O nazismo no século XX, retomou toda série de preconceitos, discriminações e perseguições dos séculos anteriores, tentando assim uma campanha de extermínio como nunca antes empreendida. Desde 1933, a imprensa nazista começou a acentuar que os ciganos e judeus eram raça estrangeira, inferi...or, e que teriam contaminado a Europa como um corpo estranho.
As autoridades nazistas com o apoio da generalizada antipatia contra os ciganos, puderam facilmente percorrer a via do extermínio desse povo, associando sempre nos discursos e escritos o binômio judeus e ciganos.
O primeiro grito de alarme oficial para o mundo cigano se fez ouvir a 17 de outubro de 1939, quando Heydrich, a mando de Hitler proibiu-os de abandonar seus acampamentos. Nos três dias seguintes, após recenseamento, foram transferidos para campos de concentração, esperando serem enviados à Polônia.
Mas já em 1936 tinha começado para os ciganos a via sacra dos campos de concentração, ainda que com escopos diversos. Dachau foi um de seus primeiros campos de concentração. Eram internados com a qualificação de elementos associais. Sofriam então medidas disciplinares duríssimas.
Nesse ínterim a propaganda contra os ciganos se tornava sempre mais áspera. Em novembro de 1941 lançou-se o slogan: Depois dos judeus, os ciganos!
A 24 de dezembro de 1941, o governador civil Lohse envia uma ordem reservada a todas as SS, afirmando que os ciganos são duplamente perigosos, tanto pelas doenças de que são portadores como pela sua deficiência, prejudicando assim a causa nazista. Ao termo do comunicado, a decisão: Decidi portanto que sejam tratados como os judeus (Carta de 7 de julho de 1942, no arquivo Yivo).
A 25 de agosto de 1942, quando aumentaram as pressões sobre os ciganos, em um boletim do Comando de Polícia se lia, entre outras coisas que se dizia dos ciganos: é pois indispensável exterminar esse bando integralmente, sem hesitar.
Essas medidas disciplinares, encontradas em boletins, cartas e telegramas, apenas codificam uma praxe já iniciada: com efeito, desde 1941 tinham começado as deportações em massa dos ciganos.
Chegaram a Lodz, em outubro de 1941, cinco mil ciganos, entre os quais mais de 2.600 crianças. Foram todos internados por grupos de famílias. Os testemunhos nos dizem que as janelas das barracas estavam quebradas, enquanto o inverno era extremamente duro. No campo não havia medidas higiênicas nem assistência médica. Duas semanas depois da chegada dos nômades, irrompeu uma epidemia de tifo, e em dois meses morreram mais de 6oo adultos e crianças. Os sobreviventes entre março e abril de 1942, foram deportados para Chelmo, e ali assassinados nas câmaras de gás.
Desde então até 1946 se multiplicam os testemunhos: massacres coletivos, mortes individuais, tortura de todo o tipo, experimentos químicos e médicos dos mais cruéis. E todas essas crueldades ocorriam nos diversos campos de concentração. Eis os nomes de alguns desses campos: Auschwitz, Birkenau, Mauthausen, Rabensbruch, Buchenwald, Chelmo, Lodz, Dachau, Lackenbach, Sachsenhausen.
Vamos agora examinar um pouco mais de perto o mais tristemente famoso desses campos: Auschwitz. A esse campo chegam ciganos de toda a parte, até aqueles para os quais não se podia prever de modo algum o confinamento.
Alguns com efeito estavam em licença da frente militar, muitos tinham no peito condecorações de combate e no corpo feridas de guerra. Havia um só motivo para seu confinamento: serem ciganos ou terem algum sangue cigano.
Chegavam ao campo homens, mulheres e crianças. Particularmente impressionante o depoimento sobre a retirada de crianças de Buchenwald, para serem levadas para Auschwitz. Eram crianças ciganas da Boêmia, dos Carpatos, da Croácia, do Nordeste da França, da Polônia meridional e da Rutênia.
Bárbara Richter, menina cigana, assim depõe: Até os prisioneiros mais afeitos a esses horrores sentiram enorme tristeza quando perceberam que os SS iam tirar um por um os pequenos judeus e ciganos, reunindo-os em um só rebanho. Os meninos choravam e gritavam, tentavam freneticamente voltar para os braços dos pais ou dos protetores que tinham encontrado entre os prisioneiros, mas envolvidos por um círculo de fuzis e metralhadoras, foram levados para fora do campo e enviado para Auschwitz, onde morreriam nas câmaras de gás.
No campo de concentração nem todos eram enviados à câmara de gás, muitos iam para os trabalhos forçados. No capo estas eram as condições: No setor cigano erguiam-se grandes cabanas com uma abertura à frente e outra atrás. Serviam como portas. Nos compartimentos internos achavam lugar a uma única mesa grande cinco ou seis pessoas. As condições higiênicas eram desastrosas quase não havia instalações sanitárias... Parecia um estábulo para cavalos, sem janelas... Os prisioneiros se moviam em meio a seus próprios dejetos até os calcanhares.
Respondendo a uma observação, por insuficiência de calorias, um oficial comentou: Mas no fundo são apenas ciganos! Quem mais sofria eram as crianças... Como depôs alguém: As crianças eram pele e ossos. A pele, em conseqüência, se enchia de feridas infecciosas. Por causa da falta d'água, as crianças chegaram a beber água servida; nas poucas vezes em que os cobertores eram lavados, vinham de volta para a enfermaria ainda molhados.
As crianças sofriam de estomatite cancrenosa... parecia lepra...seus corpinhos iam se desfazendo, bocas espantosas se abriam nas faces, e lá dentro se podia observar a lenta putrefação da carne viva. Só no campo de Aushwitz, os ciganos regularmente matriculados foram 20.933, incluindo 360 crianças nascidas no campo de concentração, e que viveram o bastante para receberem número de matrícula. A estes se devem somar mais de 1.700 ciganos mandados para a câmara de gás, assim que chegaram da Polônia em março de 1943, e que nem tinham recebido ainda o número de matrícula. Durante uma simulação de ataque aéreo noturno, foram todos mandados à câmara de gás, por suspeita de serem portadores de tifo.
Aos 29 de maio de 1943, 102 ciganos foram arrastados para fora de suas instalações e levados para a câmara de gás.
Esses testemunhos, que poderiam se multiplicar quase no infinito, culminariam no massacre final, narrado por quem assistiu à matança de quatro mil ciganos, no começo de agosto de 1944: A sirena anunciou um princípio de um rigoroso toque de recolher. Os caminhões chegaram por volta das 20 h. Os ciganos tinham previsto o que estava para acontecer, mas os alemães fizeram de tudo para confundir as idéias: ao saírem dos acampamentos, os ciganos recebiam uma ração de pão e salame, e muitos assim acreditaram que se trataria simplesmente de transferência para outro campo.
Podíamos ouvir, quando os últimos e horríveis instantes, irromperam no acampamento e se lançaram contra mulheres e crianças e anciãos, alemães armados e auxiliados por cães. De repente o ar foi rasgado pelos gritos de um garoto que em theco suplicava: Eu lhe peço, senhor SS, me deixe viver! A única resposta que teve foram os golpes de cassetete. Por fim, foram todos jogados, em montes, no caminhão e levados ao crematório. Houve ainda quem tentasse resistir, invocando a nacionalidade alemã (Kraus e Kulka).
Houve cenas de cortar o coração: mulheres e crianças se ajoelharam diante de Mengele e Borger, gritando; Piedade! Tenha piedade de nós! Em vão. Foram abatidos a coronhadas, pisados, arrastados ao caminhão, levados à força. Foi uma noite horrível, alucinante. Na carroceria foram jogados os que também já tinham morrido sob os golpes da clava . Os caminhões chegaram ao bloco dos órgãos por volta de 22h30min e ao isolamento por volta de 23hs. Os SS e quatro prisioneiros levaram para fora os enfermos, mas também 25 mulheres em perfeita saúde, isoladas com os respectivos filhos (Aldesberger, p.112-13).
Por volta de 23hs chegaram outros caminhões diante do hospital, num só caminhão colocaram cerca de 50 a 60 presos e foi assim que chegaram até a câmara de gás. Ouvi os gritos até altas horas da madrugada, e compreendi que alguns tentavam opor resistência. Os ciganos protestavam, gritando e lutando até a madrugada... Tentavam vender a vida a um alto preço (Dromonski, no processo por Auscwitz).
Depois, Gober e outros percorreram os quartos um por um tirando dali as crianças que tinham se escondido. Os menores foram arrastados até os pés de Boger, que os agarrava pela perna e os jogava contra a parede...Vi esse gesto se repetindo-se umas cinco, seis e sete vezes(Langhein).
A certa altura aproximou-se de mim um oficial SS e mandou que escrevesse uma carta que tinha por assunto tratamento especial executado. Ele mesmo arrancou violentamente a carta da máquina, assim que terminei de datilografá-la. Quando se fez dia no acampamento, não havia de pé um só cigano (Testemunho Stenber-Longhein, 1965).
As estimativas mais próximas falam de ao menos meio milhão de ciganos mortos e cerca de 6 milhões de judeus. Sabemos que esses dados são inferiores às cifras reais, pois muitos foram mortos antes mesmo de serem matriculados.
Artigo de Oswaldo Macedo (Taro Caló), presidente de honra do centro de Estudos ciganos. Médico, foi professor de medicina na Sorbonne, tem formação beneditina e foi indicado para a Academia Internacional de Letras(RJ).
Em seu livro Alemanha e Genocídio, o historiador Joseph Billig distingue três tipos de genocídio: por eliminação da capacidade de procriar, por deportação e por extermínio. No hospital de Dusseldorf-Lierenfeld foram esterilizadas ciganas casadas com não-ciganos, algumas das quais morreram por estarem grávidas. Em Ravensbruck os médicos da SS esterilizaram 120 meninas ciganas.
Um exemplo do segundo tipo de genocídio foi a deportação de 5 mil ciganos da Alemanha para o gueto de Lodz, na Polônia. As condições de vida eram ali tão desumanas que ninguém sobreviveu.
Mas o método preferido dos nazistas era o extermínio. A decisão de exterminar os ciganos, ao que parece, foi tomada na primavera de 1941, quando se criaram os Einsatzgruppen ou pelotões de execução.
Povo antigo, porém prolífico e cheio de vitalidade, os ciganos tentaram resistir à morte, mas a crueldade e o poderio de seus inimigos prevaleceram à sua coragem. O amor à música serviu-lhes por vezes de consolo no martírio. Famintos e cobertos de piolhos, eles se juntavam diante dos hediondos barracões de Auschwitz para tocar música, encorajando as crianças a dançar. Há testemunhas da coragem dos ciganos que militaram na Resistência polonesa, na região de Nieswiez. Segundo elas, os combatentes ciganos se lançavam sobre o inimigo fortemente armado empunhando apenas uma faca. São decorridos 40 anos desde o genocídio dos ciganos. Já é tempo de denunciar esse crime abominável. Estas linhas pretendem tão somente evocar terrível injustiça cometida contra os ciganos.
Texto de Myriam Novitch, diretora do Museu dos Combatentes dos Guetos, fundado no Kibutz Lohamel Haghetaot por um grupo de sobreviventes do Gueto de Varsóvia.