Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Globo x Petrobras, de novo



A campanha contra a Petrobras afunda a mídia no ridículo.
O Globo, ontem, dava chamada na internet para uma pesquisa que diz que a Petrobras teria perdido quase a metade de seu valor de marca.
Medida de valor de marca tem uma subjetividade que lembra aquela história do cidadão que trocou seu cachorro virtual de um milhão de dólares por dois gatos virtuais de 500 mil cada.
Falando de dinheiro, mesmo, a situação é outra.
O jornal impresso, numa pequena nota, dizia que a Petrobras tinha sido a empresa mais lucrativa do Brasil, com R$ 9,2 bilhões de ganhos no primeiro trimestre de 2013, mesmo registrando lucros 16% menores que os do primeiro trimestre do ano passado.
Está errado. O lucro foi “só” de R$ 7,7 bilhões.
Ainda assim, a Petrobras responde sozinha por nada menos que um quinto dos lucros das 320 empresas analisadas pela consultoria Economática.
Não é a toa que a Globo, com seu império, nem aparece entre as 50 marcas de maior valor na América Latina, na edição do ano passado.
Até que a pesquisa não é tão ruim assim…
 Por: Fernando Brito

Quem ganha com o bolsa-boato?



Quem diz que está investigando a origem do boato sobre o fim do Bolsa-Família deveria começar por aqueles que se beneficiam de mentiras assim.
Há mais de três dias espalharam a falsa notícia de que iriam acabar com o Bolsa-Família, que se espalhou, sobretudo, nos estados do Nordeste e provocou uma corrida aos terminais da Caixa Econômica e, em alguns lugares, até mesmo quebra-quebras.
Nenhum jornal deu-se ao trabalho de perguntar aos que correram aos caixas automáticos como soube da notícia falsa. Ou publicam que  ’as pessoas têm medo de falar” como souberam da “notícia”. Centenas de pessoas? Milhares de pessoas? Acabaram de inventar o segredo de multidão….
Ao que parece, a Polícia Federal, até agora, também não perguntou.
Nem se tem notícia de que a Caixa tenha sido procurada pelos jornais para saber em que lugar começou o movimento anormal de saques, primeira providência para localizar os autores do atentado.
O nosso “jornalismo investigativo”, quando se trata de investigar o que fazem a direita e os poderosos, prefere dar mais destaque às declarações ridículas dos tucanos de que isso é para atingi-los.
A tucanagem tem tradição neste tipo de golpe baixo. Este Tijolaço, há três anos, mostrou como havia sites (como o petralhas.com.br) preparados para o uso em difamações pelos dirigentes do PSDB.
Coincidentemente, no mesmo dia dos boatos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sugeriu que o partido tratasse o povo “com carinho” (leia aqui) e Aécio Neves afirmava que “o Bolsa-Família é hoje um projeto incorporado, enraizado na paisagem econômica e social e será mantido”.
O que os tucanos – e as elites brasileiras – pensam do Bolsa-Família foi dito de forma claríssima pelo senador (e quase-vice de José Serra) Álvaro Dias e pode ser assistido por qualquer um: as pessoas não querem trabalhar para não perder o Bolsa-Família.
Mas os jornais trazem o mesmíssimo senador acaju vociferando contra a “armação” governista de insinuar que a tucanagem é contra o programa.
Isso não quer dizer que o PSDB tenha disseminado a mentira do sábado. Mas, certamente, o faz beneficiário do “Bolsa-Boato”.
Desde muito antes de Ághata Christie escrever seu primeiro romance, a primeira pergunta que se faz é: a quem este crime beneficia?
Como aconteceu de outras vezes, a presidenta reagiu com firmeza e mandou apurar tudo.
Mas não é improvável que se faça corpo mole na apuração, porque tem gente que acha que, sendo mansinho, vai ganhar o título de “bom menino” da mídia.
Que, por sua vez, não quer saber de “malfeito de direita”.
Não é notícia.
 Por: Fernando Brito

A intransigência da imprensa brasileira com Lula


*Aécio na propaganda do PSDB, 3ª feira:  "os preços dos alimentos não param de subir"**IBGE, nesta 4ª feira: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 desacelerou em maio mais do que o esperado, refletindo um avanço menor dos preços de alimentos, com alta de 0,47, ante 1% em abril'


LULA: 'NINGUÉM VAI PENSAR A AL POR NÓS'   
    

"Na crise de 2008, chamei o presidente do Banco Central e o

ministro da Fazenda e disse que destinassem dinheiro para o Uruguai e para a Argentina. Não o fizeram. A China fez. Mas o Brasil não necessita 400 bilhões de dólares de reservas. Hoje poderíamos usar esse dinheiro para financiar a integração aqui e no continente africano. Pensemos, imaginemos. Às vezes me dá a impressão de que os intelectuais da América Latina deixaram de pensar depois da queda do Muro de Berlim. Há menos canções, menos livros... Me lembro de uma conversa com Fidel. Um dia ele me disse que tinha ensinado ao seu povo a história equivocada. Era a história russa, com seus bons que de repente se convertiam em maus, e seus maus que de um dia para o outro se transformavam em bons. ‘Sabe, Lula', me disse Fidel. ‘Estou arrependido de não ter ensinado ao meu povo a história da América Latina'. Eu digo: façamos isso. Tentarei ser o animador e o provocador para que pensemos de novo em nós."(Lula, em debate com intelectuais na Argentina; leia nesta página o relato do encontro na reportagem de Martín Granovsky.)


A intransigência da imprensa brasileira com Lula


Lula, segundo certa imprensa paulistana, seria o populista que teria seduzido, com seu carisma, a massa mais desinformada dos eleitores e se beneficiaria eleitoralmente com suas políticas, para a “sustentação da pobreza”, como é o caso do Bolsa Família. A existência de preconceito elitista e hierárquico em certa imprensa brasileira se evidenciava nos editoriais a que se recorria, nos quais constavam referências à origem social do presidente ou a sua ausência de estudos. Por Ariel Goldstein.


Buenos Aires - “Populista do mais baixo nível” que faria “apologia de sua indigência cultural” (O Estado de São Paulo, 22/07/2005), com seu “mal disfarçado desdém pela educação”. Lula, segundo certa imprensa paulistana, seria o populista que teria seduzido, com seu carisma, a massa mais desinformada dos eleitores e se beneficiaria eleitoralmente com suas políticas, para a “sustentação da pobreza”, como é o caso do Bolsa Família, que “não modifica a posição social, mas contribui decisivamente para a votação do presidente”. (O Estado de São Paulo 30-06-2006).

As acusações durante o período mais difícil mandato de Lula (2003-2006) tinham múltiplas variantes, mas especialmente a de populista e de fazer apologia de sua “indigência cultural” sobressaiam. A imprensa paulista, em sua visão mais plural moderada da Folha de São Paulo e na visão mais liberal conservadora de O Estado de São Paulo, apresentava um consenso ao acusar o governo de corrupção e do populismo lulista-chavista, que teria se entregue a uma política externa “bolivariana”.

A existência de preconceito elitista e hierárquico em certa imprensa brasileira se evidenciava nos editoriais a que se recorria, nos quais constavam referências à origem social do presidente ou a sua ausência de estudos, ou ao seu desconhecimento do inglês, para explicar os seus supostos erros. Quer dizer, interpretavam as ações políticas do mandatário em função das limitações para levar-lhes a cabo, dada a sua origem social. Deste modo, não existia margem para uma avaliação autônoma de sua ação política, mas esta era interpretada desde o começo como resultado de seus condicionamentos derivados de sua origem social.

A denominação desrespeitadora de populista operava como desqualificação daquele que estabelecia com os setores populares uma relação de identificação, que apelava a um componente emotivo, produzindo nesses setores um horizonte imaginativo de melhora da qualidade de vida. Neste sentido, tanto as denominações de populista como de chavista, em relação a Lula, cumpriram um papel similar nos editoriais: denominações esvaziadas de significado e reutilizadas em função da desqualificação de forma conservadora do governo de Lula e do seu exercício da política, designando seu afã pela “divisão social do país”, o “exercício autocrático” do poder e o enfrentamento entre setores sociais.

Talvez assim se entenda os motivos de o presidente assinalar que “a impressão que tenho é que todo o ódio que (os donos das empresas de mídia) têm do PT e a bronca que têm comigo se deve às coisas boas que nós fazemos, não às más”.

(*) Sociólogo pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e bolsista do Conicet, no Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (Iealc).

Tradução: Katarina Peixoto


Os projetos de Lula

Lula encerrou sua recente visita à Argentina com uma reunião na Embaixada do Brasil. O jornalista Martín Granovsky, do Página 12, foi um dos 40 convidados e conta agora como e por que o ex-presidente se comprometeu a impulsionar a integração sul-americana.

Um presidente nunca diz que se angustia. Senão, o que sobra para os governados? Um ex-presidente sim pode dar-se esse luxo. O resultado é apaixonante se o ex se chama Luiz Inácio Lula da Silva e tem uma capacidade única de transmissão intelectual e emotiva.

Exemplo 1: “Ou crescemos juntos ou ficaremos pobres todos juntos”.

Exemplo 2: “Quando entreguei o mandato a Dilma, disse a ela que ia necessitar muitos dobermanns. Disse que, em cada decisão importante que ela tomasse, tinha que botar um cão atrás, porque, se não, não haveria nenhum resultado”.

Lula falou na embaixada do Brasil na Argentina, que organizou um encontro com 40 intelectuais, políticos, economistas e empresários junto com o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e o Instituto Lula. Foi na sexta-feira (17) à tarde e os presentes fizeram chegar ao embaixador Enio Cordeiro: “Presidente, neste grupo ninguém pensa como o outro”. Antes, o presidente que governou o Brasil durante oito anos, recebeu oito doutorados honoris causa. “Para o Guinness”, brincou o senador e ex-ministro de Educação argentino Daniel Filmus, coordenador dos doutorados junto com Pablo Gentili, o secretário executivo do Clacso.

O ex-presidente brasileiro estava acompanhado por Luiz Dulci, ex-secretário geral da Presidência durante seu governo e membro do Instituto Lula. Dulci, que acaba de publicar um livro sobre os dez anos de governo encabeçado pelo PT, “Um salto para o futuro”, disse que o instituto está firmando acordos com organismos multilaterais e que trabalhará cada vez mais em uma doutrina da integração. “Não se trata de substituir os Estados, mas às vezes é difícil para os Estados avançarem em determinados temas.”

Lula explicou que o instituto antes se chamava Instituto da Cidadania. “O programa Fome Zero foi desenhado ali”, contou, sobre o trabalho prévio às eleições vitoriosas de 2002. Disse que alguns contatos excediam o marco do PT e que, por isso, recebia gente no instituto. Ou seja, uma preparação completa para o governo que viria. Sobre o futuro, Lula reforçou a promessa de Dulci e a ampliou para a África. 

“Durante meu governo visitei sete países do Oriente Médio, todos os países da América Latina e do Caribe e 33 países africanos em 39 viagens”. Lula não tocou no tema, mas além da América do Sul, a grande base de votos para que o brasileiro Ricardo Azevedo ganhasse a direção da Organização Mundial de Comércio foi a África.

De terno escuro e gravata listrada com as cores do Brasil e da Argentina, Lula passou mais de três horas debatendo, um pouco sentado, um pouco em pé. Antes de abrir o espaço para comentários e perguntas, fez algumas a si próprio. “Tem que criar uma doutrina da integração. O que é a integração? É comercial? É comercial e social? Envolve as universidades? Ainda não está tudo claro para nós. Cada vez que Hugo Chávez falava da espada de Bolívar, eu dizia para ele: ‘Chávez, não necessitamos mais a espada de Bolívar, mas um banco de desenvolvimento, estradas, pontes...'”.

Lula mencionou Chávez muitas vezes, com carinho e com picardia. Um morto não pode se queixar pela revelação de segredos que, de outra forma, servem para entender que tipo de dificuldades um presidente enfrenta, inclusive quando tem legalidade, legitimidade e popularidade. Como o ex-chanceler Jorge Taiana estava presente, Lula o pegou de comparsa. 

“Talvez, um dia, Taiana, Enio e eu possamos contar como são as reuniões presidenciais e as sequências das decisões. Firmamos um acordo, um protocolo de intenções, e quando termina o mandato de quatro ou cinco anos, não se fez nada. Porque quando esta reunião terminou, vem outra reunião e outro protocolo, e, às vezes, além disso, não tem muita gente interessada em fazer o seguimento das decisões. Taiana sabe bem como se queixava o pobre Chávez. Quase todas as reuniões terminavam com Chávez brigando com o pobre Maduro. ‘Não vou assinar o documento porque não o li .’ E olhava a câmera da Telesur. ‘Por que os burocratas não me deram o documento antes? ’ Então eu me levantava e lhe contava minha angústia.” E aí foi que contou sua ideia dos dobermanns.

Na verdade, ainda que não tenha aparecido na reunião da embaixada brasileira, quem se aproximou de um sistema de dobermann foi o presidente chileno Ricardo Lagos. Seu chefe de assessoria, Ernesto Ottone, enviava a cada reunião de Lagos um funcionário que depois se encarregaria do seguimento. Em outro estilo, para algumas decisões, Kirchner telefonava no ato para toda a cadeia de funcionários que se faria responsável pelo cumprimento de uma decisão sua.

“Uma vez eu e o Chávez estivemos a ponto de despedir juntos os presidentes da Petrobras e da PDVSA porque não haviam levado à prática um acordo que havíamos chegado”, disse. “O mesmo aconteceu com a Argentina e o mesmo com outros países. Quando os presidentes estão dispostos e convencidos, as coisas devem ser feitas diante deles e não depois da reunião. Não se pode trabalhar na integração se a gente cede às pressões de um grupo.”

A falta de resultados tem um problema que Lula tocou. “Quando você chega ao governo e não consegue fazer as coisas que se esperam de você, as pessoas se afastam. Mas muitos, ao contrário, quando algo não acontece, perseveram.”

Pensamento próprio
E as reuniões como a de sexta-feira, servem para algo? “Há uma carência motivacional”, disse Lula. “Aparecem bons diagnósticos e boas propostas, mas depois devem ser assumidas pelos políticos.”

O ex-presidente aproveitou esse momento para levantar um livro no ar. É de capa vermelha e o título é: ‘Dez anos de governos pós-neoliberais no Brasil – Lula e Dilma’. É uma coletânea de 21 trabalhos realizada por Emir Sader, ex-secretário do Clacso, antes de Gentili, que foi quem escreveu o capítulo educativo porque, como disse Lula, “é um argentino importado pelo Brasil”. Para que não restem dúvidas da margem que Lula quer para decisões que não são de governo, mas de análise feita por gente com pensamento próprio, disse: “A única coisa minha neste livro é o nome no título, porque os autores trabalharam com toda a liberdade”.

Lula parece se preocupar com o beco sem saída que se produz quando os funcionários e os políticos não se acostumam a viver dentro da contradição. “Se as divergências fossem um problema, o PT não existiria. Não tem nada que tenha mais divergências que o PT.” Também se vê preocupado com as profecias autocumpridas segundo as quais nada diferente será possível. 

“Nasci em uma região onde muitas crianças morrem antes dos cinco anos e eu não morri. Quando entrei no sindicato, me disseram que não poderia fazer nada porque a estrutura sindical do Brasil era uma cópia fiel da ‘Carta del Lavoro’ de Benito Mussolini. Sem que a lei se modificasse sequer uma linha, em apenas três anos mudamos a vida sindical. Depois nos disseram que não havia espaço para um partido político. Em três anos criamos o PT, que nasceu em 1980. Que um operário metalúrgico chegasse à presidência era impensável. Conseguimos. Portanto, podemos produzir uma doutrina para que nossos presidentes pensem estrategicamente. É o compromisso que assumo. Não sei se o cumprirei, mas vou tentar.”

Como avançar
Lula alertou contra “as brigas entre nós”. Citou o caso da Rodada de Doha, que terminou em 2008 sem resultados. Foi discreto: omitiu afirmar que as diferenças essenciais no final se produziram entre o Brasil e a Argentina. “Ali não avançamos, mas não acontecerá mais. Se não construirmos um pensamento estratégico, vamos perder inclusive o que já construímos. E não é questão de defeitos. Todos os temos. Tivemos os presidentes daquele momento: Néstor Kirchner, Hugo Chávez, Ricardo Lagos, Tabaré Vázquez, eu... Mas se analisarmos nossas relações tal como estavam em 2000 e como são agora, vamos ver que avançamos extraordinariamente.”

Lula costuma fazer um contraponto permanente entre o resgate do bom, porque é um obsessivo da autoestima coletiva, e a sugestão de desafios, porque se mostra otimista, mas não tem a noção fanática de que as coisas, as más, mas também as boas, são inexoráveis. “Se não consolidarmos os avanços como política de Estado, criando parlamentos e instituições multilaterais, qualquer governante de direita pode terminar com tudo. Sobretudo no Brasil. Estejam seguros de que esse presidente brasileiro dará as costas à América do Sul, porque sua cabeça está colonizada pela Europa e pelos Estados Unidos.” E continuou Lula, em pé, microfone na mão e olhando para os lados, movendo as mãos como o orador sindical que foi ou que é, confessando que hoje vê coisas que não via quando era presidente. “Coisas nas quais poderíamos ter avançado e não avançamos. Por que não avançamos na ONU? O Egito e a Nigéria queriam ser membros permanentes do Conselho de Segurança, mas não disseram. A Argentina, o Brasil e o México também. Não discutimos o essencial: seja quem for, quando for, não pode investir numa representação individual, mas coletiva, do continente. Mas nunca aprofundamos essa discussão. E são 10 anos meus e de Dilma, 12 de Chávez, 10 de Néstor e Cristina. Meia geração cresceu sem que discutíssemos o tema. Com o comércio, a mesma coisa. É importante porque gera desenvolvimento, lucro, empregos.”

Gripe ou pneumonia
Em sua intervenção, o tabuleiro do mundo sempre esteve presente. Para ele, na Europa “uma gripe se transformou em uma pneumonia”. Segundo Lula, “é ridículo que a Europa culpe a Grécia ou o Chipre enquanto nenhum banqueiro está preso”.

A indústria também. “Temos que aproveitar o tipo de pessoas que hoje estão nos diferentes governos para fazer o que temos que fazer. Não é ruim exportar commodities quando o preço está bom. É ruim quando o preço está baixo. Mas em nível internacional devemos discutir o valor dos produtos. Por que a comida vale tão pouco e um chip vale tão caro? Na década de 70, os Estados Unidos decidiram levar o corpo das indústrias para a China e ficar com a cabeça, com os serviços. Agora, com esta crise, se deram conta de que a cabeça sem o corpo não é um ser humano, é um busto. Assim, agora discutem como reindustrializar os Estados Unidos.”

O animador
Um fantasma, às vezes, é o papel do Brasil, o gigante da região. Inclusive é um fantasma quando já ninguém repete disparates sobre hipóteses de conflito bélico. Como Lula queria desmontá-lo, abordou o ponto. “O Brasil não pode crescer sozinho. E o Brasil tem mais responsabilidade que o resto. Na crise de 2008, chamei o presidente do Banco Central e o ministro da Fazenda e disse que destinassem dinheiro para o Uruguai e para a Argentina. Não o fizeram. A China fez. Mas o Brasil não necessita 400 bilhões de dólares de reservas. Hoje poderíamos usar esse dinheiro para financiar a integração aqui e no continente africano. Pensemos, imaginemos. Às vezes me dá a impressão de que os intelectuais da América Latina deixaram de pensar depois da queda do Muro de Berlim. Há menos canções, menos livros... Me lembro de uma conversa com Fidel. Um dia ele me disse que tinha ensinado ao seu povo a história equivocada. Era a história russa, com seus bons que de repente se convertiam em maus, e seus maus que de um dia para o outro se transformavam em bons. ‘Sabe, Lula’, me disse Fidel. ‘Estou arrependido de não ter ensinado ao meu povo a história da América Latina’. Eu digo: façamos isso. Tentarei ser o animador e o provocador para que pensemos de novo em nós.”

Os comentários
Antes da última intervenção de Lula no seminário, vários participantes perguntaram ou fizeram comentários.

Taiana disse que há um ponto delicado: “Alcançamos certo patamar na integração, estamos entrando em uma meseta, quando há dificuldades a reação natural é se retrair diante do medo e o que não avançarmos significará que vamos retroceder”.

O consultor Rosendo Fraga disse que o Mercosul e a Unasul demonstraram “grande eficácia frente aos imprevistos como os que se produziram na Venezuela, na Colômbia e no Equador, mas certa ineficácia para enfrentar os conflitos históricos”. Citou que o Chile e o Peru tenham recorrido à corte de Haya, e o mesmo aconteceu com Bolívia e Chile. Lula agregaria que tampouco o conflito das papeleiras entre o Uruguai e a Argentina se resolveu no marco sul-americano. Fraga se queixou de que na Argentina “não se pode ver um canal brasileiro por TV a cabo e não temos uma rádio que transmita em português”.

Félix Peña, ex-subsecretário de Guido Di Tella (que foi ministro de relações exteriores da Argentina no governo Menem – N do T) e hoje está na Universidade de Tres de Febrero, pediu um “Relatório Lula” sobre como trabalhar na América do Sul.

Sergio Berenztein, da consultoria Poliarquía, sugeriu para o Mercosul um avanço por passos. “Incremental, minimalista”, disse.

O reitor da Universidade de Cuyo, Arturo Somoza, insistiu na necessidade do intercâmbio cultural e no peso das decisões políticas.

O ex-chanceler Adalberto Rodríguez Giavarini, que foi ministro de Fernando de la Rúa, disse que a integração e os direitos humanos “são políticas de Estado nos últimos 30 anos”. Recomendou “fortalecer o diálogo Pacífico-Atlântico para entrarmos na dinâmica da negociação global, porque vamos enfrentar tensões e já as estamos enfrentando, e o Brasil terá dois guarda-chuvas”.

Rafael Follonier, colaborador de Néstor e Cristina Kirchner com grau de secretário de Estado e agora a cargo de investigar os crimes contra seguidores do chavismo na última campanha eleitoral na Venezuela, disse que “o posicionamento do Brasil como ator global se deu no marco da última etapa do processo de integração sul-americana”. Pediu “um fortíssimo relançamento da Unasul” e afirmou: “Seria bom que o Lula nos ajudasse a resolver a próxima etapa do organismo que criou com os outros presidentes”.

O ex-presidente da União Industrial Argentina, e ex-ministro de Eduardo Duhalde, José Ignacio de Mendigurem, conclamou a “não deixar passar o tempo e nos deixar tentar com o canto da sereia da primarização da economia, porque, apesar do enorme período de crescimento, a participação industrial no PIB dos dois países diminuiu”.

O reitor da Untref Aníbal Jozami pediu que fosse formado “um grupo de delirantes que discuta uma união com o Brasil”.

Alberto Ferrari Etcheberry, ex-subsecretário de Assuntos Latino-americanos de Raúl Alfonsín e um dos negociadores de então para chegar à integração com o Brasil, além de ser quem convidou Lula para sua primeira visita à Argentina em 1999, lembrou o que é a cidadania entre os vizinhos. “Com a Constituição de 1988 e com a presença decisiva do PT, essencial para a queda de Fernando Collor de Mello, surgiu a democracia de massas pela primeira vez.” E acrescentou: “Com Lula terminaria a história dos Bragança no Brasil. Lula foi o primeiro Silva. E depois veio Dilma, que também se chama Silva”. Para Ferrari, entre os dois países “não se avançou o suficiente em conhecer-se e, sobretudo, em conhecer as diferenças”.

O uruguaio Gerardo Caetano disse que “para esta nova etapa, mais do mesmo não basta”.

Pino Solanas lamentou que “em dez anos não resolvemos nem o Banco do Sul” e disse que “a América Latina não pode ser o paradigma de um consenso sobre as commodities”.

O deputado da Unidade Popular Víctor de Gennaro advertiu que “o genocídio deixou a ideia de que, por medo, se tem que evitar o pior e ser sobreviventes” e opinou que “temos direito de viver felizes”.

Pablo Gentilli, como organizador, expressou seu compromisso de continuar ajudando a coordenação de centros de estudo, políticos e investigadores.

Filmus, outro dos organizadores da visita de Lula e membro do Conselho Acadêmico da recém-inaugurada Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho, autocriticou “o escasso esforço legislativo para trabalhar em forma conjunta, o déficit de diplomacia parlamentar e o avanço lento no ensino de português e espanhol, a ponto de que cientistas argentinos e brasileiros se comunicam em inglês”.

Tradução: Liborio Júnior
Fotos: EBC