por
Henrique Fontana,
em seu blog
No dia 11 de abril, José Serra publicou artigo no jornal
O Estado de São Paulo defendendo algumas posições a cerca da reforma política, mas, substancialmente, fazendo críticas a proposta que defendo, pela qual tenho trabalhado muito nestes últimos dois anos e que continuarei trabalhando para que um dia seja votada no plenário da Câmara.
Por óbvio, eu não concordo com a maior parte das opiniões de Serra sobre o assunto. O problema central, é que no texto Serra me chama de golpista, aliás, de forma arrogante e autoritária, postura típica daqueles que tem dificuldade de debater ideias diferentes com espírito democrático.
Não sou golpista, e a minha história de vida atesta isso. O trabalho que fiz ao longo destes anos no intuito de buscar alternativas para melhorar o sistema político do país está à disposição para ser analisado por todos vocês.
Fiz centenas de reuniões com todas as bancadas, mais de uma vez com cada uma, com diferentes setores e instituições da sociedade para tentar chegar a uma proposta que fosse a melhor possível para garantir a votação e um momento onde todos os partidos e parlamentares pudessem se manifestar sobre cada ponto da reforma. E tenho convicção de que chegamos a uma proposta capaz de tornar a democracia brasileira mais forte e mais justa. Lamento a decisão tomada pela maioria dos líderes no último dia 9 de abril.
Mas para contrapor o artigo de José Serra, escrevi um texto apresentando meus argumentos em favor da reforma política e rebatendo as críticas do ex-governador.
Infelizmente, os editores do
Estadão decidiram não me conceder o mesmo espaço que o jornal concedeu ao José Serra. Também lamento esta decisão antidemocrática do jornal e, por isso, publico aqui os dois textos para que todos tenham acesso e possam tirar suas próprias conclusões.
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Reforma ou golpe?
por José Serra
Ainda bem que a Câmara dos Deputados parece ter sepultado a proposta de reforma política petista, cujo relator era o deputado Henrique Fontana (PT-RS). O ruim – o modelo que temos – ainda é melhor do que o pior, representado pela proposta que o PT pretendia enfiar goela abaixo do País, já que não houve debate a respeito. Reforma política? Era mesmo isso o que se pretendia?
Há distinções claras entre revolução, reforma e golpe. A primeira convulsiona a sociedade, conquista a maioria dos que padecem sob a ordem vigente, lança no imaginário coletivo amanhãs redentores e faz novos vencedores. Nas revoluções virtuosas, os oprimidos de antes não se tornam os opressores do novo regime, mas os libertadores das potencialidades do futuro. Penso, por exemplo, na Revolução Americana.
Golpe, em qualquer lugar e em qualquer tempo, é uma reação dos que se veem ameaçados pela emergência de novos atores na cena política ou buscam perpetuar-se no poder eliminando os adversários.
O golpe é sempre reacionário – seja o de 1964 no Brasil, o de 1973 no Chile ou os de 1966 e 1976 na Argentina. Ou o que matou César.
E a reforma? É uma tentativa de mudança pacífica, que procura não fazer nem vitoriosos nem derrotados. Não se trata de virar a mesa ou de banir da cena os adversários tornados inimigos. Uma reforma não privilegia grupos, mas busca o bem-estar coletivo – ainda que eu saiba que esse espírito anda em baixa nestes dias. Nos últimos anos o Brasil tem vivido sob a égide das “reformas”, sempre necessárias, mas jamais levadas a efeito. Uma das que mais mobilizam as consciências é a “reforma política”, que, na versão do PT, foi sepultada na noite de terça-feira. De fato, os petistas não queriam uma reforma, mas um golpe.
O PT queria aprovar, por exemplo, o financiamento público exclusivo de campanha, que tem seduzido muitos incautos. Segundo o relatório do deputado Fontana, as campanhas eleitorais seriam pagas na sua totalidade com o dinheiro dos contribuintes, por meio do Tesouro Nacional. O TSE estabeleceria o montante, mas o Congresso e o Executivo tomariam a decisão final na aprovação do orçamento.
A direção do PT, partido que levou o uso do caixa 2 ao paroxismo na vida pública brasileira, apresenta a solução do financiamento público para combater o… caixa 2! Pretende assim, diante da opinião pública e de sua militância menos informada, maquiar a própria história. Mas isso é só uma patranha. O golpe estava em outro lugar.
No projeto, a distribuição dos recursos para o financiamento público levaria em conta a representação na Câmara dos Deputados e, principalmente, o volume de votos obtidos na eleição anterior, fator que beneficiaria, é evidente, o PT. Até o PMDB, que tem uma grande bancada, mas não o maior número de votos dos eleitores, seria condenado a uma progressiva inanição, que só beneficiaria o partido que está no centro do poder de fato, o PT, que domina a máquina pública federal e controla as estatais e seus fundos de pensão.
Com essa proposta, aos cartórios já existentes, do Fundo Partidário e do tempo de TV, se somaria um terceiro, pantagruélico, gigantesco, faminto: o do fundo público de financiamento de campanhas eleitorais. Não custa lembrar que no sistema atual os partidos já recebem quase R$ 300 milhões por ano do Fundo Partidário. A essa montanha de dinheiro se soma a renúncia fiscal, pela qual o Tesouro Nacional remunera as emissoras de rádio e televisão pelo horário eleitoral, que de gratuito não tem nada – na eleição do ano passado custou R$ 600 milhões. Tudo isso é, insisto, dinheiro público, já distribuído segundo o tamanho das bancadas.
Em essência, o projeto do PT era continuísta e buscava fortalecer apenas a si mesmo, golpeando, assim, as possibilidades de alternância de poder. Imaginem se um projeto como esse fosse apresentado quando o partido tinha apenas oito deputados. Seus militantes sairiam às ruas gritando… “golpe!”. No entanto, como eles tiveram em 2010 o maior volume de votos para deputado federal, seus dirigentes chamam de verdadeira revolução o que não era nem sequer uma reforma.
O leitor de boa vontade, enfarado com os desmandos e a roubalheira, poderia ver-se seduzido pela proposta: “E o caixa 2? Não é bom eliminá-lo?”. Claro que sim. Mas o projeto não tinha esse condão, pois a legislação atual já o proíbe. Ora, se com as doações privadas permitidas já existem os “recursos não contabilizados”, o que aconteceria se elas fossem proibidas? Haveria uma verdadeira inundação de dinheiro ilegal na campanha.
É também falaciosa a tese de que o financiamento exclusivamente público evitaria compromissos espúrios entre financiadores de campanha e políticos. Ora, hoje em dia, ao menos uma virtude há: os doadores são conhecidos. Caso se instituísse o caixa 2 como princípio de fato – esse seria o efeito deletério e fatal do que propõe o PT –, nem mesmo tal controle existiria. As eleições seriam ainda menos transparentes.
Os demais partidos teriam de suportar limites estreitos, de cujos efeitos, no entanto, o PT conseguiria desviar-se. Pesaria ainda mais, por exemplo, a importância do “caixa 3″, representado pela mobilização de recursos de entidades-satélites do partido, como ONGs, sindicatos, centrais sindicais, que fazem campanha para a legenda e seus candidatos sem ter de prestar contas à Justiça Eleitoral.
Uma reforma política de verdade procuraria aperfeiçoar o mecanismo de representação, aproximando mais o eleito do eleitor. A sociedade seria chamada a debater, entre outros temas relevantes, o voto distrital – um poderoso fator de aperfeiçoamento da democracia e de drástica redução de custos das campanhas. Em vez disso, depois de perder três eleições e vencer outras três com o financiamento privado, o PT empenhou-se em criar um mecanismo que tornasse a sua derrota, se não impossível, muito difícil. A Câmara disse “não”, em boa hora, ao projeto que não era reforma, mas golpe.
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A inadiável reforma política
por Henrique Fontana
José Serra cultiva com frequência uma forma peculiar de debater ideias em nosso sistema político: do seu lado estão os valores da “verdadeira democracia”; do outro, os golpistas que querem eliminar os adversários. Acredito que a linguagem maniqueísta não é adequada para debater ideias em um ambiente democrático, aliás, não foi desta forma desrespeitosa e arrogante que fui recebido nas inúmeras reuniões que fizemos com a bancada do PSDB na Câmara dos Deputados, sempre muito civilizadas.
O debate político ganharia muito se todos aqueles que estão realmente interessados em aperfeiçoar nosso sistema político se debruçassem sobre um fato inegável da democracia brasileira: o avassalador crescimento do peso do poder econômico nas campanhas eleitorais. Em 2002, os gastos declarados por partidos e candidatos nas campanhas para Deputado Federal alcançaram R$ 189,6 milhões; em 2010, esse valor chegou ao montante de R$ 908,2 milhões, um crescimento de 479% em oito anos. Com maior intensidade, os gastos declarados nas campanhas presidenciais passaram de R$ 94 milhões, em 2002, para R$ 590 milhões, em 2010, um crescimento de 628% em oito anos.
Como economista, Serra deveria esclarecer a população de que hoje ela já paga por cada centavo das campanhas bilionárias que meu projeto visa baratear. Ou alguém pensa que quando uma empreiteira coloca 50 milhões na eleição ela não embute esse valor no preço das obras que são pagas com os recursos do contribuinte? Seria preciso ser muito ingênuo para acreditar que esses generosos doadores não exigirão dos candidatos que criteriosamente escolheram financiar algum tipo de contrapartida para o apoio conferido nas campanhas eleitorais, na forma de relações privilegiadas, podendo chegar a contratos superfaturados ou desvios de todo tipo nas relações com o Estado. O custo das campanhas eleitorais é como um imposto: quem paga é sempre o cidadão.
Nesse sistema, apenas os candidatos que contarem com generoso aporte dos recursos dos financiadores privados – as 72 grandes empresas que contribuíram com um bilhão de reais nas eleições de 2010 – terão chances efetivas de vencer uma eleição. Assim, muitas vocações de autênticos líderes e representantes populares não poderão aflorar, pois terão suas carreiras políticas ceifadas na origem, pela ausência de recursos para financiarem suas campanhas e defenderem os legítimos interesses da população que mais necessita da ação estatal na forma de bens públicos. É essa a democracia que convém ao nosso país?
Os dados das últimas eleições nacionais são muito claros nesse sentido: dos 513 deputados federais eleitos em 2010, 369 foram os que mais gastaram nos seus estados, o que representa 71,93% da Câmara. Foi para enfrentar essa realidade que, nas últimas legislaturas, diversos partidos, em sintonia com as posições defendidas por expressivos setores da sociedade civil (OAB, CNBB, Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e outras organizações sociais) se debruçaram em torno da elaboração de diversas propostas de financiamento público das campanhas eleitorais. Será que essas entidades também podem ser tachadas de golpistas?
Esse debate, que não é propriedade de nenhum partido, não se encerrará em função da decisão momentânea dos que optaram por continuar com as distorções do modelo atual. Os problemas de nosso modelo de financiamento aparecerão com força revigorada nas eleições de 2014, se nada for mudado. Se, em vez de desqualificar seus opositores, o autor estudasse a fundo a proposta reconheceria que no sistema atual os maiores partidos são os que mais arrecadam dos financiadores privados, o que gera grande desigualdade entre os concorrentes.
Não consegui encontrar ao longo do texto de José Serra os argumentos para defender o sistema de financiamento privado que temos hoje no Brasil. Faltaram as frases para explicar por que seria positivo que empreiteiras, bancos e outras grandes empresas possam usar seu poder econômico para definir livremente quem querem financiar. Ou a sustentação de que esses financiamentos não têm trazido problema algum para a democracia brasileira, isto é, nenhum caso de corrupção que o país vivenciou nas últimas décadas teria qualquer relação com o financiamento privado das campanhas eleitorais.
Em seu artigo, Serra repete uma velha fórmula de fazer política em nosso país: critica fortemente a proposta de seu adversário para sepultá-la o mais rápido possível, ainda que tenha pouco para contribuir com a melhoria do sistema atual. Somente no último parágrafo, depois de defender ao longo do texto a continuidade do financiamento da democracia brasileira por empreiteiras, bancos e outras grandes empresas, ele apresenta sua única proposta de reforma política: o voto distrital.
Em nossa opinião, além da desproporcionalidade entre os votos e as cadeiras conquistadas pelos partidos e da “paroquialização” da disputa política, o sistema distrital produzirá entre nós aguda concentração de poder em torno de duas ou três grandes agremiações, como já ocorre no Reino Unido e nos Estados Unidos, em função do voto útil, típico das disputas majoritárias. Talvez o modelo de democracia ideal defendido por Serra seja um sistema com três grandes partidos (o PT, o PMDB e o PSDB), o que considero inviável no Brasil. Nosso partido soube crescer e elegeu por três vezes o Presidente da República no contexto das regras vigentes, mas queremos mudá-las porque acreditamos que estas não são as mais justas e democráticas.
Em função dos agudos problemas do sistema vigente, o debate sobre o financiamento das campanhas veio para ficar em nosso país. Alguns atores defendem a proibição das doações de Pessoas Jurídicas, o que já seria um avanço, outros se mobilizam para estabelecer um teto para os gastos de cada campanha, previsto pela legislação eleitoral, mas nunca regulamentado pelo Congresso. Nas inúmeras reuniões com vários partidos, percebo a preocupação crescente com a influência desmesurada do poder econômico no campo político. Ao contrário de José Serra, que prefere o
status quo, tenho certeza de que encontraremos o modelo mais adequado para financiar as campanhas eleitorais no país.