Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Folha engana leitor com pegadinha contra Cuba na primeira página

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Olhando de longe, o jornal Folha de São Paulo é um mistério. Olhando de perto, porém, é tão ruim quanto qualquer outro jornalão de direita que aderiu à ditadura militar e atentou tantas vezes contra a democracia tanto no século passado quanto neste.
Ao passo que a Folha faz denúncias contra a direita (sobretudo contra o PSDB) que nenhum outro grande órgão de imprensa faria, como a denúncia do “Aécioporto” ou a da propina de 23 milhões a José Serra, também é o jornal que promove as trapaças mais hediondas de que se tem notícia na grande imprensa brasileira.
Quem não se lembra da ficha policial falsa de Dilma Rousseff que a Folha publicou em sua primeira página em 2009?
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Sim, quase um mês depois o jornal reconheceu que errou, mas, obviamente, sem dar a essa informação destaque sequer parecido com o que deu ao divulgar informação falsa que recebeu por e-mail de fonte desconhecida e publicou na primeira página sem checar nada.
Na imagem acima, você nota o destaque imenso dado à mentira. Na imagem abaixo, você vê que nada saiu na primeira página na data em que o erro foi reconhecido.
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Como já se passaram quase oito anos, vale rever o desmentido da Folha, porque ele obriga quem lê a se perguntar como um grande jornal foi capaz de publicar no alto de sua primeira página uma mentira tosca, sem fazer checagem nenhuma, sem a menor responsabilidade.
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No mesmo ano (2009), a Folha de São Paulo publica artigo de um antigo desafeto do então presidente Lula acusando-o de ter tentado estuprar um colega de cela quando esteve preso durante a ditadura militar.
Naquele mesmo ano, o jornal publicou, em 17 de fevereiro, editorial que afirmava que a ditadura militar brasileira foi, na verdade, uma “ditabranda”, ou uma ditadura soft, light, suave. Por quê? Por, segundo o jornal, ter matado “pouca” gente, “apenas” umas cinco centenas de pessoas.
Diante dessa enormidade, este blogueiro, através desta página, convocou manifestação de vítimas e parentes de vítimas da ditadura diante do jornal, que registrou tudo em matéria no dia seguinte.
folha-4Abaixo, vídeo da leitura de manifesto que escrevi e que foi apoiado por mais de vinte entidades defensoras de direitos humanos, como CUT, UNE, Tortura Nunca Mais etc.
Como se vê, a Folha de São Paulo é um veículo dado a publicar informações inverídicas, sem checagem e com grande destaque. E nesta quinta-feira, 1º de dezembro de 2016, não foi diferente. O jornal publicou uma pegadinha para acusar um homem que não pode mais se defender de herdeiros irresponsáveis de grandes fortunas como são os filhos do velho Frias, fundador da Folha e apoiador de primeira hora da ditadura militar brasileira.
Confira, abaixo, a primeira página da Folha de São Paulo de 1º de dezembro de 2016
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A informação cheira mal porque é uma acusação gravíssima e estrondosa que busca empanar o brilho de avanços sociais de Cuba mundialmente reconhecidos. Porém, basta ler a matéria para perceber que a chamada de capa da Folha é uma pegadinha que visa enganar as pessoas, sobretudo aquela parcela da população paulistana que dos jornais só lê a primeira página exposta nas bancas de jornal.
Lendo a matéria, descobre-se que a informação estrondosa se baseia em alegações sem provas da comunidade anticastrista situada nos EUA, que pilota um tal de Cuba Archive, cujas afirmações não podem ser checadas por falta de fontes confiáveis.
Cuba Archive, sediado em Washington, é pilotado por cubanos exilados que saíram de seu país décadas atrás por integrarem o regime corrupto do ditador Fulgêncio Batista. São autores de teorias malucas como a de que o regime castrista sequestrava crianças cubanas para transformá-las em comida para o supostamente faminto povo cubano.
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A teoria psicótica sobre comunistas comedores de criancinhas foi vendida pelos autores do Cuba Archive e pode ser conhecida no livro de Fernando Morais Os Últimos Soldados da Guerra Fria (Cia. das Letras)
Um dos colaboradores da ONG é o escritor anticastrista Carlos Alberto Montaner, outro é o ex-subsecretário de Estado norte-americano Otto Reich, também anticomunista e anticastrista feroz.
O pior de tudo é que não há fontes confiáveis para os números apresentados pelo Cuba Archive simplesmente porque os estudos não indicam fontes isentas e reconhecidas. São afirmações sem provas de pessoas amplamente interessadas em desmoralizar o regime cubano.
Mas a Folha não ficou só nisso. Dois dias antes (29/11), publicou o editorial “Fidel Castro”, por ocasião da morte do ex-dirigente cubano. Naquele texto, o jornal repisa informação fajuta divulgada anos atrás por seu colunista Reinaldo Azevedo, de que antes de Fidel Cuba já tinha saúde e educação de primeiro mundo.
Azevedo se ampara em números divulgados pelos inimigos do regime cubano e que não foram auditados por ninguém, que não têm origem em nenhum estudo conhecido, em nenhuma estatística confiável.
Azevedo se baseou em livro de uma obscura escritora francesa chamada Jeannine Verdes-Leroux, intitulado “A Lua e o Caudilho”, uma longa arenga contra o regime cubano amparado em informações também sem fontes confiáveis.
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Azevedo, naquele texto maluco, faz a afirmação espantosa de que a mortalidade infantil em Cuba é baixa porque naquele país o aborto é legal, afirmação que, se levada a sério, colocaria em dúvida a baixa mortalidade infantil da maioria dos países desenvolvidos, sobretudo os nórdicos, pois em quase todos os países desenvolvidos o aborto é legal.
A Folha é útil porque, para conferir ares de verdade a esse tipo de farsa, publica algumas verdades sobre a direita que outros veículos de direta escondem, como a de que José Serra e Aécio Neves estão envolvidos até o pescoço em denúncias de corrupção, mas tudo isso é tática diversionista para permitir ao jornal aplicar passa-moleques como o que você acaba de ler.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Identificados os vândalos que agrediram a Embaixada de Cuba. São do MBL


TEREZA CRUVINEL
Relatei ontem a cena ultrajante em que meia dúzia de exaltados de direita destruíram as flores e o cenário de homenagem a Fidel Castro criado por admiradores em frente à Embaixada de Cuba. Eles já foram identificados e estão fazendo propaganda de sua própria incivilidade, grosseria e desrespeito ao povo cubano nesta horaFelipe Porto, militante do MBL, postou numa rede social fotografia em que aparecem ele, Kelly Bolsonoro, Cristiane Couto e Marcelo Seixas de Araujo brindando à morte de Fidel na porta da Embaixada. Seu texto diz:

“Eu, Kelly Bolsonaro, Criatiane Couto e Marcelo Seixas de Araujo festejando, neste domingo, na porta da Embaixada de Cuba a partida para o inferno do ditador sanguinário Fidel Castro, com muita Cuba Libre, charuto “La Habana” e fogos de artifício, tocando o Hino Nacional de Cuba e trombeteando no microfone os crimes e as mais de 100 mil mortes da ditadura na ilha-prisão. A comunistada pira, kkkk...”.

Ele não confessa o vandalismo, a destruição das flores e objetos mas a polícia já os identificou. A comunidade cubana de Brasília está indignada com a manifestação fascista e o desrespeito na hora da morte, que em todas as culturas é respeitada mesmo quando se trata de adversário.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Em artigo, Fidel aponta holocausto palestino

:

"O genocídio dos nazistas contra os judeus colheu o ódio de todos os povos da terra. Por que acredita o governo desse país que o mundo será insensível a este macabro genocídio que hoje está cometendo contra o povo palestino? Por acaso se espera que ignore quanto há de cumplicidade por parte do império norte-americano neste massacre desavergonhado?", questiona Fidel Castro, líder da Revolução Cubana


247 - Em artigo publicado no jornal Granma, o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, afirmou que Israel comete holocausto contra o povo palestino. Leia, abaixo, a tradução feita pelo site Vermelho e publicada pelo Opera Mundi:

Fidel Castro: Holocausto palestino em Gaza

Fidel Castro | Granma | Havana - 05/08/2014 - 12h24
 
Novamente, peço ao Granma que não dedique espaço de primeiro plano a estas linhas, relativamente breves, sobre o genocídio que se está cometendo contra os palestinos. Escrevo-as com rapidez apenas para deixar constância do que requer meditação profunda.

Penso que uma nova e repugnante forma de fascismo está surgindo com notável força neste momento da história humana, no qual mais de sete bilhões de habitantes se esforçam pela própria sobrevivência.

Nenhuma destas circunstâncias tem a ver com a criação do Império Romano há cerca de 2.400 anos, ou com o império norte-americano que, nesta região do mundo, há apenas 200 anos, foi descrito por Simón Bolívar quando exclamou que: “(...) os Estados Unidos parecem destinados pela Providência a infestar a 

América com misérias em nome da Liberdade”.

A Inglaterra foi a primeira real potência colonial que usou seus domínios sobre grande parte da África, do Oriente Médio, da Ásia, Austrália, América do Norte e muitas das ilhas antilhanas, na primeira metade do século 20.

Não falarei, nesta ocasião, das guerras e dos crimes cometidos pelo império dos Estados Unidos ao longo de mais de cem anos, mas só registrarei o que quis fazer com Cuba, o que fez com muitos outros países no mundo e só serviu para provar que “uma ideia justa desde o fundo de uma caverna pode mais do que um Exército”.

A história é muito mais complicada do que tudo o que foi dito, mas foi assim, em grandes traços, como a conheceram os habitantes da Palestina e, é lógico, igualmente, que nos meios modernos de comunicação se reflitam as notícias que diariamente chegam; assim ocorreu com a vexatória e criminosa guerra na Faixa de Gaza, um pedaço de terra onde vive a população do que restou da Palestina independente até apenas meio século atrás.

A agência francesa AFP informou, no sábado (02/08): “a guerra entre o movimento islamita palestino Hamas e Israel causou a morte de cerca de 1.800 palestinos (...), a destruição de milhares de lares e a ruína de uma economia já debilitada”, ainda que não assinale, à partida, quem iniciou a terrível guerra.

Depois adiciona: “(...) no sábado, ao meio-dia, a ofensiva israelense havia matado 1.712 palestinos e ferido 8.900. As Nações Unidas puderam verificar a identidade de 1.117 mortos, majoritariamente civis. (...) A 

Unicef contabilizou ao menos 296 menores [de idade] mortos”.

“As Nações Unidas estimaram (...) (cerca de 58.900 pessoas) sem casas na Faixa de Gaza.”

“Dez dos 32 hospitais fecharam e outros 11 foram afetados.”

“Este enclave palestino de 362 quilômetros quadrados não dispõe tampouco das infraestruturas necessárias para os 1,8 milhão de habitantes, sobretudo em termos de distribuição de eletricidade e de água.”

“Segundo o Fundo Monetário Internacional, a taxa de desemprego ultrapassa 40% na Faixa de Gaza, território submetido, desde 2006, a um bloqueio israelense. Em 2000, o desemprego afetava cerca de 20% e, em 2011, cerca de 30%. Mais de 70% da população depende da ajuda humanitária em tempos normais, segundo o Gisha [Centro Legal para a Liberdade de Movimentação].” 

O governo de Israel declara uma trégua humanitária em Gaza às 07h00 (hora de Greenwich) desta segunda-feira (04/08), entretanto, às poucas horas rompeu a trégua ao atacar uma casa em que 30 pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, foram feridas e, entre elas, uma menina de oito anos, que morreu.

Na madrugada deste mesmo dia, 10 palestinos morreram como consequência dos ataques israelenses em toda a Faixa e já subiu a quase 2 mil o número de palestinos assassinados.

A matança chegou a tal ponto que o “ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, anunciou nesta segunda-feira (04/08) que o direito de Israel à segurança não justifica o ‘massacre de civis’ que está perpetrando”.

O genocídio dos nazistas contra os judeus colheu o ódio de todos os povos da terra. Por que acredita o governo desse país que o mundo será insensível a este macabro genocídio que hoje está cometendo contra o povo palestino? Por acaso se espera que ignore quanto há de cumplicidade por parte do império norte-americano neste massacre desavergonhado?

A espécie humana vive uma etapa sem precedentes na história. Um choque de aviões militares ou aeronaves de guerra que se vigiam estreitamente ou outros fatos similares podem desatar uma contenda com o emprego das sofisticadas armas modernas que se converteria na última aventura do conhecido Homo sapiens.

Há fatos que refletem a incapacidade quase total dos Estados Unidos para enfrentar os problemas atuais do mundo. Pode-se afirmar que não há governo nesse país, nem o Senado, nem o Congresso, a Agência 

Central de Inteligência, o Pentágono, que determinarão o desenlace final. É triste, realmente, que isso ocorra quando os perigos são maiores, mas também as possibilidades de seguir adiante.

Quando houve a Grande Guerra Patriótica, os cidadãos russos defenderam seu país como espartanos; subestimá-los foi o pior erro dos Estados Unidos e da Europa. Seus aliados mais próximos, os chineses, que, como os russos, obtiveram a sua vitória a partir dos mesmos princípios, constituem hoje a força econômica mais dinâmica da terra. Os países querem yuanes, e não dólares, para adquirir bens e tecnologia e incrementar o seu comércio.

Novas e imprescindíveis forças surgiram. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, cujos vínculos com a América Latina e com a maioria dos países do Caribe e da África, que lutam pelo desenvolvimento, constituem a força que, em nossa época, está disposta a colaborar com o resto dos países do mundo sem excluir os Estados Unidos, a Europa e o Japão.

Culpar a Federação Russa pela destruição, em pleno voo, do avião da Malásia é de um simplismo desconcertante. Nem Vladimir Putin ou Serguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, nem os demais dirigentes deste governo fariam, jamais, semelhante disparate.

Vinte e seis milhões de russos morreram na defesa da Pátria contra o nazismo. Os combatentes chineses, homens e mulheres, filhos de um povo de cultura milenar, são pessoas de inteligência privilegiada e espirito de luta invencível, e Xi Jinping é um dos líderes revolucionários mais firmes e capazes que já conheci na minha vida.

Texto escrito 04 de agosto às 22h45. Tradução de Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Bola rolando: Democracia x Mercados na AL

Esgotou a viabilidade de uma construção negociada da democracia social na AL, nos marcos da economia de mercado? O clássico truncado na Venezuela sugere que sim

por: Saul Leblon 



Ricardo Stuckert









A tentativa de construir  uma democracia social na América Latina – a região mais desigual do planeta--  tornou-se  um espinho na garganta do  jogral conservador.
Equiparar a igualdade de direitos civis ao seu equivalente no campo econômico significa levar a sério a democracia como o regime intrinsecamente dotado de  meios para dilatar seus próprios fins.

No limite, e em tese,  significa não pedir autorização ao dinheiro para transformar carências em direitos e dívidas históricas em lei.

A última palavra dependeria da competência progressista para adensar força e consentimento majoritário aos seus projetos e plataformas.

A experiência histórica latino-americana está coalhada de interpretações controversas acerca desse mandato atrelado à formação das grandes maiorias.

A coleção de golpes de Estado  espetados nas entranhas de seus distintos países  sugere que o princípio que equipara cada cidadão a um voto promete mais do que as elites locais estão dispostas a conceder.

O mercado fala por elas.

De um modo muito grosseiro, e ao largo das particularidades locais –o financiamento privado de campanhas no Brasil, por exemplo, distorce essa equivalência --  pode-se dizer que é em torno dessa dupla contradição que se trava a luta pelo desenvolvimento nos dias que correm.

Mercados e seu aparato ideológico dedicam-se diuturnamente à tarefa de capturar o imaginário social, algemar o Estado e amordaçar instituições para vestir o enforcador  no pescoço da democracia, apartando-a dos interesses majoritários da sociedade.

Movimentos progressistas, ao contrário, empenham-se na interminável repactuação de maiorias para submeter a lógica do dinheiro ao imperativo da democracia social, no passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.

Toda assepsia que o neoliberalismo se empenha em promover na profundidade e abrangência da ação  pública e  estatal persegue esse objetivo de emascular as ferramentas da democracia.

Alto-falantes da emissão conservadora martelam diuturnamente a superioridade dos livres mercados para alocar recursos ao menor custo e com maior eficiência.

O oposto é esgrimido como um desastre inelutável.

O papel da democracia, desse ponto de vista, seria manso.

Limitar-se-ia a  sancionar o livre arbítrio de uma economia desregulada, para que a sua ‘imanente racionalidade’ pudesse se traduzir em geração de riqueza e ganhos de eficiência.

O que os tucanos ecoaram na efeméride dos 20 anos do Plano Real, nesta 3ª feira, é que a coalizão demotucana preparou a economia do país para isso ao domar a hiperinflação nos anos 90, privatizar instrumentos importantes da ação pública e  estreitar a inserção internacional do país (via endividamento interno e externo, sem dúvida).

O ciclo de governos do PT  teria desvirtuado esse saudável legado ao restaurar critérios, gastos e ferramentas que devolveram à esfera pública –e às urnas da qual esta depende—o poder de disputar o comando do desenvolvimento com os mercados.

O artigo divulgado  pelo ex-presidente Lula nesta mesma 3ª feira (leia a íntegra, abaixo) sugere o oposto.

Ao contrário da pretensão ortodoxa, mostra a análise escorada em farta artilharia estatística,  os governos do PT souberam extrair avanços  sociais e dinâmicas econômicas promissoras do conflito entre democracia e mercados nos últimos anos. A energia liberada por essa dialética abriu e ampliou  avenidas e liberou e adensou potencialidades secularmente reprimidas pelos centuriões das elites locais.

Ou terá sido pouco, do ponto de vista estritamente econômico, o surgimento de um mercado de massa (o famoso ‘Brasil CDE’, em menção aos três segmentos de renda popular), que representa hoje um consumo de R$ 1,3 trilhão?

Sozinho ele representaria a 16ª maior economia do planeta em poder de consumo. 
Queiram ou não os ortodoxos, esse estirão social e econômico do ciclo petista vai condicionar   o futuro do desenvolvimento brasileiro, sendo muito difícil subtrair-lhe essa prerrogativa, exceto em um horizonte retração das fronteiras da democracia.  

Segundo o Instituto de Pesquisa Data Popular, a lista de compras de 2014 dessa 16ª economia adicionada ao tecido econômico nacional comporta as seguintes grandezas: 10 milhões de viagens de avião, sendo que 3,7 milhões internacionais; 11 milhões de móveis; 6,5 milhões de geladeira;  5,7 milhões de máquinas de lavar;  11 milhões de notebooks; 8,7 milhões de televisores; 5,6 milhões de  tablets; 4,6 milhões desmartphones; 3,8 milhões de carros e cerca de  2 milhões de motos.

Mesmo sob a ótica estritamente capitalista fica difícil menosprezar a gigantesca fila em formação no caixa brasileiro.

A isso as manifestações tucanas pelo 20º aniversário do Plano Real reservaram o adjetivo de ‘desarrumação’.

Da alça de mira credenciada de Edmar Bacha, o economista que fala em nome de Aécio Neves, partiu o seguinte Molotov à black bloc:  ‘Se eleito, Aécio terá que promover o “desfazimento” de tudo que foi realizado nos últimos anos’.

Devolver o manche a quem, a exemplo de Aécio e do PSDB, tem competência para curetar os ‘desequilíbrios’ incorporados ao desenvolvimento latino-americano nos últimos 20 anos, contaria   com um aliado de peso, segundo a avaliação conservadora: a mudança de ciclo na economia mundial.


No raciocínio de Bacha e assemelhados, ela  estreitaria drasticamente a margem de manobra de uma gestão progressista do conflito estrutural entre a democracia e  mercados na condução do desenvolvimento.

Esse jogo está sendo jogado. 

Se o placar final vai dizer que, de fato, esgotou a viabilidade de uma construção negociada da democracia social na América Latina nos marcos da economia de mercado é impossível prever.

A bola está rolando.

A delegação reiterada pelos eleitores a Lula e Dilma, para promover ‘mudanças’ que 67% desejam para o Brasil, de acordo com o Datafolha, sugere que o tempo de jogo é bem maior do que pretende a torcida conservadora de boca grudada no alambrado.

 Em contrapartida, pelo que se assiste na Venezuela, o time progressista que se prepare: a essa altura do campeonato não se pode nutrir a esperança de que a prorrogação será regida  pelas normas do fair-play que asseguram a lisura do jogo.

O poder ofensivo e defensivo terá que ser repensado.

O tempo passa...

Leia a seguir a aposta de Lula:

Por que o Brasil é o país das oportunidades

Por Luiz Inácio Lula da Silva

Passados cinco anos do início da crise global, o mundo ainda enfrenta suas consequências, mas já se prepara para um novo ciclo de crescimento. As atenções estão voltadas para mercados emergentes como o Brasil. Nosso modelo de desenvolvimento com inclusão social atraiu e continua atraindo investidores de toda parte. É hora de mostrar as grandes oportunidades que o país oferece, num quadro de estabilidade que poucos podem apresentar.

Nos últimos 11 anos, o Brasil deu um grande salto econômico e social. O PIB em dólares cresceu 4,4 vezes e supera US$ 2,2 trilhões. O comércio externo passou de US$ 108 bilhões para US$ 480 bilhões ao ano. O país tornou-se um dos cinco maiores destinos de investimento externo direto. Hoje somos grandes produtores de automóveis, máquinas agrícolas, celulose, alumínio, aviões; líderes mundiais em carnes, soja, café, açúcar, laranja e etanol.

Reduzimos a inflação, de 12,5% em 2002 para 5,9%, e continuamos trabalhando para trazê-la ao centro da meta. Há dez anos consecutivos a inflação está controlada nas margens estabelecidas, num ambiente de crescimento da economia, do consumo e do emprego. Reduzimos a dívida pública líquida praticamente à metade; de 60,4% do PIB para 33,8%. As despesas com pessoal, juros da dívida e financiamento da previdência caíram em relação ao PIB.

Colocamos os mais pobres no centro das políticas econômicas, dinamizando o mercado e reduzindo a desigualdade. Criamos 21 milhões de empregos; 36 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza e 42 milhões alcançaram a classe média.

Quantos países conseguiram tanto, em tão pouco tempo, com democracia plena e instituições estáveis?

A novidade é que o Brasil deixou de ser um país vulnerável e tornou-se um competidor global. E isso incomoda; contraria interesses. Não é por outra razão que as contas do país e as ações do governo tornaram-se objeto de avaliações cada vez mais rigorosas e, em certos casos, claramente especulativas. Mas um país robusto não se intimida com as críticas; aprende com elas.

A dívida pública bruta, por exemplo, ganhou relevância nessas análises. Mas em quantos países a dívida bruta se mantém estável em relação ao PIB, com perfil adequado de vencimentos, como ocorre no Brasil? Desde 2008, o país fez superávit primário médio anual de 2,58%, o melhor desempenho entre as grandes economias. E o governo da presidenta Dilma Rousseff acaba de anunciar o esforço fiscal necessário para manter a trajetória de redução da dívida em 2014.

Acumulamos US$ 376 bilhões em reservas: dez vezes mais do que em 2002 e dez vezes maiores que a dívida de curto prazo. Que outro grande país, além da China, tem reservas superiores a 18 meses de importações? Diferentemente do passado, hoje o Brasil pode lidar com flutuações externas, ajustando o câmbio sem artifícios e sem turbulência. Esse ajuste, que é necessário, contribui para fortalecer nosso setor produtivo e vai melhorar o desempenho das contas externas.

O Brasil tem um sistema financeiro sólido e expandiu a oferta de crédito com medidas prudenciais para ampliar a segurança dos empréstimos e o universo de tomadores. Em 11 anos o crédito passou de R$ 380 bilhões para R$ 2,7 trilhões; ou seja, de 24% para 56,5% do PIB. Quantos países fizeram expansão dessa ordem reduzindo a inadimplência?

O investimento do setor público passou de 2,6% do PIB para 4,4%. A taxa de investimento no país cresceu em média 5,7% ao ano. Os depósitos em poupança crescem há 22 meses. É preciso fazer mais: simplificar e desburocratizar a estrutura fiscal, aumentar a competitividade da economia, continuar reduzindo aportes aos bancos públicos, aprofundar a inclusão social que está na base do crescimento. Mas não se pode duvidar de um país que fez tanto em apenas 11 anos.

Que país duplicou a safra e tornou-se uma das economias agrícolas mais modernas e dinâmicas do mundo? Que país duplicou sua produção de veículos? Que país reergueu do zero uma indústria naval que emprega 78 mil pessoas e já é a terceira maior do mundo?

Que país ampliou a capacidade instalada de eletricidade de 80 mil para 126 mil MW, e constrói três das maiores hidrelétricas do mundo? Levou eletricidade a 15 milhões de pessoas no campo? Contratou a construção de 3 milhões de moradias populares e já entregou a metade?

Qual o país no mundo, segundo a OCDE, que mais aumentou o investimento em educação? Que triplicou o orçamento federal do setor; ampliou e financiou o acesso ao ensino superior, com o Prouni, o FIES e as cotas, e duplicou para 7 milhões as matrículas nas universidades? Que levou 60 mil jovens a estudar nas melhores universidades do mundo? Abrimos mais escolas técnicas em 11 anos do que se fez em todo o Século XX. O Pronatec qualificou mais de 5 milhões de trabalhadores. Destinamos 75% dos royalties do petróleo para a educação.

E que país é apontado pela ONU e outros organismos internacionais como exemplo de combate à desigualdade?

O Brasil e outros países poderiam ter alcançado mais, não fossem os impactos da crise sobre o crédito, o câmbio e o comércio global, que se mantém estagnado. A recuperação dos Estados Unidos é uma excelente notícia, mas neste momento a economia mundial reflete a retirada dos estímulos do Fed. E, mesmo nessa conjuntura adversa, o Brasil está entre os oito países do G-20 que tiveram crescimento do PIB maior que 2% em 2013.

O mais notável é que, desde 2008, enquanto o mundo destruía 62 milhões de empregos, segundo a Organização Internacional do Trabalho, o Brasil criava 10,5 milhões de empregos. O desemprego é o menor da nossa história. Não vejo indicador mais robusto da saúde de uma economia.

Que país atravessou a pior crise de todos os tempos promovendo o pleno emprego e aumentando a renda da população?

Cometemos erros, naturalmente, mas a boa notícia é que os reconhecemos e trabalhamos para corrigi-los. O governo ouviu, por exemplo, as críticas ao modelo de concessões e o tornou mais equilibrado. Resultado: concedemos 4,2 mil quilômetros de rodovias com deságio muito acima do esperado. Houve sucesso nos leilões de petróleo, de seis aeroportos e de 2.100 quilômetros de linhas de transmissão de energia.

O Brasil tem um programa de logística de R$ 305 bilhões. A Petrobras investe US$ 236 bilhões para dobrar a produção até 2020, o que vai nos colocar entre os seis maiores produtores mundiais de petróleo. Quantos países oferecem oportunidades como estas?

A classe média brasileira, que consumiu R$ 1,17 trilhão em 2013, de acordo com a Serasa/Data Popular, continuará crescendo. Quantos países têm mercado consumidor em expansão tão vigorosa?

Recentemente estive com investidores globais no Conselho das Américas, em Nova Iorque, para mostrar como o Brasil se prepara para dar saltos ainda maiores na nova etapa da economia global. Voltei convencido de que eles têm uma visão objetiva do país e do nosso potencial, diferente de versões pessimistas. O povo brasileiro está construindo uma nova era – uma era de oportunidades. Quem continuar acreditando e investindo no Brasil vai ganhar ainda mais e vai crescer junto com o nosso país.

(*) Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente da República e presidente de honra do PT

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

ELES REPETEM BUSH EM NOVA ORLEANS

 *Corrupção tucana: o depoimento do jornalista que fez a denúncia pioneira.

** Ouçam as sirenes: é a intervenção em marcha na Síria.

** Martin Luther King (1963): 'I have a dream'; Barak Obama (2013): 'I have a drone'.




Há oito anos, no dia 26 de agosto de 2005, o furacão Katrina chegou aos EUA. No dia 29 atingiria Nova Orleans. Desencadearia uma espiral de devastação que associou desabamentos, inundações, afogamento, fome, sede e saques. Pretos, pobres, velhos e crianças foram as principais vítimas do desastre que custou 1.800 vidas. O governo Bush demorou quatro dias para reagir. Uma semana após o ciclone, áreas continuavam isoladas; populações desassistidas. A popularidade do republicano  vergou sob o peso dos mortos. Não era uma guerra, não cabiam desculpas patrióticas. Novas Orleans deixou patente a inadequação social de um governo que se evocava um anexo dos mercados. Em meio ao desespero, Fidel Castro  ofereceu ajuda.  Cuba se propôs  a colocar 1.600 médicos experimentados em catástrofes para atuar em Nova Orleans. ‘Em 48 horas', prontificou-se o governo cubano. Bush ignorou. Fidel insistiu. Cuba providenciaria  todo o equipamento necessário e 36 toneladas de medicamentos. Silêncio. Há um ciclone de abandono e isolamento médico cujo vórtice atinge cerca de 3500 municípios brasileiros. A  exemplo de Bush, o conservadorismo local prefere ver a pobreza morrer doente a ter um médico cubano prestando assistência emergencial nas áreas mais  carentes do país. Se dependesse dos gásparis, elianes, tucanos e assemelhados o Katrina da carência médica continuaria a devastar o Brasil miserável, enquanto eles pontificam elevadas razões humanistas para recusar a ajuda emergencial de Cuba. (LEIA  MAIS AQUILeia também dois textos do dossiê ‘Cuba', do Instituto de Estudos Avançados da USP:  um oportuno panorama dos avanços da medicina na ilha; e os desafios de atualização do projeto socialista cubano)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A intransigência da imprensa brasileira com Lula


*Aécio na propaganda do PSDB, 3ª feira:  "os preços dos alimentos não param de subir"**IBGE, nesta 4ª feira: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 desacelerou em maio mais do que o esperado, refletindo um avanço menor dos preços de alimentos, com alta de 0,47, ante 1% em abril'


LULA: 'NINGUÉM VAI PENSAR A AL POR NÓS'   
    

"Na crise de 2008, chamei o presidente do Banco Central e o

ministro da Fazenda e disse que destinassem dinheiro para o Uruguai e para a Argentina. Não o fizeram. A China fez. Mas o Brasil não necessita 400 bilhões de dólares de reservas. Hoje poderíamos usar esse dinheiro para financiar a integração aqui e no continente africano. Pensemos, imaginemos. Às vezes me dá a impressão de que os intelectuais da América Latina deixaram de pensar depois da queda do Muro de Berlim. Há menos canções, menos livros... Me lembro de uma conversa com Fidel. Um dia ele me disse que tinha ensinado ao seu povo a história equivocada. Era a história russa, com seus bons que de repente se convertiam em maus, e seus maus que de um dia para o outro se transformavam em bons. ‘Sabe, Lula', me disse Fidel. ‘Estou arrependido de não ter ensinado ao meu povo a história da América Latina'. Eu digo: façamos isso. Tentarei ser o animador e o provocador para que pensemos de novo em nós."(Lula, em debate com intelectuais na Argentina; leia nesta página o relato do encontro na reportagem de Martín Granovsky.)


A intransigência da imprensa brasileira com Lula


Lula, segundo certa imprensa paulistana, seria o populista que teria seduzido, com seu carisma, a massa mais desinformada dos eleitores e se beneficiaria eleitoralmente com suas políticas, para a “sustentação da pobreza”, como é o caso do Bolsa Família. A existência de preconceito elitista e hierárquico em certa imprensa brasileira se evidenciava nos editoriais a que se recorria, nos quais constavam referências à origem social do presidente ou a sua ausência de estudos. Por Ariel Goldstein.


Buenos Aires - “Populista do mais baixo nível” que faria “apologia de sua indigência cultural” (O Estado de São Paulo, 22/07/2005), com seu “mal disfarçado desdém pela educação”. Lula, segundo certa imprensa paulistana, seria o populista que teria seduzido, com seu carisma, a massa mais desinformada dos eleitores e se beneficiaria eleitoralmente com suas políticas, para a “sustentação da pobreza”, como é o caso do Bolsa Família, que “não modifica a posição social, mas contribui decisivamente para a votação do presidente”. (O Estado de São Paulo 30-06-2006).

As acusações durante o período mais difícil mandato de Lula (2003-2006) tinham múltiplas variantes, mas especialmente a de populista e de fazer apologia de sua “indigência cultural” sobressaiam. A imprensa paulista, em sua visão mais plural moderada da Folha de São Paulo e na visão mais liberal conservadora de O Estado de São Paulo, apresentava um consenso ao acusar o governo de corrupção e do populismo lulista-chavista, que teria se entregue a uma política externa “bolivariana”.

A existência de preconceito elitista e hierárquico em certa imprensa brasileira se evidenciava nos editoriais a que se recorria, nos quais constavam referências à origem social do presidente ou a sua ausência de estudos, ou ao seu desconhecimento do inglês, para explicar os seus supostos erros. Quer dizer, interpretavam as ações políticas do mandatário em função das limitações para levar-lhes a cabo, dada a sua origem social. Deste modo, não existia margem para uma avaliação autônoma de sua ação política, mas esta era interpretada desde o começo como resultado de seus condicionamentos derivados de sua origem social.

A denominação desrespeitadora de populista operava como desqualificação daquele que estabelecia com os setores populares uma relação de identificação, que apelava a um componente emotivo, produzindo nesses setores um horizonte imaginativo de melhora da qualidade de vida. Neste sentido, tanto as denominações de populista como de chavista, em relação a Lula, cumpriram um papel similar nos editoriais: denominações esvaziadas de significado e reutilizadas em função da desqualificação de forma conservadora do governo de Lula e do seu exercício da política, designando seu afã pela “divisão social do país”, o “exercício autocrático” do poder e o enfrentamento entre setores sociais.

Talvez assim se entenda os motivos de o presidente assinalar que “a impressão que tenho é que todo o ódio que (os donos das empresas de mídia) têm do PT e a bronca que têm comigo se deve às coisas boas que nós fazemos, não às más”.

(*) Sociólogo pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e bolsista do Conicet, no Instituto de Estudos da América Latina e Caribe (Iealc).

Tradução: Katarina Peixoto


Os projetos de Lula

Lula encerrou sua recente visita à Argentina com uma reunião na Embaixada do Brasil. O jornalista Martín Granovsky, do Página 12, foi um dos 40 convidados e conta agora como e por que o ex-presidente se comprometeu a impulsionar a integração sul-americana.

Um presidente nunca diz que se angustia. Senão, o que sobra para os governados? Um ex-presidente sim pode dar-se esse luxo. O resultado é apaixonante se o ex se chama Luiz Inácio Lula da Silva e tem uma capacidade única de transmissão intelectual e emotiva.

Exemplo 1: “Ou crescemos juntos ou ficaremos pobres todos juntos”.

Exemplo 2: “Quando entreguei o mandato a Dilma, disse a ela que ia necessitar muitos dobermanns. Disse que, em cada decisão importante que ela tomasse, tinha que botar um cão atrás, porque, se não, não haveria nenhum resultado”.

Lula falou na embaixada do Brasil na Argentina, que organizou um encontro com 40 intelectuais, políticos, economistas e empresários junto com o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e o Instituto Lula. Foi na sexta-feira (17) à tarde e os presentes fizeram chegar ao embaixador Enio Cordeiro: “Presidente, neste grupo ninguém pensa como o outro”. Antes, o presidente que governou o Brasil durante oito anos, recebeu oito doutorados honoris causa. “Para o Guinness”, brincou o senador e ex-ministro de Educação argentino Daniel Filmus, coordenador dos doutorados junto com Pablo Gentili, o secretário executivo do Clacso.

O ex-presidente brasileiro estava acompanhado por Luiz Dulci, ex-secretário geral da Presidência durante seu governo e membro do Instituto Lula. Dulci, que acaba de publicar um livro sobre os dez anos de governo encabeçado pelo PT, “Um salto para o futuro”, disse que o instituto está firmando acordos com organismos multilaterais e que trabalhará cada vez mais em uma doutrina da integração. “Não se trata de substituir os Estados, mas às vezes é difícil para os Estados avançarem em determinados temas.”

Lula explicou que o instituto antes se chamava Instituto da Cidadania. “O programa Fome Zero foi desenhado ali”, contou, sobre o trabalho prévio às eleições vitoriosas de 2002. Disse que alguns contatos excediam o marco do PT e que, por isso, recebia gente no instituto. Ou seja, uma preparação completa para o governo que viria. Sobre o futuro, Lula reforçou a promessa de Dulci e a ampliou para a África. 

“Durante meu governo visitei sete países do Oriente Médio, todos os países da América Latina e do Caribe e 33 países africanos em 39 viagens”. Lula não tocou no tema, mas além da América do Sul, a grande base de votos para que o brasileiro Ricardo Azevedo ganhasse a direção da Organização Mundial de Comércio foi a África.

De terno escuro e gravata listrada com as cores do Brasil e da Argentina, Lula passou mais de três horas debatendo, um pouco sentado, um pouco em pé. Antes de abrir o espaço para comentários e perguntas, fez algumas a si próprio. “Tem que criar uma doutrina da integração. O que é a integração? É comercial? É comercial e social? Envolve as universidades? Ainda não está tudo claro para nós. Cada vez que Hugo Chávez falava da espada de Bolívar, eu dizia para ele: ‘Chávez, não necessitamos mais a espada de Bolívar, mas um banco de desenvolvimento, estradas, pontes...'”.

Lula mencionou Chávez muitas vezes, com carinho e com picardia. Um morto não pode se queixar pela revelação de segredos que, de outra forma, servem para entender que tipo de dificuldades um presidente enfrenta, inclusive quando tem legalidade, legitimidade e popularidade. Como o ex-chanceler Jorge Taiana estava presente, Lula o pegou de comparsa. 

“Talvez, um dia, Taiana, Enio e eu possamos contar como são as reuniões presidenciais e as sequências das decisões. Firmamos um acordo, um protocolo de intenções, e quando termina o mandato de quatro ou cinco anos, não se fez nada. Porque quando esta reunião terminou, vem outra reunião e outro protocolo, e, às vezes, além disso, não tem muita gente interessada em fazer o seguimento das decisões. Taiana sabe bem como se queixava o pobre Chávez. Quase todas as reuniões terminavam com Chávez brigando com o pobre Maduro. ‘Não vou assinar o documento porque não o li .’ E olhava a câmera da Telesur. ‘Por que os burocratas não me deram o documento antes? ’ Então eu me levantava e lhe contava minha angústia.” E aí foi que contou sua ideia dos dobermanns.

Na verdade, ainda que não tenha aparecido na reunião da embaixada brasileira, quem se aproximou de um sistema de dobermann foi o presidente chileno Ricardo Lagos. Seu chefe de assessoria, Ernesto Ottone, enviava a cada reunião de Lagos um funcionário que depois se encarregaria do seguimento. Em outro estilo, para algumas decisões, Kirchner telefonava no ato para toda a cadeia de funcionários que se faria responsável pelo cumprimento de uma decisão sua.

“Uma vez eu e o Chávez estivemos a ponto de despedir juntos os presidentes da Petrobras e da PDVSA porque não haviam levado à prática um acordo que havíamos chegado”, disse. “O mesmo aconteceu com a Argentina e o mesmo com outros países. Quando os presidentes estão dispostos e convencidos, as coisas devem ser feitas diante deles e não depois da reunião. Não se pode trabalhar na integração se a gente cede às pressões de um grupo.”

A falta de resultados tem um problema que Lula tocou. “Quando você chega ao governo e não consegue fazer as coisas que se esperam de você, as pessoas se afastam. Mas muitos, ao contrário, quando algo não acontece, perseveram.”

Pensamento próprio
E as reuniões como a de sexta-feira, servem para algo? “Há uma carência motivacional”, disse Lula. “Aparecem bons diagnósticos e boas propostas, mas depois devem ser assumidas pelos políticos.”

O ex-presidente aproveitou esse momento para levantar um livro no ar. É de capa vermelha e o título é: ‘Dez anos de governos pós-neoliberais no Brasil – Lula e Dilma’. É uma coletânea de 21 trabalhos realizada por Emir Sader, ex-secretário do Clacso, antes de Gentili, que foi quem escreveu o capítulo educativo porque, como disse Lula, “é um argentino importado pelo Brasil”. Para que não restem dúvidas da margem que Lula quer para decisões que não são de governo, mas de análise feita por gente com pensamento próprio, disse: “A única coisa minha neste livro é o nome no título, porque os autores trabalharam com toda a liberdade”.

Lula parece se preocupar com o beco sem saída que se produz quando os funcionários e os políticos não se acostumam a viver dentro da contradição. “Se as divergências fossem um problema, o PT não existiria. Não tem nada que tenha mais divergências que o PT.” Também se vê preocupado com as profecias autocumpridas segundo as quais nada diferente será possível. 

“Nasci em uma região onde muitas crianças morrem antes dos cinco anos e eu não morri. Quando entrei no sindicato, me disseram que não poderia fazer nada porque a estrutura sindical do Brasil era uma cópia fiel da ‘Carta del Lavoro’ de Benito Mussolini. Sem que a lei se modificasse sequer uma linha, em apenas três anos mudamos a vida sindical. Depois nos disseram que não havia espaço para um partido político. Em três anos criamos o PT, que nasceu em 1980. Que um operário metalúrgico chegasse à presidência era impensável. Conseguimos. Portanto, podemos produzir uma doutrina para que nossos presidentes pensem estrategicamente. É o compromisso que assumo. Não sei se o cumprirei, mas vou tentar.”

Como avançar
Lula alertou contra “as brigas entre nós”. Citou o caso da Rodada de Doha, que terminou em 2008 sem resultados. Foi discreto: omitiu afirmar que as diferenças essenciais no final se produziram entre o Brasil e a Argentina. “Ali não avançamos, mas não acontecerá mais. Se não construirmos um pensamento estratégico, vamos perder inclusive o que já construímos. E não é questão de defeitos. Todos os temos. Tivemos os presidentes daquele momento: Néstor Kirchner, Hugo Chávez, Ricardo Lagos, Tabaré Vázquez, eu... Mas se analisarmos nossas relações tal como estavam em 2000 e como são agora, vamos ver que avançamos extraordinariamente.”

Lula costuma fazer um contraponto permanente entre o resgate do bom, porque é um obsessivo da autoestima coletiva, e a sugestão de desafios, porque se mostra otimista, mas não tem a noção fanática de que as coisas, as más, mas também as boas, são inexoráveis. “Se não consolidarmos os avanços como política de Estado, criando parlamentos e instituições multilaterais, qualquer governante de direita pode terminar com tudo. Sobretudo no Brasil. Estejam seguros de que esse presidente brasileiro dará as costas à América do Sul, porque sua cabeça está colonizada pela Europa e pelos Estados Unidos.” E continuou Lula, em pé, microfone na mão e olhando para os lados, movendo as mãos como o orador sindical que foi ou que é, confessando que hoje vê coisas que não via quando era presidente. “Coisas nas quais poderíamos ter avançado e não avançamos. Por que não avançamos na ONU? O Egito e a Nigéria queriam ser membros permanentes do Conselho de Segurança, mas não disseram. A Argentina, o Brasil e o México também. Não discutimos o essencial: seja quem for, quando for, não pode investir numa representação individual, mas coletiva, do continente. Mas nunca aprofundamos essa discussão. E são 10 anos meus e de Dilma, 12 de Chávez, 10 de Néstor e Cristina. Meia geração cresceu sem que discutíssemos o tema. Com o comércio, a mesma coisa. É importante porque gera desenvolvimento, lucro, empregos.”

Gripe ou pneumonia
Em sua intervenção, o tabuleiro do mundo sempre esteve presente. Para ele, na Europa “uma gripe se transformou em uma pneumonia”. Segundo Lula, “é ridículo que a Europa culpe a Grécia ou o Chipre enquanto nenhum banqueiro está preso”.

A indústria também. “Temos que aproveitar o tipo de pessoas que hoje estão nos diferentes governos para fazer o que temos que fazer. Não é ruim exportar commodities quando o preço está bom. É ruim quando o preço está baixo. Mas em nível internacional devemos discutir o valor dos produtos. Por que a comida vale tão pouco e um chip vale tão caro? Na década de 70, os Estados Unidos decidiram levar o corpo das indústrias para a China e ficar com a cabeça, com os serviços. Agora, com esta crise, se deram conta de que a cabeça sem o corpo não é um ser humano, é um busto. Assim, agora discutem como reindustrializar os Estados Unidos.”

O animador
Um fantasma, às vezes, é o papel do Brasil, o gigante da região. Inclusive é um fantasma quando já ninguém repete disparates sobre hipóteses de conflito bélico. Como Lula queria desmontá-lo, abordou o ponto. “O Brasil não pode crescer sozinho. E o Brasil tem mais responsabilidade que o resto. Na crise de 2008, chamei o presidente do Banco Central e o ministro da Fazenda e disse que destinassem dinheiro para o Uruguai e para a Argentina. Não o fizeram. A China fez. Mas o Brasil não necessita 400 bilhões de dólares de reservas. Hoje poderíamos usar esse dinheiro para financiar a integração aqui e no continente africano. Pensemos, imaginemos. Às vezes me dá a impressão de que os intelectuais da América Latina deixaram de pensar depois da queda do Muro de Berlim. Há menos canções, menos livros... Me lembro de uma conversa com Fidel. Um dia ele me disse que tinha ensinado ao seu povo a história equivocada. Era a história russa, com seus bons que de repente se convertiam em maus, e seus maus que de um dia para o outro se transformavam em bons. ‘Sabe, Lula’, me disse Fidel. ‘Estou arrependido de não ter ensinado ao meu povo a história da América Latina’. Eu digo: façamos isso. Tentarei ser o animador e o provocador para que pensemos de novo em nós.”

Os comentários
Antes da última intervenção de Lula no seminário, vários participantes perguntaram ou fizeram comentários.

Taiana disse que há um ponto delicado: “Alcançamos certo patamar na integração, estamos entrando em uma meseta, quando há dificuldades a reação natural é se retrair diante do medo e o que não avançarmos significará que vamos retroceder”.

O consultor Rosendo Fraga disse que o Mercosul e a Unasul demonstraram “grande eficácia frente aos imprevistos como os que se produziram na Venezuela, na Colômbia e no Equador, mas certa ineficácia para enfrentar os conflitos históricos”. Citou que o Chile e o Peru tenham recorrido à corte de Haya, e o mesmo aconteceu com Bolívia e Chile. Lula agregaria que tampouco o conflito das papeleiras entre o Uruguai e a Argentina se resolveu no marco sul-americano. Fraga se queixou de que na Argentina “não se pode ver um canal brasileiro por TV a cabo e não temos uma rádio que transmita em português”.

Félix Peña, ex-subsecretário de Guido Di Tella (que foi ministro de relações exteriores da Argentina no governo Menem – N do T) e hoje está na Universidade de Tres de Febrero, pediu um “Relatório Lula” sobre como trabalhar na América do Sul.

Sergio Berenztein, da consultoria Poliarquía, sugeriu para o Mercosul um avanço por passos. “Incremental, minimalista”, disse.

O reitor da Universidade de Cuyo, Arturo Somoza, insistiu na necessidade do intercâmbio cultural e no peso das decisões políticas.

O ex-chanceler Adalberto Rodríguez Giavarini, que foi ministro de Fernando de la Rúa, disse que a integração e os direitos humanos “são políticas de Estado nos últimos 30 anos”. Recomendou “fortalecer o diálogo Pacífico-Atlântico para entrarmos na dinâmica da negociação global, porque vamos enfrentar tensões e já as estamos enfrentando, e o Brasil terá dois guarda-chuvas”.

Rafael Follonier, colaborador de Néstor e Cristina Kirchner com grau de secretário de Estado e agora a cargo de investigar os crimes contra seguidores do chavismo na última campanha eleitoral na Venezuela, disse que “o posicionamento do Brasil como ator global se deu no marco da última etapa do processo de integração sul-americana”. Pediu “um fortíssimo relançamento da Unasul” e afirmou: “Seria bom que o Lula nos ajudasse a resolver a próxima etapa do organismo que criou com os outros presidentes”.

O ex-presidente da União Industrial Argentina, e ex-ministro de Eduardo Duhalde, José Ignacio de Mendigurem, conclamou a “não deixar passar o tempo e nos deixar tentar com o canto da sereia da primarização da economia, porque, apesar do enorme período de crescimento, a participação industrial no PIB dos dois países diminuiu”.

O reitor da Untref Aníbal Jozami pediu que fosse formado “um grupo de delirantes que discuta uma união com o Brasil”.

Alberto Ferrari Etcheberry, ex-subsecretário de Assuntos Latino-americanos de Raúl Alfonsín e um dos negociadores de então para chegar à integração com o Brasil, além de ser quem convidou Lula para sua primeira visita à Argentina em 1999, lembrou o que é a cidadania entre os vizinhos. “Com a Constituição de 1988 e com a presença decisiva do PT, essencial para a queda de Fernando Collor de Mello, surgiu a democracia de massas pela primeira vez.” E acrescentou: “Com Lula terminaria a história dos Bragança no Brasil. Lula foi o primeiro Silva. E depois veio Dilma, que também se chama Silva”. Para Ferrari, entre os dois países “não se avançou o suficiente em conhecer-se e, sobretudo, em conhecer as diferenças”.

O uruguaio Gerardo Caetano disse que “para esta nova etapa, mais do mesmo não basta”.

Pino Solanas lamentou que “em dez anos não resolvemos nem o Banco do Sul” e disse que “a América Latina não pode ser o paradigma de um consenso sobre as commodities”.

O deputado da Unidade Popular Víctor de Gennaro advertiu que “o genocídio deixou a ideia de que, por medo, se tem que evitar o pior e ser sobreviventes” e opinou que “temos direito de viver felizes”.

Pablo Gentilli, como organizador, expressou seu compromisso de continuar ajudando a coordenação de centros de estudo, políticos e investigadores.

Filmus, outro dos organizadores da visita de Lula e membro do Conselho Acadêmico da recém-inaugurada Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho, autocriticou “o escasso esforço legislativo para trabalhar em forma conjunta, o déficit de diplomacia parlamentar e o avanço lento no ensino de português e espanhol, a ponto de que cientistas argentinos e brasileiros se comunicam em inglês”.

Tradução: Liborio Júnior
Fotos: EBC