Infelizmente, a notícia não é sobre a presidenta brasileira, mas sobre a argentina. Cristina Fernández de Kirchner disparou nas pesquisas eleitorais para presidente da República Argentina. A eleição será em 23 de outubro próximo.
Segundo as sondagens, Cristina tem entre 45% e 55% das intenções de voto contra médias de 15% do deputado oposicionista Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raul Alfonsín, e de 7% do ex-presidente Eduardo Duhalde.
Quem acreditou nos noticiários brasileiro e argentino emitidos até o ano passado, certamente não entendeu esses números. O que vinha sendo dito por aqui era que Cristina estava desmoralizada politicamente por divergir da Santa Mídia.
A organização patronal brasileira ANJ recentemente premiou o grupo argentino Clárin em cerimônia pomposa em território nacional. Um ato político em que o monopólio argentino nas comunicações foi tratado como grande líder na luta que a direita latino-americana diz travar pela “liberdade de imprensa”.
Após a crise entre Cristina e o agronegócio em 2008, o grupo Clarín – que, com a nova “ley de médios”, se vê ameaçado de perder um controle sobre as comunicações que pode chegar a 70% do mercado – criou um clima político amplamente desfavorável para o governismo.
A máquina de comunicação da família De Noble passou a agir em relação a Cristina de forma ainda mais virulenta do que aquela com que a Globo agiu em relação a Lula durante os oito anos do seu mandato.
Este blogueiro mesmo, durante a viagem a Buenos Aires no fim do ano passado ficou impressionado com o clima político na Argentina e com o descontrole da inflação. Aquele país, porém, antecipava o que ocorreria aqui.
Montado em um crescimento econômico da ordem de 9% ao ano, em média, o país vizinho sofreu uma explosão de consumo tão ou mais intensa do que a que se vê no Brasil, o que levou a uma escalada de preços que, agora, com medidas econômicas análogas às brasileiras começa a refluir.
Todavia, não se pode desprezar o papel da “ley de médios” no fortalecimento político de Cristina. A desconcentração do monopólio do Grupo Clarín é um dos fatores que contribuíram para a popularidade da presidenta argentina.
O governo da Argentina já abriu licitação para 12 emissoras de televisão em Buenos Aires e várias outras no interior. A administração federal utiliza a polêmica Lei de Mídia, aprovada no final de 2009, que tem princípios básicos no que diz respeito à produção e veiculação audiovisual.
Com o fim de impedir a formação de monopólios e oligopólios, a lei põe limites à concentração de canais de rádio e televisão, estabelecendo tetos para a quantidade de licenças e por tipo de meio de comunicação.
Um mesmo concessionário só pode ter uma licença de comunicação audiovisual por satélite, até 10 sinais de televisão aberta ou por cabo e até 24 licenças de radiodifusão por assinatura. E a nenhum operador se permitirá que tenha mais do que 35% de audiência.
Quem tiver uma tevê aberta numa cidade, não poderá ter ali também uma tevê a cabo. Além disso, as companhias de telefonia estão proibidas de oferecer serviços de tevê a cabo ou aberta.
Outro ponto importante da lei determina que os proprietários de meios de comunicação terão que ser oriundos do setor e não poderão ter sido integrantes de governos dos níveis federal, estadual e municipal ou mesmo do poder legislativo.
Finalmente, o capital estrangeiro não pode ter mais de 30% das ações de nenhum meio de comunicação argentino e as licenças dos concessionários de tevês e rádios expiram dez anos após a concessão, e o processo de renovação da licença se tornou mais exigente.
Há muito mais. A lei argentina para o setor de comunicação foi amplamente fundamentada na legislação internacional e conta com amplo apoio até das Nações Unidas, via Unesco. E a prova de que está obedecendo ao Estado de Direito está nos questionamentos que o grupo Clarín está fazendo na Justiça.
Aliás, vale dizer que o grupo de comunicação da família De Noble vem obtendo vitórias em instâncias inferiores da Justiça, usando seu poder de pressão sobre essas instâncias similar ao que a direita midiática detém no Judiciário paulista, por exemplo. Todavia, nas instâncias superiores isso será revertido…
As direitas midiáticas brasileira e argentina andam dizendo que Cristina, de repente, tornou-se popular em seu país exclusivamente por conta da morte de seu marido. Foi de repente porque, até há pouco, diziam que ela era odiada por seu povo.
O fato é que a lei de mídia ajudou muito Cristina a enfrentar o bombardeio midiático. Mas a presidenta argentina também se ajudou. Jamais se calou diante dos escândalos pré-fabricados. Mas foi a lei do setor de comunicações que mais agradou aos argentinos.
Cristina está licitando uma dúzia de canais de televisão e, agora, o povo não tem mais que comprar assinaturas de tevê a cabo para assistir ao próprio campeonato de futebol, comprado pelo governo e difundido de graça na rede pública de televisão.
O apoio à lei da mídia, na Argentina, chega a 80% da população. A lei foi implementada através de ampla campanha publicitária no rádio e na tevê que explicou didaticamente os malefícios de a propriedade de meios de comunicação ser concentrada nas mãos de uma única família.
Se Cristina tivesse se acovardado, sobretudo depois da morte do marido, a Argentina não estaria dando a volta por cima na economia e a própria presidenta não teria se fortalecido tanto politicamente. Para lograr tudo isso, porém, foi preciso muita coragem.
—–
O vídeo abaixo pode dar uma idéia ao leitor do amplo debate que a Argentina travou durante o processo que desembocou na aprovação da lei de regulação das comunicações no país. Apesar de estar em espanhol, vale a pena assistir. Qualquer semelhança com o debate brasileiro não é mera coincidência.
Segundo as sondagens, Cristina tem entre 45% e 55% das intenções de voto contra médias de 15% do deputado oposicionista Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raul Alfonsín, e de 7% do ex-presidente Eduardo Duhalde.
Quem acreditou nos noticiários brasileiro e argentino emitidos até o ano passado, certamente não entendeu esses números. O que vinha sendo dito por aqui era que Cristina estava desmoralizada politicamente por divergir da Santa Mídia.
A organização patronal brasileira ANJ recentemente premiou o grupo argentino Clárin em cerimônia pomposa em território nacional. Um ato político em que o monopólio argentino nas comunicações foi tratado como grande líder na luta que a direita latino-americana diz travar pela “liberdade de imprensa”.
Após a crise entre Cristina e o agronegócio em 2008, o grupo Clarín – que, com a nova “ley de médios”, se vê ameaçado de perder um controle sobre as comunicações que pode chegar a 70% do mercado – criou um clima político amplamente desfavorável para o governismo.
A máquina de comunicação da família De Noble passou a agir em relação a Cristina de forma ainda mais virulenta do que aquela com que a Globo agiu em relação a Lula durante os oito anos do seu mandato.
Este blogueiro mesmo, durante a viagem a Buenos Aires no fim do ano passado ficou impressionado com o clima político na Argentina e com o descontrole da inflação. Aquele país, porém, antecipava o que ocorreria aqui.
Montado em um crescimento econômico da ordem de 9% ao ano, em média, o país vizinho sofreu uma explosão de consumo tão ou mais intensa do que a que se vê no Brasil, o que levou a uma escalada de preços que, agora, com medidas econômicas análogas às brasileiras começa a refluir.
Todavia, não se pode desprezar o papel da “ley de médios” no fortalecimento político de Cristina. A desconcentração do monopólio do Grupo Clarín é um dos fatores que contribuíram para a popularidade da presidenta argentina.
O governo da Argentina já abriu licitação para 12 emissoras de televisão em Buenos Aires e várias outras no interior. A administração federal utiliza a polêmica Lei de Mídia, aprovada no final de 2009, que tem princípios básicos no que diz respeito à produção e veiculação audiovisual.
Com o fim de impedir a formação de monopólios e oligopólios, a lei põe limites à concentração de canais de rádio e televisão, estabelecendo tetos para a quantidade de licenças e por tipo de meio de comunicação.
Um mesmo concessionário só pode ter uma licença de comunicação audiovisual por satélite, até 10 sinais de televisão aberta ou por cabo e até 24 licenças de radiodifusão por assinatura. E a nenhum operador se permitirá que tenha mais do que 35% de audiência.
Quem tiver uma tevê aberta numa cidade, não poderá ter ali também uma tevê a cabo. Além disso, as companhias de telefonia estão proibidas de oferecer serviços de tevê a cabo ou aberta.
Outro ponto importante da lei determina que os proprietários de meios de comunicação terão que ser oriundos do setor e não poderão ter sido integrantes de governos dos níveis federal, estadual e municipal ou mesmo do poder legislativo.
Finalmente, o capital estrangeiro não pode ter mais de 30% das ações de nenhum meio de comunicação argentino e as licenças dos concessionários de tevês e rádios expiram dez anos após a concessão, e o processo de renovação da licença se tornou mais exigente.
Há muito mais. A lei argentina para o setor de comunicação foi amplamente fundamentada na legislação internacional e conta com amplo apoio até das Nações Unidas, via Unesco. E a prova de que está obedecendo ao Estado de Direito está nos questionamentos que o grupo Clarín está fazendo na Justiça.
Aliás, vale dizer que o grupo de comunicação da família De Noble vem obtendo vitórias em instâncias inferiores da Justiça, usando seu poder de pressão sobre essas instâncias similar ao que a direita midiática detém no Judiciário paulista, por exemplo. Todavia, nas instâncias superiores isso será revertido…
As direitas midiáticas brasileira e argentina andam dizendo que Cristina, de repente, tornou-se popular em seu país exclusivamente por conta da morte de seu marido. Foi de repente porque, até há pouco, diziam que ela era odiada por seu povo.
O fato é que a lei de mídia ajudou muito Cristina a enfrentar o bombardeio midiático. Mas a presidenta argentina também se ajudou. Jamais se calou diante dos escândalos pré-fabricados. Mas foi a lei do setor de comunicações que mais agradou aos argentinos.
Cristina está licitando uma dúzia de canais de televisão e, agora, o povo não tem mais que comprar assinaturas de tevê a cabo para assistir ao próprio campeonato de futebol, comprado pelo governo e difundido de graça na rede pública de televisão.
O apoio à lei da mídia, na Argentina, chega a 80% da população. A lei foi implementada através de ampla campanha publicitária no rádio e na tevê que explicou didaticamente os malefícios de a propriedade de meios de comunicação ser concentrada nas mãos de uma única família.
Se Cristina tivesse se acovardado, sobretudo depois da morte do marido, a Argentina não estaria dando a volta por cima na economia e a própria presidenta não teria se fortalecido tanto politicamente. Para lograr tudo isso, porém, foi preciso muita coragem.
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O vídeo abaixo pode dar uma idéia ao leitor do amplo debate que a Argentina travou durante o processo que desembocou na aprovação da lei de regulação das comunicações no país. Apesar de estar em espanhol, vale a pena assistir. Qualquer semelhança com o debate brasileiro não é mera coincidência.