Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 27 de junho de 2016

Golpe de 2016 tende a ficar cada vez mais parecido com o de 1964




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A crise política exauriu a sociedade brasileira. Ninguém aguenta mais o embate interminável entre “petralhas” e “coxinhas”. Dos dois lados, muitos foram cuidar da vida e pararam de se importar – um sinal claro do analfabetismo político brasileiro, que leva pessoas a acharem que podem simplesmente deixar de se importar com quem venha a ocupar o poder.
O pior é que grande parcela da mídia corporativa e do grande empresariado, após o afastamento de Dilma, cobra “acomodação” na política, interrupção da operação Lava Jato, enfim, quer que Michel Temer permaneça na Presidência e implemente desmonte de programas sociais e valorização do emprego e do salário implementados pelo PT na última década.
Temer estar na Presidência poderá se mostrar exponencialmente pior para os mais pobres do que teria sido se Aécio Neves tivesse ganhado a eleição presidencial de 2014. O PSDB tem uma leve camada de verniz de preocupação social, até porque o partido se diz “social democrata”.
O PMDB da atualidade, não. É o partido de Eduardo Cunha e das bancadas BBB (Boi, Bala e Bíblia). É um partido que, como demonstraram deslizes verbais do ministério mutante de Temer, chega a cogitar reduzir consideravelmente o insuficiente sistema público de saúde do país, o que poderia ter resultados imprevisíveis tanto do ponto de vista da saúde dos brasileiros quando do ponto de vista da ordem pública, pois não se imagina que a população ficará passiva vendo hospitais (por exemplo) piorarem ainda mais.
Que dizer, então, dos programas sociais? Desde o ano passado, quando se começou a levar a sério a hipótese de o PMDB tomar o poder através de Temer, começaram a surgir balões de ensaio sobre cortes profundos no Bolsa Família e em outros programas sociais, cortes que, em essência, seriam iguais aos da redução do SUS proposta recentemente pelo ministro da Saúde interino.
Sabe-se perfeitamente que a coalização PMDB-PSDB que governa o país interinamente é formada por grupos políticos que não levam a sério os programas sociais e os direitos trabalhistas, ou melhor, levam a sério, isso sim, a premissa de que gastar dinheiro com pobre não ajuda a melhorar a economia e, de quebra, ainda tira recursos que deveriam financiar o empresariado e remunerar o capital via política monetária (juros).
Um bom exemplo do que vem por aí está nos programas sociais do PSDB, quando governou o Brasil (de 1995 a 2002). Para que se possa mensurar a rejeição dos tucanos a programas sociais de verdade, reportagem da Folha de São Paulo publicada pouco antes da campanha eleitoral de 2002, em que Lula venceu José Serra, revela que FHC só gastou um pouco mais com o social quatro meses antes da eleição daquele ano. Até então, os programas sociais tucanos eram cosméticos, recebiam pouquíssimos recursos.
FHC deixou simulacros de cadastro da pobreza e do programa social Bolsa Família. Contudo, os programas começaram a ganhar alguma materialidade a 4 meses da eleição presidencial de 2002, conforme matéria da Folha de São Paulo naquele ano eleitoral. Abaixo, a matéria.
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Não é à toa que pesquisadores e cientistas sociais já dizem temer (com trocadilho) os efeitos do enfraquecimento do PT. Como se vê na matéria acima, enquanto que, hoje, só o Bolsa Família (entre muitos outros grandes programas sociais) consome quase 30 bilhões de reais, após oito anos de governo FHC o Brasil gastava menos de 10% disso com um ensaio de unificação de alguns programas cosméticos como o  bolsa-escola e o vale-gás, que pagava 13 reais para que uma família pudesse comprar gás de cozinha, tal era a situação de penúria dos brasileiros naquela época.
Ao lançar, recentemente, um livro sobre a desigualdade brasileira, a pesquisadora Marta Arretche deu declarações preocupantes no que diz respeito ao quadro social de um país em que ainda há graves problemas sociais e no qual chega ao poder um grupo político com discurso claro de redução de gastos com programas vitais como o Bolsa Família.
Organizadora do recém-lançado “Trajetórias da Desigualdade: Quanto o Brasil Mudou nos Últimos 50 Anos”, um inventário dessa chaga no país, a cientista política Marta Arretche diz que a profunda crise do PT põe em risco a tendência de queda da desigualdade das últimas décadas.
A “ameaça eleitoral da esquerda”, diz a pesquisadora, sempre funcionou como incentivo para que conservadores incluíssem a questão social em suas agendas. Sem a ameaça, que nos últimos 25 anos foi personificada pelo ex-presidente Lula e pelo PT, toda a agenda social seria afetada, argumenta.
Na obra, Arretche e outros 25 pesquisadores discutem aspectos das desigualdades regionais, raciais, de renda e gênero, entre outros. Argelina Figueiredo, Eduardo Marques, Fernando Limongi e Naercio Menezes Filho são alguns dos coautores.
O tom geral da obra é de preocupação com a possibilidade de uma convulsão social a partir da eventual confirmação de Temer na Presidência até 2018.
“É muito tempo”, diz professor de Ciências Sociais de uma grande universidade paulistana que prefere não se identificar. Para ele, se Temer ficar quase dois anos e meio na Presidência poderá destruir o mínimo de direitos sociais e dos trabalhadores que persistem no país.
Para ele, se houver confirmação do impeachment de Dilma, PMDB e PSDB trabalharão duro para privatizar tudo que virem pela frente e, pior, para destituírem os trabalhadores de direitos trabalhistas que a ideologia desses partidos afirma que impede a geração de empregos.
Recentemente, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou a uma plateia de empresários que para criar mais empregos no Brasil é preciso tirar direitos trabalhistas. Essa premissa já existia no governo FHC, no governo Collor e até no governo Sarney. Aí Lula chegou ao poder e durante mais de 11 anos o Brasil viu o salário médio do trabalhador crescer e o desemprego cair ano após ano, inclusive aumentando exponencialmente o percentual de trabalhadores com carteira assinada.
Essas teorias sobre ser necessário extinguir direitos trabalhistas para que mais empregos sejam criados está sendo apresentada como “novidade”, mas é mais velha do que andar para frente. Começou lá nos anos 1980, antes mesmo da redemocratização do país. E agora os conservadores estão tentando dar o mesmo golpe nos brasileiros.
Em alguma medida, deixar os conservadores “trabalhar” seria bom para o país. O povo foi enganado. A economia foi sabotada para que conseguissem tirar do poder partido que vinha melhorando as condições de vida do povo.
A Lava Jato e a rebelião no Congresso trabalharam como uma pinça sobre o crescimento da economia, roubando empregos e renda das pessoas. A Lava Jato tratou de paralisar o setor da economia (construção pesada) que mais movimenta dinheiro e o Congresso, ao se recusar a aprovar qualquer matéria de interesse do governo, fez consumidores e empresários paralisarem qualquer tipo de investimento.
Com demissões e redução da renda do trabalhador, programas sociais tornar-se-ão cada vez mais necessários, mas sob o discurso da ordem orçamentária tentarão eliminar tais programas.
Quem poderia se contrapor a esse tipo de sandice seria o único partido de esquerda que conseguiu se viabilizar eleitoralmente no Brasil. Até a criação do PT, nunca o Brasil teve um governo com preocupação social tão concreta e que tenha feito tantos investimentos em programas sociais.
O PT empreendeu uma luta contra a pobreza e a desigualdade que, por 11 dos 13 anos de governos petistas, vinha sendo vencida. Porém, ao não conseguir mais manter os resultados brilhantes exibidos entre 2003 e 2014, com forte criação de empregos e aumentos de salários, com redução da pobreza e da desigualdade, o partido perdeu  apoio da sociedade e, nesse momento, a direita começou a exumar propostas malucas como aquela velha história de tirar direitos do trabalhador para lhe aumentar a “empregabilidade”.
Neste momento, em milhares de grupos de discussão na internet, nos grupos de estudo nas universidades, nos partidos, nos sindicatos e até mesmo em setores da iniciativa privada já borbulha uma preocupação considerável com a tal “ordem pública”.
Não haverá estabilidade política enquanto não cessar essa opção da direita pelo aniquilamento dos adversários de esquerda. Prendem lideranças políticas petistas para combalir a resistência, mas esquecem que quase toda a esquerda já se uniu contra a coalizão golpista de direita e, assim, movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda não vão deixar a temperatura política baixar.
Não se vislumbra a menor possibilidade de tirar o Brasil do atoleiro econômico enquanto persistir o acobertamento de corruptos de direita e o linchamento público de “petistas”, Lula à frente.
Por outro lado, a maioria parlamentar no Congresso e o apoio de grande parte da mídia corporativa dão a tucanos e peemedebês a sensação de que tudo podem, estimulando-os a crer no esmagamento dos adversários e fim de papo.
A direita midiática afirma que, se a esquerda se rebelar, será reprimida pelo “Exército de Caxias”. Ou seja, o golpe de 2016 tende a ficar cada vez mais parecido com o de 1964 – como se sabe, a ditadura mesmo, apesar da derrubada ilegal de Jango, baixou só em 1968, com o Ato Institucional número 5.
Foram quatro anos entre o golpe de 64 e o agravamento do golpe, em 68. Ou seja: se repetíssemos aquela história, lá por 2020 é que as coisas iriam piorar de verdade no Brasil. Ao menos do ponto de vista institucional e democrático, já que a ditadura provou que é possível o país melhorar para pouquíssimos (“milagre econômico”) enquanto a maioria se ferra.
Temos que ter em mente que mal entramos no golpe. Alguns reclamam de medidas autoritárias de Temer como as tomadas na EBC / TV Brasil. Costumo responder que é por isso que se chama “golpe”; se os golpistas adotassem medidas legais e justas não seria golpe, seria continuidade democrática.
Na verdade, o golpe nem aconteceu ainda, já que, em tese, pode ser revertido. O que se viu, até aqui, foi apenas prenúncio do que os golpistas pretendem se conseguirem derrubar Dilma sem os requisitos legais. A confirmação do impeachment, portanto, pode gerar um caos social talvez nunca visto no Brasil. E golpista não teme reprimir a indignação dos justos.

Silvia Hunold Lara: Jornalões tentam intimidar Historiadores pela Democracia usando linguagem que lembra o fascismo

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O ofício do historiador e os formadores de quadrilha
por Silvia Hunold Lara, Historiadora, pela democracia
 
Nos últimos meses, um grupo de historiadores decidiu se manifestar publicamente em defesa da democracia.
Fazendo uso de meios de comunicação alternativos, criou nas redes sociais o grupo Historiadores pela Democracia, produziu vídeos e textos, além de um manifesto em defesa do governo legítimo que está sendo deposto por meio de um golpe.

Há ali gente de tendências diversas, tanto do ponto de vista político como profissional.
O que os une é a certeza de que o Legislativo e o Judiciário, com apoio dos grandes meios de comunicação, associaram-se para afastar do poder a presidente democraticamente eleita que, apesar da crise e de vários erros (incluindo relações ambíguas com a corrupção), vinha se mantendo na defesa de direitos básicos estabelecidos na Constituição.

Em 7 de junho, uma parte desse grupo foi ao Alvorada, prestar sua solidariedade a Dilma Rousseff, afastada da presidência sob a alegação de ter cometido “crimes de responsabilidade” que, aliás, também foram praticados por seus antecessores e por vários governadores e prefeitos.

O Legislativo fez uso de mecanismos constitucionais e o Judiciário estabeleceu o ritual do processo.
A aparente legalidade não esconde, entretanto o golpe articulado por forças retrógradas que se instalaram no poder e esforçam-se por dar uma guinada ultra liberal na economia, diminuir conquistas dos trabalhadores, limitar políticas sociais e restringir direitos humanos.
Os historiadores não foram os primeiros nem os únicos profissionais a se manifestar, nem a denunciar o golpe em curso.

Mas chamaram a atenção de dois dos principais jornais do sudeste brasileiro: um publicou um editorial agressivo contestando a qualidade profissional dos participantes do grupo (“O lugar de Dilma na história”O Estado de São Paulo, 14/06/16), e o outro um artigo, assinado por um de seus articulistas habituais, criminalizando o movimento (Demétrio Magnoli, “Formação de Quadrilha”, Folha de São Paulo, 25/06/16).

Ambos têm uma ideia bem tacanha do que seja o ofício do historiador.

O primeiro afirma que o papel da história é “o de reconstituir o passado para entender o que somos no presente”.

O segundo diz que “o historiador indaga o passado, formulando hipóteses que orientam a investigação e reconstrução da trama dos eventos”.

Pois aí está o problema: o papel do historiador nunca foi o de “reconstituir” o passado.
Analisando os documentos produzidos pelos diversos sujeitos que participam de um acontecimento ou fazem parte da sociedade, nós interpretamos o passado, procurando explicá-lo.
Essa explicação nunca é unívoca, posto que deve compreender as diversas forças que produziram os “fatos”.

Nem tampouco é singular: a história – como aprendem os alunos desde o primeiro ano do curso – não se escreve com verbos regulares e, geralmente, usa o plural.

Isso acontece com o passado histórico que, pela sua própria natureza, como o presente, é prenhe de tensões e vozes dissonantes.

O mesmo se dá com o trabalho dos historiadores, que só se realiza no diálogo com interpretações e explicações diversas.

Ao supor a unicidade da história e dos profissionais que denunciam o golpe, os dois jornalistas produzem um efeito de verdade muito útil para a defesa de suas posições.

O Estado de São Paulo acusa os Historiadores pela Democracia de serem “intelectuais a serviço de partidos que se dizem revolucionários”, registrando que todos aqueles profissionais estão a serviço do “lulopetismo”.

O articulista da Folha de São Paulo os coloca como militantes de um Partido totalitário.
O primeiro recorre a um neologismo depreciativo.

Ele faz par com outros, mais recentes, como “esquerdopata”, “petralha”, “feminazi”.
São substantivos coletivos que servem claramente para desqualificar todos os que não pensam como o emissor do discurso.

O uso varia conforme a ênfase que se queira dar: contra uma opção político-partidária, contra os que defendem princípios democráticos e/ou libertários ou os direitos das mulheres e de outras minorias.

Como se em cada um desses registros só coubesse uma forma única de ser e de pensar.

O tratamento coletivo e pejorativo serve, assim, a uma visão incapaz de abarcar a pluralidade.

O mesmo acontece quando se tenta explicar que a atitude desses historiadores estaria sendo conduzida por um Partido, com “P” maiúsculo.

Tal fantasmagoria só revela a completa ignorância do colunista em relação à diversidade de posições desses profissionais da área de História – alguns dos mais competentes e destacados, no Brasil e no exterior.

Além de associar dessemelhantes, o colunista da Folha acusa os Historiadores pela Democracia de possuírem “alinhamento ideológico” próximo ao “alinhamento corporativo” dos juízes do Paraná que tiveram seus salários divulgados em uma reportagem.

Como se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa, ele analisa contradições entre a pretendida defesa dos valores democráticos por associações de magistrados e o assédio judicial cometido contra os jornalistas.
 
Aqui, o golpe e o “sequestro do sistema de justiça” podem ser denunciados.
Estranhamente, o articulista não associa os historiadores aos jornalistas, mas sim aos juízes, invertendo completamente a lógica mais elementar.

São os juízes que estão recorrendo a estratagemas e brechas do sistema legal para cassar, na prática (como diz o próprio Magnoli) os direitos dos jornalistas.

Se isso pode ser admitido nesse caso, por que não concordar com aqueles que denunciam que, “na prática”, o que se assiste é à produção lenta e gradual de um golpe contra a democracia?
Ao xingar, acusar e desqualificar, juntando desiguais sob o signo de comportamentos deploráveis, o colunista se aproxima – ele sim – mais dos juízes do que de seus colegas jornalistas.

O que, na manifestação dos Historiadores pela Democracia teria incomodado tanto os autores desses dois textos e seus patrões?

A pista está nos títulos.

O lugar que todos nós ocupamos na história não está nas mãos dos historiadores, nem terão esses profissionais uma só verdade sobre ela, como já expliquei.

Como são partidários de uma história unívoca e “verdadeira”, temem que a narrativa histórica não lhes faça “justiça”.

Historiadores do presente e do futuro certamente lerão os documentos produzidos ao longo desse processo e poderão mostrar, com base neles, as forças atuantes, seus protagonistas, os vencedores e vencidos, e aqueles que ficaram em cima do muro.

Todos nós temos um lugar – e aqueles que lutaram pela pluralidade e pela diversidade poderão estar juntos, mesmo sendo diferentes.

O nome disso é democracia.

Os que usam malabarismos retóricos para criminalizar os que não pensam como eles estão fora deste campo.

Ao imaginar uma quadrilha, usar neologismos pejorativos e maiúsculas generalistas, imputam ao outro unicidades que buscam apenas intimidar.
 
Certamente exageros e figuras de linguagem fazem parte da disputa de ideias e argumentos.
Mas nesses textos há mais que isso.

A história tem exemplos dolorosos desse tipo de comportamento – basta lembrar textos e atitudes de alguns jornalistas, militantes e intelectuais da Alemanha ou da Itália nos anos 1930.
O nome disso é fascismo.

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Laura Carvalho resume o golpe do Temer