O nome, curto e típico, faz lembrar os rangers texanos: James Steele. Combatente no Vietnã durante os dez anos de guerra, Steele recebeu as promoções de praxe, fez os cursos adequados e, em 1984, como especialista em contra-insurreição, foi enviado para assessorar a repressão da ditadura em El Salvador. Menor país da América Latina, com 21.040 km2 – menor mesmo do que Sergipe – El Salvador é o mais pungente depoimento humano contra a violência do Império norte-americano em nosso continente, e no mundo.
Durante mais de dez anos – de outubro de 1979 a junho de 1991 – o povo salvadorenho foi submetido a uma provação que não havia sido registrada na história, tendo em vista a sua população, que era de apenas 4 milhões e 500 mil habitantes. É de se lembrar que, já em março de 1980, os cristãos da América Latina tiveram o seu primeiro mártir em Dom Oscar Romero, assassinado quando oficiava uma missa em pequena capela de El Salvador. Muito mais do que Thomas Beckett – o arcebispo de Canterbury assassinado em sua catedral, em 1170, por desentendimentos políticos com o Rei Henrique I e canonizado 3 anos depois por Alexandre III – Oscar Romero foi um mártir do cristianismo.
O Vaticano, sob Wojtyla e Ratzinger preferia considerar santo José Maria Balaguer, o fundador da Opus Dei, e fraterno companheiro de Franco, o tirano do povo espanhol. O processo de beatificação de dom Romero, por iniciativa de cristãos de El Salvador, está devidamente esquecido no Vaticano.
Foi em El Salvador que o coronel James Steele se destacou como um “herói” americano de nossos tempos, assessorando as forças repressivas da ditadura nos métodos da guerra suja, entre eles os da tortura de prisioneiros políticos. Ele foi enviado ao país em 1984, no auge da guerra civil e na aliança dos Estados Unidos, sob Reagan, com a extrema-direita na América Central, e ali serviu durante dois anos.
Nesse período, participou, com o famoso Oliver North, do contrabando de armas para a Nicarágua, pelo aeroporto de Ilopango. De volta aos Estados Unidos em 1986, Steele retornou às suas tarefas rotineiras, até deixar o Exército. Mas em 2003, os seus conhecimentos e a sua experiência em El Salvador recomendam-no a Donald Rumsfeld, secretário de Defesa de Bush, como indispensável na “guerra suja” contra o Iraque, e foi novamente convocado. Steele não se subordinava aos seus mandos naturais no Iraque, mas, sim, diretamente a Rumsfeld. Conforme investigação exaustiva realizada pelo Guardian, e divulgada na semana passada, o general Petraeus, chefe das operações militares em Bagdá, encarregou outro coronel reformado, James Coffman, de acompanhar Steele em suas atividades, talvez para se proteger.
A reportagem do Guardian, com a participação da BBC Arabic, demonstra que o Pentágono determinou e foi cúmplice da prática de tortura no Iraque. Durante sua atuação ali, Steele organizou os grupos xiitas contra os sunitas e supervisionou os centros secretos de detenção de militantes, nos quais a tortura foi sistemática. Os dois coronéis orientaram e supervisionaram os interrogatórios, mediante os métodos conhecidos: choques elétricos, extração de unhas, golpes nos órgãos genitais, empalamento, pau-de-arara.
Em um desses centros secretos, mantidos por fundos também secretos, conforme o depoimento do general iraquiano Muthader al-Samari, que o viu, um menino de 14 anos foi pendurado a uma coluna, com as mãos amarradas acima da cabeça. O corpo estava azulado pelas numerosas equimoses provocadas pelos golpes recebidos.
James Steele é um exemplo de “heroísmo” da sociedade norte-americana de nosso tempo.
O outro exemplo, de dignidade e heroísmo real, que redime o povo americano, é o do soldado Braddley Manning.