É o que mostra a jornalista Tereza Cruvinel; ela conta que linha de passe entre contraventor e jornalista levou a publicação, na revista Veja, de matéria que deixou verdade de lado para comprar versão fantasiosa de espionagem a senadores; documentos secretos do Senado, ao quais Tereza teve acesso, mostram apuração era fácil; "O Jogo Sujo de Renan" ajudou então senador Demóstenes Torres a levar senador à renúncia.
247 – Um das mais bem informadas jornalistas de Brasília, a jornalista Tereza Cruvinel, colunista do jornal Correio Braziliense, acaba de dar um furo. Ela teve acesso a um documento secreto do Senado Federal, carimbado como sigiloso, do qual surge mais uma forte impressão digital da parceria Carlinhos Cachoeira, o contraventor, e Policarpo Jr., o editor-chefe da revista Veja. A trama aponta muito mais para um caso de polícia do para um trunfo editorial.
De acordo com a coluna de Tereza desta terça-feira 12, a revista Veja, em reportagem assinada por Policarpo e Alexandre Oltramari, de 10 de outubro de 2007, passou por cima de informações veridicas, que poderiam ser checadas facilmente, para divulgar uma versão fatasiosa, feita por um adversário do então presidente do Semado, Renan Calheiros.
O texto "O Jogo Sujo de Renan" afirmava que o sujeito da matéria havia montagem um esquema de espionagem contra seus pares, com direito a câmeras de vídeo instaladas num hangar de Brasília, quando o fato apurado formalmente pelo então corregedor do Senado, Romeu Tuma, falecido em 2010, dizia exatamente o cotrário. O material de Veja, "que incendiou o plenário", como lembra a colunista do Correio Braziliense, foi estratégico para que o então senador Demóstenes Torres abrisse suas baterias contra Renan. Mesmo após a absolvição do senador pela acusação de uso de dinheiro de um empresário para o pagamento de despesas particulares, o então presidente do Senado não resistiu à série de críticas e renunciou ao cargo.
Abaixo, a íntegra da coluna de Tereza Cruvinel:
Dedo de Cachoeira
Autor(es): Tereza Cruvinel
Correio Braziliense - 12/03/2013
Um documento arquivado pelo Senado como "sigiloso" aponta a ação do bicheiro Carlinhos Cachoeira e seu grupo na urdidura de uma das denúncias que levaram o senador Renan Calheiros a renunciar à presidência do Senado em 2007: a de que ele teria montado um esquema para espionar os senadores Demóstenes Torres, que veio a ser cassado após ser desmascarado como agente político do bicheiro, e Marconi Perillo, hoje governador, citado como envolvido pelo relator da CPI do Cachoeira, Odair Cunha, no relatorio derrotado por uma coalizão entre PMDB, PSDB e DEM.
O documento, ao qual a coluna teve acesso, é a íntegra do depoimento do empresário e ex-deputado goiano Pedrinho Abrão ao então corregedor do Senado, Romeu Tuma, já falecido. Tuma pediu seu arquivamento, sem divulgá-lo, pressionado pelo DEM, partido de Demóstenes, que ameaçava processá-lo por infidelidade partidária, tirando-lhe o mandato, por ter migrado para o PTB. Curiosamente, nessa época, o DEM moveu ação semelhante contra o hoje ministro Edison Lobão, que trocara o partido pelo PMDB, mas poupou Tuma.
No depoimento, Abraão, que é dono de um hangar em Goiânia, nega taxativamente ao corregedor que o então assessor de Renan, Francisco Escórcio — que fora senador como suplente e hoje é deputado federal — tenha lhe pedido autorização para instalar câmeras no hangar e captar imagens comprometedoras dos dois senadores. Se aparecessem usando jatinhos de empresários, por exemplo, Renan poderia chantageá-los.
Em outubro de 2007, o então presidente do Senado, que já fora absolvido da acusação de ter despesas particulares pagas por um empresário, enfrentava outras denúncias, como a de usar laranjas em seus negócios. No dia 10, a revista Veja publicou matéria, assinada pelos repórteres Policarpo Junior e Alexandre Oltramari, sob o título "o jogo sujo de Renan". Afirmava que ele montara um esquema para espionar seus pares chefiado pelo assessor Escórcio. Que este fora a Goiania e se reunira com Abraão, pedindo-lhe para instalar duas câmeras em seu hangar, com o que ele não teria concordado. A reportagem transcreve falas de Abraão mas registra, no final, que ele confirmou ter os senadores como clientes e conhecer os envolvidos, negando porém ter participado de reunião com este objetivo.
Num plenário incendiado pela reportagem, Demóstenes fez um discurso indignado. O DEM e o PSDB apresentaram ao Conselho de Ética a quinta representação contra Renan. As outras envolviam a sua vida privada mas esta, de que espionava os colegas, fez com alguns deles lhe retirassem apoio. Ele contestou, depois demitiu o assessor mas, temendo perder o mandato, renunciou à presidência em dezembro.
Logo depois da reportagem, no dia 16, Tuma foi a Goiânia colher o depoimento de Abraão, que teria sido esclarecer mas foi arquivado, pela razão já citada. O então corregedor resume para Abraão o que Demóstenes declarou no Senado, dizendo ter ouvido dele, Abraão: "Ele me contou que Escórcio disse estar lá em missão relativa ao Maranhão mas que precisava também me flagrar, e ao Perilo, voando de forma ilegal. Pediu-me para instalar duas câmeras".
Ouvindo isso, Abrão declara ao corregedor, segundo a transcrição: "Não foi dessa forma, senador." E resume o encontro ocorrido no escritório do advogado Eli Dourado, negando ter havido qualquer abordagem sobre instalação de câmeras: "Conversamos muito sobre avião, se eu voava, e tal, e sobre algo que me surpreendeu, que o Heli iria ser advogado da Roseana. Falamos também da minha cirurgia, como emagreci 60 quilos e tal."
Abrão relata a Tuma que Demóstenes o visitara dias antes, afirmando já saber que Escórcio lhe propusera a arapongagem e que ele se negara a colaborar. "O Demóstenes veio para mim com um ímpeto...me especulando como promotor". Esclareceu que não ouviu proposta em tal sentido e teria acrescentado que o hangar já tem mais de 60 câmeras instaladas. "E tudo filmado por segurança, certa vez roubaram um avião aqui. Então, se eu quisesse fazer ou contribuir com alguma arapongagem, seria a coisa mais simples".
A versão de Escórcio, hoje deputado, é coerente com o depoimento de Abraão a Tuma: "A conversa foi banal. Eu fui a Goiânia contratar o Heli Dourado para mover a ação eleitoral que veio a garantir a posse de Roseana. Na conversa, alguém mencionou Pedrinho Abraão, com quem tive boa convivência no Congresso. Pedi o numero dele e liguei. Ele se propôs a ir lá me rever. O que eu não sabia, e vim a saber, é que, por ser assessor do Renan, tivera meu telefone grampeado pelo esquema deles. Deduziram que meu encontro com Pedrinho Abraão era alguma armação". A coluna não conseguiu ouvir Renan.
Essa história ocorreu há cinco anos. Demóstenes foi cassado, Renan voltou ao cargo e enfrenta protestos. Mesmo assim, é importante "apurar" o passado. Nossa história recente está cheia de narrativas imperfeitas, que ainda serão revisitadas. Falta ainda conhecer melhor o papel de Cachoeira e seu esquema em muitas delas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
comentários sujeitos a moderação.