertos petizes da Goldman Sachs  –os mesmos que hoje dão ‘suporte’ intelectual ao jogral brasileiro que reclama ‘arrocho e fim das ‘pedaladas’ nas contas fiscais do governo Dilma.

Quando estourou a crise mundial, em 2007/8, a reversão do fluxo de crédito  pôs em xeque a ciranda grega e o déficit explodiu.

Imaginou-se inicialmente que ele seria de 10,5%.

Em 2010 verificou-se que era da ordem de 15%.

Trazê-lo para um superávit de 1%, como exigia Bruxelas,  a ferro e fogo, cortando aposentadorias e impondo sacrifícios adicionais a uma população que viu o PIB recuar 25% nos últimos seis anos, em quanto o desemprego saltou para 27%, exigiria reduzir em mais 12% o PIB nos próximos quatro anos.

Render-se a essa receita é acatar que a supremacia do mercado sobre a democracia é incontestável mesmo quando devastadora.
 
A Grécia tornou-se uma semi- nação nos últimos seis anos.

Transformou-se  no grande açougue-escola do neoliberalismo.

Praticou-se ali as mais variadas modalidades de cortes (leia o Especial de Carta Maior).
 
Poucos foram poupados dos talhos profundos para extrair libras de carne em sentido figurado e literal.

O arrocho que derrubou ¼ do PIB e jogou mais de ¼ dos assalariados na rua elevou em 40% os suicídios e cortou em 20% as aposentadorias.

Pacotes ortodoxos  sucessivos transferiram à população –na forma de um esfarelamento de serviços, salários, privatizações e  imposto indireto—  o sacrifício de sanear décadas de ladroagem fiscal e covardia política.

Fica mais fácil entender assim a resistência do Syriza em acatar as ordens de Bruxelas.
 
Na verdade, a principal promessa do Syriza não é apenas afrontar a troika e frau Merkel.
 
Mas, sim, como diz Varoufakis,  resolver um passivo histórico que remonta à conciliação das elites na transição da ditadura para a democracia.

Ou seja, redistribuir a renda e  sacrifícios até então determinados pela cleptocracia.

Soa inspirador para os trópicos.
 
Decididamente, o diagnóstico do ministro Varoufakis é  diferente do que pensa seu congênere, Joaquim Levy,  quando se grata de restaurar a saúde das contas públicas e devolver poder de investimento ao Estado.

Num tempo em que todo capital se comporta como capital estrangeiro, as operações offshores para ludibriar o fisco constituem o novo normal das elites e grandes corporações.

Ou alguém acha que o labiríntico passeio do dinheiro frio das empreiteiras no caso Petrobrás e no do metrô tucano foi montado apenas para esse fim?

Ou imagina que  apenas elas estão envolvidas no submundo empresarial das triangulações em paraísos fiscais?

Ou, por distração,  supõe que os bancos, justo eles, zeladores do dinheiro grosso, ficariam à margem das acrobacias da ‘elisão’ fiscal  -- a sonegação untada com chantilly de legalidade?

Bradesco e Itaú-Unibanco, por exemplo.

Noticiou-se, recente, que os dois gigantes economizaram R$ 200 milhões em impostos em 2008 e 2009.
 
Assim:  registraram parte de seus lucros no elegante e generoso Grão-Ducado de Luxemburgo, um dos mais atuantes paraísos fiscais europeus.

É só uma mostra de dois bancos.
 
Outro se abstiveram?
 
Por que o glorioso jornalismo brasileiro não dedica a essa pergunta o mesmo empenho investigativo –saudável, diga-se--  exibido em relação ao intercurso de corrupção e favorecimento entre políticos e grandes corporações?

Um pedaço da resposta talvez esteja no fato de que os cronistas também são personagens da trama que encobrem.

Exemplo recente?

A Receita brasileira concluiu no ano passado que a gloriosa Rede Globo montou uma "intrincada engenharia" para sonegar impostos sobre os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.

Em outro escândalo mais recente, o do CARF, surgiu o nome do grupo RBS, filiado da Globo no RS.
 
E o que aconteceu até agora?
 
Nada.
 
É incerto o que ocorrerá com a sorte da Grécia nas próximas horas.
 
Mas é certo que os olhos do mundo estão depositados ali.
 
Mais que os olhos: se a democracia vencer o mercado em Atenas, o destino das nações e o da agenda do desenvolvimento poderá se deslocar em variadas latitudes.
 
E para bem longe da gororoba neoliberal recitada aqui, por exemplo, ora com ares de neutralidade científica, ora como danação divina ministrada pelos sacerdotes do maior de todos os deuses: a ganância rentista.
 
(*) Texto atualizado a partir de nota publicada neste espaço em 27/01/2015