Esgotou a viabilidade de uma construção negociada da democracia social na AL, nos marcos da economia de mercado? O clássico truncado na Venezuela sugere que sim
por: Saul Leblon
por: Saul Leblon
A tentativa de construir uma democracia social na América Latina – a região mais desigual do planeta-- tornou-se um espinho na garganta do jogral conservador.
Equiparar a igualdade de direitos civis ao seu equivalente no campo econômico significa levar a sério a democracia como o regime intrinsecamente dotado de meios para dilatar seus próprios fins.
No limite, e em tese, significa não pedir autorização ao dinheiro para transformar carências em direitos e dívidas históricas em lei.
A última palavra dependeria da competência progressista para adensar força e consentimento majoritário aos seus projetos e plataformas.
A experiência histórica latino-americana está coalhada de interpretações controversas acerca desse mandato atrelado à formação das grandes maiorias.
A coleção de golpes de Estado espetados nas entranhas de seus distintos países sugere que o princípio que equipara cada cidadão a um voto promete mais do que as elites locais estão dispostas a conceder.
O mercado fala por elas.
De um modo muito grosseiro, e ao largo das particularidades locais –o financiamento privado de campanhas no Brasil, por exemplo, distorce essa equivalência -- pode-se dizer que é em torno dessa dupla contradição que se trava a luta pelo desenvolvimento nos dias que correm.
Mercados e seu aparato ideológico dedicam-se diuturnamente à tarefa de capturar o imaginário social, algemar o Estado e amordaçar instituições para vestir o enforcador no pescoço da democracia, apartando-a dos interesses majoritários da sociedade.
Movimentos progressistas, ao contrário, empenham-se na interminável repactuação de maiorias para submeter a lógica do dinheiro ao imperativo da democracia social, no passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.
Toda assepsia que o neoliberalismo se empenha em promover na profundidade e abrangência da ação pública e estatal persegue esse objetivo de emascular as ferramentas da democracia.
Alto-falantes da emissão conservadora martelam diuturnamente a superioridade dos livres mercados para alocar recursos ao menor custo e com maior eficiência.
O oposto é esgrimido como um desastre inelutável.
O papel da democracia, desse ponto de vista, seria manso.
Limitar-se-ia a sancionar o livre arbítrio de uma economia desregulada, para que a sua ‘imanente racionalidade’ pudesse se traduzir em geração de riqueza e ganhos de eficiência.
O que os tucanos ecoaram na efeméride dos 20 anos do Plano Real, nesta 3ª feira, é que a coalizão demotucana preparou a economia do país para isso ao domar a hiperinflação nos anos 90, privatizar instrumentos importantes da ação pública e estreitar a inserção internacional do país (via endividamento interno e externo, sem dúvida).
O ciclo de governos do PT teria desvirtuado esse saudável legado ao restaurar critérios, gastos e ferramentas que devolveram à esfera pública –e às urnas da qual esta depende—o poder de disputar o comando do desenvolvimento com os mercados.
O artigo divulgado pelo ex-presidente Lula nesta mesma 3ª feira (leia a íntegra, abaixo) sugere o oposto.
Ao contrário da pretensão ortodoxa, mostra a análise escorada em farta artilharia estatística, os governos do PT souberam extrair avanços sociais e dinâmicas econômicas promissoras do conflito entre democracia e mercados nos últimos anos. A energia liberada por essa dialética abriu e ampliou avenidas e liberou e adensou potencialidades secularmente reprimidas pelos centuriões das elites locais.
Ou terá sido pouco, do ponto de vista estritamente econômico, o surgimento de um mercado de massa (o famoso ‘Brasil CDE’, em menção aos três segmentos de renda popular), que representa hoje um consumo de R$ 1,3 trilhão?
Sozinho ele representaria a 16ª maior economia do planeta em poder de consumo.
Queiram ou não os ortodoxos, esse estirão social e econômico do ciclo petista vai condicionar o futuro do desenvolvimento brasileiro, sendo muito difícil subtrair-lhe essa prerrogativa, exceto em um horizonte retração das fronteiras da democracia.
Segundo o Instituto de Pesquisa Data Popular, a lista de compras de 2014 dessa 16ª economia adicionada ao tecido econômico nacional comporta as seguintes grandezas: 10 milhões de viagens de avião, sendo que 3,7 milhões internacionais; 11 milhões de móveis; 6,5 milhões de geladeira; 5,7 milhões de máquinas de lavar; 11 milhões de notebooks; 8,7 milhões de televisores; 5,6 milhões de tablets; 4,6 milhões desmartphones; 3,8 milhões de carros e cerca de 2 milhões de motos.
Mesmo sob a ótica estritamente capitalista fica difícil menosprezar a gigantesca fila em formação no caixa brasileiro.
A isso as manifestações tucanas pelo 20º aniversário do Plano Real reservaram o adjetivo de ‘desarrumação’.
Da alça de mira credenciada de Edmar Bacha, o economista que fala em nome de Aécio Neves, partiu o seguinte Molotov à black bloc: ‘Se eleito, Aécio terá que promover o “desfazimento” de tudo que foi realizado nos últimos anos’.
Devolver o manche a quem, a exemplo de Aécio e do PSDB, tem competência para curetar os ‘desequilíbrios’ incorporados ao desenvolvimento latino-americano nos últimos 20 anos, contaria com um aliado de peso, segundo a avaliação conservadora: a mudança de ciclo na economia mundial.
No raciocínio de Bacha e assemelhados, ela estreitaria drasticamente a margem de manobra de uma gestão progressista do conflito estrutural entre a democracia e mercados na condução do desenvolvimento.
Esse jogo está sendo jogado.
Se o placar final vai dizer que, de fato, esgotou a viabilidade de uma construção negociada da democracia social na América Latina nos marcos da economia de mercado é impossível prever.
A bola está rolando.
A delegação reiterada pelos eleitores a Lula e Dilma, para promover ‘mudanças’ que 67% desejam para o Brasil, de acordo com o Datafolha, sugere que o tempo de jogo é bem maior do que pretende a torcida conservadora de boca grudada no alambrado.
Em contrapartida, pelo que se assiste na Venezuela, o time progressista que se prepare: a essa altura do campeonato não se pode nutrir a esperança de que a prorrogação será regida pelas normas do fair-play que asseguram a lisura do jogo.
O poder ofensivo e defensivo terá que ser repensado.
O tempo passa...
Leia a seguir a aposta de Lula:
Por que o Brasil é o país das oportunidades
Por Luiz Inácio Lula da Silva
Passados cinco anos do início da crise global, o mundo ainda enfrenta suas consequências, mas já se prepara para um novo ciclo de crescimento. As atenções estão voltadas para mercados emergentes como o Brasil. Nosso modelo de desenvolvimento com inclusão social atraiu e continua atraindo investidores de toda parte. É hora de mostrar as grandes oportunidades que o país oferece, num quadro de estabilidade que poucos podem apresentar.
Nos últimos 11 anos, o Brasil deu um grande salto econômico e social. O PIB em dólares cresceu 4,4 vezes e supera US$ 2,2 trilhões. O comércio externo passou de US$ 108 bilhões para US$ 480 bilhões ao ano. O país tornou-se um dos cinco maiores destinos de investimento externo direto. Hoje somos grandes produtores de automóveis, máquinas agrícolas, celulose, alumínio, aviões; líderes mundiais em carnes, soja, café, açúcar, laranja e etanol.
Reduzimos a inflação, de 12,5% em 2002 para 5,9%, e continuamos trabalhando para trazê-la ao centro da meta. Há dez anos consecutivos a inflação está controlada nas margens estabelecidas, num ambiente de crescimento da economia, do consumo e do emprego. Reduzimos a dívida pública líquida praticamente à metade; de 60,4% do PIB para 33,8%. As despesas com pessoal, juros da dívida e financiamento da previdência caíram em relação ao PIB.
Colocamos os mais pobres no centro das políticas econômicas, dinamizando o mercado e reduzindo a desigualdade. Criamos 21 milhões de empregos; 36 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza e 42 milhões alcançaram a classe média.
Quantos países conseguiram tanto, em tão pouco tempo, com democracia plena e instituições estáveis?
A novidade é que o Brasil deixou de ser um país vulnerável e tornou-se um competidor global. E isso incomoda; contraria interesses. Não é por outra razão que as contas do país e as ações do governo tornaram-se objeto de avaliações cada vez mais rigorosas e, em certos casos, claramente especulativas. Mas um país robusto não se intimida com as críticas; aprende com elas.
A dívida pública bruta, por exemplo, ganhou relevância nessas análises. Mas em quantos países a dívida bruta se mantém estável em relação ao PIB, com perfil adequado de vencimentos, como ocorre no Brasil? Desde 2008, o país fez superávit primário médio anual de 2,58%, o melhor desempenho entre as grandes economias. E o governo da presidenta Dilma Rousseff acaba de anunciar o esforço fiscal necessário para manter a trajetória de redução da dívida em 2014.
Acumulamos US$ 376 bilhões em reservas: dez vezes mais do que em 2002 e dez vezes maiores que a dívida de curto prazo. Que outro grande país, além da China, tem reservas superiores a 18 meses de importações? Diferentemente do passado, hoje o Brasil pode lidar com flutuações externas, ajustando o câmbio sem artifícios e sem turbulência. Esse ajuste, que é necessário, contribui para fortalecer nosso setor produtivo e vai melhorar o desempenho das contas externas.
O Brasil tem um sistema financeiro sólido e expandiu a oferta de crédito com medidas prudenciais para ampliar a segurança dos empréstimos e o universo de tomadores. Em 11 anos o crédito passou de R$ 380 bilhões para R$ 2,7 trilhões; ou seja, de 24% para 56,5% do PIB. Quantos países fizeram expansão dessa ordem reduzindo a inadimplência?
O investimento do setor público passou de 2,6% do PIB para 4,4%. A taxa de investimento no país cresceu em média 5,7% ao ano. Os depósitos em poupança crescem há 22 meses. É preciso fazer mais: simplificar e desburocratizar a estrutura fiscal, aumentar a competitividade da economia, continuar reduzindo aportes aos bancos públicos, aprofundar a inclusão social que está na base do crescimento. Mas não se pode duvidar de um país que fez tanto em apenas 11 anos.
Que país duplicou a safra e tornou-se uma das economias agrícolas mais modernas e dinâmicas do mundo? Que país duplicou sua produção de veículos? Que país reergueu do zero uma indústria naval que emprega 78 mil pessoas e já é a terceira maior do mundo?
Que país ampliou a capacidade instalada de eletricidade de 80 mil para 126 mil MW, e constrói três das maiores hidrelétricas do mundo? Levou eletricidade a 15 milhões de pessoas no campo? Contratou a construção de 3 milhões de moradias populares e já entregou a metade?
Qual o país no mundo, segundo a OCDE, que mais aumentou o investimento em educação? Que triplicou o orçamento federal do setor; ampliou e financiou o acesso ao ensino superior, com o Prouni, o FIES e as cotas, e duplicou para 7 milhões as matrículas nas universidades? Que levou 60 mil jovens a estudar nas melhores universidades do mundo? Abrimos mais escolas técnicas em 11 anos do que se fez em todo o Século XX. O Pronatec qualificou mais de 5 milhões de trabalhadores. Destinamos 75% dos royalties do petróleo para a educação.
E que país é apontado pela ONU e outros organismos internacionais como exemplo de combate à desigualdade?
O Brasil e outros países poderiam ter alcançado mais, não fossem os impactos da crise sobre o crédito, o câmbio e o comércio global, que se mantém estagnado. A recuperação dos Estados Unidos é uma excelente notícia, mas neste momento a economia mundial reflete a retirada dos estímulos do Fed. E, mesmo nessa conjuntura adversa, o Brasil está entre os oito países do G-20 que tiveram crescimento do PIB maior que 2% em 2013.
O mais notável é que, desde 2008, enquanto o mundo destruía 62 milhões de empregos, segundo a Organização Internacional do Trabalho, o Brasil criava 10,5 milhões de empregos. O desemprego é o menor da nossa história. Não vejo indicador mais robusto da saúde de uma economia.
Que país atravessou a pior crise de todos os tempos promovendo o pleno emprego e aumentando a renda da população?
Cometemos erros, naturalmente, mas a boa notícia é que os reconhecemos e trabalhamos para corrigi-los. O governo ouviu, por exemplo, as críticas ao modelo de concessões e o tornou mais equilibrado. Resultado: concedemos 4,2 mil quilômetros de rodovias com deságio muito acima do esperado. Houve sucesso nos leilões de petróleo, de seis aeroportos e de 2.100 quilômetros de linhas de transmissão de energia.
O Brasil tem um programa de logística de R$ 305 bilhões. A Petrobras investe US$ 236 bilhões para dobrar a produção até 2020, o que vai nos colocar entre os seis maiores produtores mundiais de petróleo. Quantos países oferecem oportunidades como estas?
A classe média brasileira, que consumiu R$ 1,17 trilhão em 2013, de acordo com a Serasa/Data Popular, continuará crescendo. Quantos países têm mercado consumidor em expansão tão vigorosa?
Recentemente estive com investidores globais no Conselho das Américas, em Nova Iorque, para mostrar como o Brasil se prepara para dar saltos ainda maiores na nova etapa da economia global. Voltei convencido de que eles têm uma visão objetiva do país e do nosso potencial, diferente de versões pessimistas. O povo brasileiro está construindo uma nova era – uma era de oportunidades. Quem continuar acreditando e investindo no Brasil vai ganhar ainda mais e vai crescer junto com o nosso país.
(*) Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente da República e presidente de honra do PT
Equiparar a igualdade de direitos civis ao seu equivalente no campo econômico significa levar a sério a democracia como o regime intrinsecamente dotado de meios para dilatar seus próprios fins.
No limite, e em tese, significa não pedir autorização ao dinheiro para transformar carências em direitos e dívidas históricas em lei.
A última palavra dependeria da competência progressista para adensar força e consentimento majoritário aos seus projetos e plataformas.
A experiência histórica latino-americana está coalhada de interpretações controversas acerca desse mandato atrelado à formação das grandes maiorias.
A coleção de golpes de Estado espetados nas entranhas de seus distintos países sugere que o princípio que equipara cada cidadão a um voto promete mais do que as elites locais estão dispostas a conceder.
O mercado fala por elas.
De um modo muito grosseiro, e ao largo das particularidades locais –o financiamento privado de campanhas no Brasil, por exemplo, distorce essa equivalência -- pode-se dizer que é em torno dessa dupla contradição que se trava a luta pelo desenvolvimento nos dias que correm.
Mercados e seu aparato ideológico dedicam-se diuturnamente à tarefa de capturar o imaginário social, algemar o Estado e amordaçar instituições para vestir o enforcador no pescoço da democracia, apartando-a dos interesses majoritários da sociedade.
Movimentos progressistas, ao contrário, empenham-se na interminável repactuação de maiorias para submeter a lógica do dinheiro ao imperativo da democracia social, no passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.
Toda assepsia que o neoliberalismo se empenha em promover na profundidade e abrangência da ação pública e estatal persegue esse objetivo de emascular as ferramentas da democracia.
Alto-falantes da emissão conservadora martelam diuturnamente a superioridade dos livres mercados para alocar recursos ao menor custo e com maior eficiência.
O oposto é esgrimido como um desastre inelutável.
O papel da democracia, desse ponto de vista, seria manso.
Limitar-se-ia a sancionar o livre arbítrio de uma economia desregulada, para que a sua ‘imanente racionalidade’ pudesse se traduzir em geração de riqueza e ganhos de eficiência.
O que os tucanos ecoaram na efeméride dos 20 anos do Plano Real, nesta 3ª feira, é que a coalizão demotucana preparou a economia do país para isso ao domar a hiperinflação nos anos 90, privatizar instrumentos importantes da ação pública e estreitar a inserção internacional do país (via endividamento interno e externo, sem dúvida).
O ciclo de governos do PT teria desvirtuado esse saudável legado ao restaurar critérios, gastos e ferramentas que devolveram à esfera pública –e às urnas da qual esta depende—o poder de disputar o comando do desenvolvimento com os mercados.
O artigo divulgado pelo ex-presidente Lula nesta mesma 3ª feira (leia a íntegra, abaixo) sugere o oposto.
Ao contrário da pretensão ortodoxa, mostra a análise escorada em farta artilharia estatística, os governos do PT souberam extrair avanços sociais e dinâmicas econômicas promissoras do conflito entre democracia e mercados nos últimos anos. A energia liberada por essa dialética abriu e ampliou avenidas e liberou e adensou potencialidades secularmente reprimidas pelos centuriões das elites locais.
Ou terá sido pouco, do ponto de vista estritamente econômico, o surgimento de um mercado de massa (o famoso ‘Brasil CDE’, em menção aos três segmentos de renda popular), que representa hoje um consumo de R$ 1,3 trilhão?
Sozinho ele representaria a 16ª maior economia do planeta em poder de consumo.
Queiram ou não os ortodoxos, esse estirão social e econômico do ciclo petista vai condicionar o futuro do desenvolvimento brasileiro, sendo muito difícil subtrair-lhe essa prerrogativa, exceto em um horizonte retração das fronteiras da democracia.
Segundo o Instituto de Pesquisa Data Popular, a lista de compras de 2014 dessa 16ª economia adicionada ao tecido econômico nacional comporta as seguintes grandezas: 10 milhões de viagens de avião, sendo que 3,7 milhões internacionais; 11 milhões de móveis; 6,5 milhões de geladeira; 5,7 milhões de máquinas de lavar; 11 milhões de notebooks; 8,7 milhões de televisores; 5,6 milhões de tablets; 4,6 milhões desmartphones; 3,8 milhões de carros e cerca de 2 milhões de motos.
Mesmo sob a ótica estritamente capitalista fica difícil menosprezar a gigantesca fila em formação no caixa brasileiro.
A isso as manifestações tucanas pelo 20º aniversário do Plano Real reservaram o adjetivo de ‘desarrumação’.
Da alça de mira credenciada de Edmar Bacha, o economista que fala em nome de Aécio Neves, partiu o seguinte Molotov à black bloc: ‘Se eleito, Aécio terá que promover o “desfazimento” de tudo que foi realizado nos últimos anos’.
Devolver o manche a quem, a exemplo de Aécio e do PSDB, tem competência para curetar os ‘desequilíbrios’ incorporados ao desenvolvimento latino-americano nos últimos 20 anos, contaria com um aliado de peso, segundo a avaliação conservadora: a mudança de ciclo na economia mundial.
No raciocínio de Bacha e assemelhados, ela estreitaria drasticamente a margem de manobra de uma gestão progressista do conflito estrutural entre a democracia e mercados na condução do desenvolvimento.
Esse jogo está sendo jogado.
Se o placar final vai dizer que, de fato, esgotou a viabilidade de uma construção negociada da democracia social na América Latina nos marcos da economia de mercado é impossível prever.
A bola está rolando.
A delegação reiterada pelos eleitores a Lula e Dilma, para promover ‘mudanças’ que 67% desejam para o Brasil, de acordo com o Datafolha, sugere que o tempo de jogo é bem maior do que pretende a torcida conservadora de boca grudada no alambrado.
Em contrapartida, pelo que se assiste na Venezuela, o time progressista que se prepare: a essa altura do campeonato não se pode nutrir a esperança de que a prorrogação será regida pelas normas do fair-play que asseguram a lisura do jogo.
O poder ofensivo e defensivo terá que ser repensado.
O tempo passa...
Leia a seguir a aposta de Lula:
Por que o Brasil é o país das oportunidades
Por Luiz Inácio Lula da Silva
Passados cinco anos do início da crise global, o mundo ainda enfrenta suas consequências, mas já se prepara para um novo ciclo de crescimento. As atenções estão voltadas para mercados emergentes como o Brasil. Nosso modelo de desenvolvimento com inclusão social atraiu e continua atraindo investidores de toda parte. É hora de mostrar as grandes oportunidades que o país oferece, num quadro de estabilidade que poucos podem apresentar.
Nos últimos 11 anos, o Brasil deu um grande salto econômico e social. O PIB em dólares cresceu 4,4 vezes e supera US$ 2,2 trilhões. O comércio externo passou de US$ 108 bilhões para US$ 480 bilhões ao ano. O país tornou-se um dos cinco maiores destinos de investimento externo direto. Hoje somos grandes produtores de automóveis, máquinas agrícolas, celulose, alumínio, aviões; líderes mundiais em carnes, soja, café, açúcar, laranja e etanol.
Reduzimos a inflação, de 12,5% em 2002 para 5,9%, e continuamos trabalhando para trazê-la ao centro da meta. Há dez anos consecutivos a inflação está controlada nas margens estabelecidas, num ambiente de crescimento da economia, do consumo e do emprego. Reduzimos a dívida pública líquida praticamente à metade; de 60,4% do PIB para 33,8%. As despesas com pessoal, juros da dívida e financiamento da previdência caíram em relação ao PIB.
Colocamos os mais pobres no centro das políticas econômicas, dinamizando o mercado e reduzindo a desigualdade. Criamos 21 milhões de empregos; 36 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza e 42 milhões alcançaram a classe média.
Quantos países conseguiram tanto, em tão pouco tempo, com democracia plena e instituições estáveis?
A novidade é que o Brasil deixou de ser um país vulnerável e tornou-se um competidor global. E isso incomoda; contraria interesses. Não é por outra razão que as contas do país e as ações do governo tornaram-se objeto de avaliações cada vez mais rigorosas e, em certos casos, claramente especulativas. Mas um país robusto não se intimida com as críticas; aprende com elas.
A dívida pública bruta, por exemplo, ganhou relevância nessas análises. Mas em quantos países a dívida bruta se mantém estável em relação ao PIB, com perfil adequado de vencimentos, como ocorre no Brasil? Desde 2008, o país fez superávit primário médio anual de 2,58%, o melhor desempenho entre as grandes economias. E o governo da presidenta Dilma Rousseff acaba de anunciar o esforço fiscal necessário para manter a trajetória de redução da dívida em 2014.
Acumulamos US$ 376 bilhões em reservas: dez vezes mais do que em 2002 e dez vezes maiores que a dívida de curto prazo. Que outro grande país, além da China, tem reservas superiores a 18 meses de importações? Diferentemente do passado, hoje o Brasil pode lidar com flutuações externas, ajustando o câmbio sem artifícios e sem turbulência. Esse ajuste, que é necessário, contribui para fortalecer nosso setor produtivo e vai melhorar o desempenho das contas externas.
O Brasil tem um sistema financeiro sólido e expandiu a oferta de crédito com medidas prudenciais para ampliar a segurança dos empréstimos e o universo de tomadores. Em 11 anos o crédito passou de R$ 380 bilhões para R$ 2,7 trilhões; ou seja, de 24% para 56,5% do PIB. Quantos países fizeram expansão dessa ordem reduzindo a inadimplência?
O investimento do setor público passou de 2,6% do PIB para 4,4%. A taxa de investimento no país cresceu em média 5,7% ao ano. Os depósitos em poupança crescem há 22 meses. É preciso fazer mais: simplificar e desburocratizar a estrutura fiscal, aumentar a competitividade da economia, continuar reduzindo aportes aos bancos públicos, aprofundar a inclusão social que está na base do crescimento. Mas não se pode duvidar de um país que fez tanto em apenas 11 anos.
Que país duplicou a safra e tornou-se uma das economias agrícolas mais modernas e dinâmicas do mundo? Que país duplicou sua produção de veículos? Que país reergueu do zero uma indústria naval que emprega 78 mil pessoas e já é a terceira maior do mundo?
Que país ampliou a capacidade instalada de eletricidade de 80 mil para 126 mil MW, e constrói três das maiores hidrelétricas do mundo? Levou eletricidade a 15 milhões de pessoas no campo? Contratou a construção de 3 milhões de moradias populares e já entregou a metade?
Qual o país no mundo, segundo a OCDE, que mais aumentou o investimento em educação? Que triplicou o orçamento federal do setor; ampliou e financiou o acesso ao ensino superior, com o Prouni, o FIES e as cotas, e duplicou para 7 milhões as matrículas nas universidades? Que levou 60 mil jovens a estudar nas melhores universidades do mundo? Abrimos mais escolas técnicas em 11 anos do que se fez em todo o Século XX. O Pronatec qualificou mais de 5 milhões de trabalhadores. Destinamos 75% dos royalties do petróleo para a educação.
E que país é apontado pela ONU e outros organismos internacionais como exemplo de combate à desigualdade?
O Brasil e outros países poderiam ter alcançado mais, não fossem os impactos da crise sobre o crédito, o câmbio e o comércio global, que se mantém estagnado. A recuperação dos Estados Unidos é uma excelente notícia, mas neste momento a economia mundial reflete a retirada dos estímulos do Fed. E, mesmo nessa conjuntura adversa, o Brasil está entre os oito países do G-20 que tiveram crescimento do PIB maior que 2% em 2013.
O mais notável é que, desde 2008, enquanto o mundo destruía 62 milhões de empregos, segundo a Organização Internacional do Trabalho, o Brasil criava 10,5 milhões de empregos. O desemprego é o menor da nossa história. Não vejo indicador mais robusto da saúde de uma economia.
Que país atravessou a pior crise de todos os tempos promovendo o pleno emprego e aumentando a renda da população?
Cometemos erros, naturalmente, mas a boa notícia é que os reconhecemos e trabalhamos para corrigi-los. O governo ouviu, por exemplo, as críticas ao modelo de concessões e o tornou mais equilibrado. Resultado: concedemos 4,2 mil quilômetros de rodovias com deságio muito acima do esperado. Houve sucesso nos leilões de petróleo, de seis aeroportos e de 2.100 quilômetros de linhas de transmissão de energia.
O Brasil tem um programa de logística de R$ 305 bilhões. A Petrobras investe US$ 236 bilhões para dobrar a produção até 2020, o que vai nos colocar entre os seis maiores produtores mundiais de petróleo. Quantos países oferecem oportunidades como estas?
A classe média brasileira, que consumiu R$ 1,17 trilhão em 2013, de acordo com a Serasa/Data Popular, continuará crescendo. Quantos países têm mercado consumidor em expansão tão vigorosa?
Recentemente estive com investidores globais no Conselho das Américas, em Nova Iorque, para mostrar como o Brasil se prepara para dar saltos ainda maiores na nova etapa da economia global. Voltei convencido de que eles têm uma visão objetiva do país e do nosso potencial, diferente de versões pessimistas. O povo brasileiro está construindo uma nova era – uma era de oportunidades. Quem continuar acreditando e investindo no Brasil vai ganhar ainda mais e vai crescer junto com o nosso país.
(*) Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente da República e presidente de honra do PT
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