Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 10 de março de 2014

Unasul: a areia na engrenagem do golpe

O conservadorismo espuma: Petrobras pretendia captar até US$ 6 bi no exterior, procura por títulos da estatal brasileira supera US$ 22 bi.

Salário mínimo comprava uma cesta básica em 1995; hoje compra 2,2 cestas

 Forças pró-Rússia ampliam controle de bases estratégicas na Crimeia

Secom/Ibope: só 6% leem jornal;desses, apenas 21% se interessam pelo noticiário político conservador

Esquerda vence o 2º turno presidencial em El Salvador numa disputada voto a voto: Céren, da Frente Farabundo Martí, teve 50,1% contra 49,9 da candidatura da direita, de Norman Quijano



Algo de singular importância acontece na AL. O software do golpe não roda mais tão facilmente. A reunião da Unasul desta 4ª feira é parte da areia em ação.

por: Saul Leblon 

Arquivo










A reunião da Unasul  desta 4ª feira, que acontece no Chile, em seguida à posse da Presidenta Bachelet, redime a força da política num momento em que os ventos da economia mundial sopram desfavoravelmente sobre a região.

Argentina, Brasil, Venezuela e outros  manejam uma delicada transição cambial.
Não é uma operação contábil:  mudanças no câmbio alteram o poder de compra dos salários; definem antecipadamente  ganhadores e perdedores de um novo ciclo; estabelecem o fôlego das exportações; devolvem ou não espaço à indústria  local.

A recuperação das economias ricas, e a queda nas cotações das commodities, inverteu a dinâmica das contas externas que impulsionou o crescimento regional por uma década.

O financiamento encareceu. As receitas com exportação caíram.

Déficits em conta corrente se avolumam, dificultando atender o avanço da demanda com mais importações. Pressões inflacionárias robustecem.  Quem não tem reservas, o  Brasil é uma exceção de quase US$  400 bi, enfrenta escassez de dólares e incerteza no abastecimento.

Não por acaso, os escrutínios eleitorais apontam resultados cada vez mais apertados: a eleição de Maduro decidiu-se em casas decimais; Correa perdeu a capital, Quito, para a direita; Cristina sofre corrosão parlamentar na Argentina; o favoritismo da esquerda no 2º turno deste domingo em El Salvador deu lugar a uma vitória por diferença mínima para a Frente Farabundo Martí.

As oposições conservadoras lambem os beiços e esfregam as mãos: é a hora do abate, cogitam.

A ferocidade com que se lançam às ruas na Venezuela é  a expressão desabrida de um apetite mais geral.

A contrapelo do fatalismo mecanicista, que ignora as mediações específicas no interior das grandes transições de ciclo econômico, algo  de singular importância  acontece, porém,  na América Latina.

Há uma resistência política articulada à investida conservadora.

O  software da ‘crise’  não roda mais tão facilmente na máquina regional.

A saber: à crispação golpista interna sucede-se o isolamento internacional dos governantes progressistas.

Seguem-se sanções econômicas e políticas desfechadas pelos EUA, com apoio da briosa gente do jornalismo isento.

Tudo em nome da democracia.

Contra a desordem econômica, o desgoverno, o desabastecimento e as ameaças  à família e à propriedade  –como denunciariam as ‘marchas’ brasileiras de 1964, a primeira delas realizada em 19 de março, seis dias depois do histórico comício da Central do Brasil, que completa 50 anos nesta 5ª feira.

Na tradição  latino-americano, o desfecho golpista invariavelmente ganharia o selo de legitimidade da OEA –braço direito do Departamento de Estado no manejo dos interesses do grande  capital na região.

Desde que foi criada, em 1948, a OEA  notabilizou-se por ser esse cartório complacente de reconhecimento de firma do golpismo.

Foi sua (dos EUA) a iniciativa de expulsar Cuba do organismo, na reunião de  Punta del Este, em 31 de janeiro de 1962, pelas seguintes alegadas razões: a) declaração do caráter socialista da revolução -- incompatível com o sistema interamericano; b) alinhamento com o bloco comunista, quebrando a unidade e a solidariedade do continente; c) adesão ao marxismo-leninismo, incompatível  com os princípios e objetivos do sistema interamericano.

Dois anos depois, a entidade guardiã  do capital e dos bons princípios daria, pelas mesmas razões, o atestado de legalidade ao golpe de Estado contra Jango.
Um ano depois de Jango,  legitimaria a invasão de São Domingos por tropas majoritariamente norte-americanas, temperadas com  batalhões de vários exércitos aliados, inclusive 250 soldados da agradecida ditadura brasileira, que a OEA benzeu.

A mesma boa vontade e cooperação o organismo demonstraria com o golpe sangrento contra a democracia chilena, em 1973.

Assim por diante.

Em todos esses casos e nos demais, a engrenagem azeitada não encontraria repto à altura de sua institucionalidade na região.

Não é mais assim.

O modelo emperrado tentou pegar no tranco na reunião da OEA  realizada nos EUA, no último dia 6 de março.

O alvo deste revival  era a Venezuela, de Maduro, sacudida por violenta onda de protestos, liderada pela facção de extrema direita do conservadorismo local.

A conversa da semana passada na OEA   avançou  noite adentro.

Mas não conseguiu aprovar  uma resolução apresentada pelos EUA, Canadá e Panamá –ou seja, uma proposta do Departamento de Estado norte-americano— de envio de uma missão não solicitada pelo governo Maduro ao país.

O apoio ao intervencionismo dissimulado  saiu como entrou: circunscrito a 3 votos, contra  29 vetos.

Não apenas isso.

Chanceleres de 12 Estados integrantes da União das Nações Sul-americanas (a Unasul)  marcaram um encontro no Chile, nesta 4ª feira, para discutir o mesmo tema em ambiente desinfetado da crispação norte-americana contra o bolivarianismo.

O veto  e a redefinição do locus deixam claro:

a) a OEA não fala mais pela América Latina;

b) o colar de governos progressista da região –ancorado no tripé Brasil-Argentina-Venezuela— detém liderança para, ao menos, desestimular o adesismo de forças regionais;

c) essa guinada, repita-se,  em meio a um quadro internacional adverso  no plano econômico, é uma bem-vinda novidade histórica que não deve ser subestimada.
Se além  de barrar o golpismo, a Unasul dispusesse de estrutura para acelerar a construção  da democracia social na América Latina, as diferenças seriam ainda mais  expressivas.

Não é assim, por enquanto.

Nascida oficialmente em 23 de maio de 2008, ela reúne 12 nações, um PIB de quase US$ 8 trilhões (o dos EUA é de US$ 15  tri) e uma população de 387 milhões de pessoas, distribuídas num imenso  território de 18 milhões de km2 que acomoda autossuficiência energética, alimentar, mineral, abundância de água e reservas ambientais as mais expressivas do planeta.

Além da criação de um Parlamento único, uma moeda e um banco central da comunidade, a Unasul incluía, por sugestão brasileira, a instituição de um  Conselho sul-americano de Defesa.

A dimensão militar da integração foi interditada então pelo direitoso presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, mergulhado até o pescoço na aliança com a CIA e as forças militares dos EUA, na guerra contra as Farcs.

 A Unasul, como bem disse Lula na criação da entidade, em Brasília, pretendia retomar a tradição da luta  pela integração econômica regional. E ir além dela.

 Abandonada por governos conservadores,  a agenda que remete a Bolívar, como gostava de lembrar Chávez,  cedeu lugar nos anos 90 à determinados de abrir  integralmente o mercado regional ao livre comércio com o poderio norte-americano, através da ALCA.

A luta contra o subdesenvolvimento  –marcado pela iníqua distribuição de renda e do patrimônio, o baixo desenvolvimento tecnológico e industrial e elevada primarização das exportações--  cedeu lugar assim à panaceia  desregulatória.

O saldo é conhecido e impulsionou a volta da agenda integracionista ao final dos anos 90.

Desdenhada pela lógica neoliberal, ela provou sua pertinência como alavanca de crescimento e cooperação.

Basta ver os sérios problemas que a redução das compras argentinas e venezuelanas tem causado às exportações brasileiros  de manufaturados para dar a essa condicionalidade a sua real abrangência.

A economia regional  já vivenciou práticas avançadas de comércio no âmbito da ALALC ( a Unasul dos anos 60).

Um Convênio de Créditos Recíprocos (CCR) assinado então entre os países da região  permitia a intensificar as trocas comerciais sem o uso de divisas fortes, graças a uma caixa de compensação de créditos quadrimestral.

O mecanismo  funcionou plenamente –sem casos graves de default—até meados dos anos 80.

Foi sufocado  com o avanço da logica neoliberal no interior das administrações nacionais, a partir de então.

‘Estamos deixando para trás uma longa história de indiferença e isolamento recíproco. Nossa América do Sul não será mais um mero conceito geográfico, disse Lula na retomada dessa tradição, na assinatura do tratado da Unasul, há seis anos.

Recebida com previsível menosprezo pelas viúvas da ALCA, a Unasul  vive paradoxalmente seu auge político em meio ao aparente estreitamento de seu  fôlego econômico.

Não por acaso, às dificuldades internacionais, a região assiste à retomada da agenda do livre comércio através da nova menina dos olhos do conservadorismo local, a  Aliança do Pacífico.

A Aliança do Pacífico seduz as classes dominantes por substituir a agenda incomoda da integração política pela confortável promessa de bonança através do livre comércio.

A dimensão política do desenvolvimento é um aspecto do jogo do poder compreensivelmente demonizado pelos interesses dominantes de cada época.

Pelo simples fato de que ela os inclui como parte dos entraves ao avanço de sociedades carentes de decisões  que arejem estruturas concentradoras do excedente econômico.

A necessidade de integrar a economia latino-americana às grandes cadeias de suprimento global, e de incorporação de  tecnologia,  não é incompatível com a determinação de construir a democracia social na região.

As condicionalidades econômicas de uma época não definem, à priori,  quem será beneficiado ou penalizado pela superação de seus gargalos.

A existência da Unasul transcende o papel passivo de um ferrolho  contra o golpismo.

O  simples fato de ela existir  –e funcionar--  amplia a margem de manobra política para a América do Sul ir além de  seus erros e acertos,  dos erros e acertos de outras experiências de integração.

E dar uma resposta positiva à premonição de Perón, que disse um dia:

‘O século XXI nos encontrará integrados --ou destruídos’.

O BUFÃO, CANALHA MOR DE REPÚBLICA PRÓPRIA, AO CUSTO DE R$ 200.000 POR CABEÇA . ELE, O PICARETA DA SORBONE , INCENSADO E BLINDADO, PELA MASSA CHEIROSA E MIDIA GOLPISTA. .

Senadora Gleisi tritura o pilantra FHC

FHC achincalha Congresso e não tem direito de nos tomar por tolos
Gleisi Hoffmann

Especial para o UOL

Não me passaria pela cabeça que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pudesse iniciar um artigo de opinião censurando o sorriso de alguém. Ao indagar com tanto mau humor a razão da alegria estampada na foto da presidenta Dilma com o ex-presidente Lula no Palácio da Alvorada, o ex-presidente surpreende pelo azedume e pela amargura.

A sequência de ataques do artigo parece indicar que o autor renunciou à cadeira de referencial de equilíbrio e estabilidade do debate nacional, que muitos lhe atribuem, para especular sobre uma imaginária (e inexistente) indiferença da presidenta Dilma, e do poder central, em relação às manifestações das ruas e a alguns acontecimentos dos últimos dias. Com todo o respeito, cumpre que o ex-presidente volte à razão.

Testemunhei na Casa Civil o esforço da presidenta para entender e atender as ruas. Ela foi praticamente a única, entre as lideranças políticas deste país, a expor-se, a manifestar-se claramente, a ter iniciativas. As manifestações carecem ainda de melhor análise histórica, mas, seguramente, erra quem insiste em tentar atribuir toda a insatisfação ao governo central. Será que o ex-presidente acredita que as manifestações eram a favor da oposição? Nenhum governante da oposição foi alvo de protestos?

Instabilidade

A sequência de ataques parece indicar que FHC renunciou à cadeira de referencial de equilíbrio e estabilidade do debate nacional; com todo o respeito, cumpre que o ex-presidente volte à razão 

Ele fala de crise do setor elétrico como se o apagão de 2001/2002 não estivesse na memória do país. A crítica à suposta imprevidência só pode ser a si mesmo e a seu governo. Sobre a inflação, diz que é "bem mais" que 6% ao ano, sem citar, contudo, qualquer fonte que possa sustentar seu índice impreciso e irreal.

Esquece-se de que deixou ao país uma inflação de 12,7% em 2002.

Com sua prosa instruída, sua cultura e sua força retórica, o ex-presidente cita Maria Antonieta e tenta, em vão, associá-la a personagens da história brasileira no presente. Não faz sentido. Os líderes do atual governo, a começar pela presidenta Dilma, podem orgulhar-se da enorme proximidade com as pessoas. Governam para a maioria. Não é por acaso que os pobres melhoraram de vida e passaram a ter otimismo e esperança.

Fernando Henrique agora critica o clientelismo e a inépcia assegurada por 30 partidos no Congresso. Nem parece que passou oito anos no comando do Executivo, sem dizer "a" ou "b" sobre reforma política. E que governou com um sistema de base parlamentar tão ampla que alterou a Constituição Federal para garantir sua reeleição.

Críticas

Depois de achincalhar o Congresso, o ex-presidente conclama o conjunto da "classe política" a assumir parcelas de responsabilidade sobre os rumos do Brasil 

O curioso é que, depois de achincalhar o Congresso, o ex-presidente conclama o conjunto da "classe política" a assumir parcelas de responsabilidade sobre os rumos do Brasil para construírem a política do amanhã. Fiquei pensando: ele tem direito de dizer o que muito bem quiser. Não tem é o direito de nos tomar por tolos.

Gosto da ideia de buscarmos unir a todos os brasileiros em torno das questões fundamentais para a nossa nação. Não concordo que os temas essenciais sejam a troca da guarda nem a revolta contra o sorriso, mas sem dúvida é preciso aprofundar o debate sobre a economia, a política e as questões sociais. Isso é o fundamental para a construção do futuro. E o futuro pode ser edificado sim com alegria e sorrisos.

Gleisi Hoffmann

Juiz vai a julgamento no Rio de Janeiro por pendurar quadro que denuncia genocídio contra os pobres

por Conceição Lemes

Nesta segunda-feira, às 13 horas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) realiza um julgamento inusitado.
Os 25 membros do Órgão Especial do TJRJ avaliam representação judicial contra o juiz João Batista Damasceno.
“Crime”: ter pendurado em seu gabinete no dia 25 de agosto de 2013 o quadro Por uma cultura de paz, de Carlos Latuff.
“Trata-se de uma representação por suposto descumprimento de dever funcional”, explica o juiz João Batista Damasceno. “O corregedor diz que a obra de arte tem uma crítica à polícia e que pendurar tal quadro num gabinete é crítica a outra instituição e que tal comportamento é indevido a um juiz.”
O corregedor geral de Justiça é o desembargador Valmir de Oliveira Silva.
O corregedor age de ofício, ou seja, por imperativo legal em função do seu cargo.
No caso, a origem da representação foi um ofício do deputado estadual Flávio Bolsonaro, do PP. Houve, ainda, reação da “bancada da bala” e de algumas associações de policiais.
“A presidenta do tribunal é filha de policial e isso também pesou na decisão”, acrescenta o juiz Damasceno. “Há certa pessoalidade na questão, além do componente ideológico.”
Cronologia da punição:
2 de setembro – A presidenta do TJRJ, Leila Mariano, leu em sessão do tribunal o ofício recebido do deputado estadual Flávio Bolsonaro. Ela fez constar da ata que o tribunal mandara tirar o quadro.
3 de setembro – O juiz Damasceno recebeu comunicação para retirar o quadro. Mas  como soube antes que o tribunal determinaria a retirada, ele antecipou. Ao tomar conhecimento do caso, o desembargador Siro Darlan de Oliveira, da sétima Câmara do TJ-RJ, decidiu dar “asilo artístico” ao quadro.
“Ofereci ‘asilo artístico’ ao quadro perseguido em solidariedade a um magistrado perseguido por ter a coragem de defender seu ponto de vista em defesa da moralidade e da causa pública”, justifica o desembargador. “Além disso, é um direito constitucional, o da livre manifestação do pensamento, que não lhe pode ser negado.”
9 de setembro – O tribunal mandou retirar o quadro que estava na parede do gabinete de Siro Darlan.
12 de setembro – O desembargador Siro Darlan foi notificado pelo corregedor geral da Justiça de que o Órgão Especial do TJRJ abrira uma sindicância para apurar a sua conduta, considerada “afrontosa à decisão colegiada”.
“Já houve um arremedo de representação, que, como não tive mais notícia, estou entendendo como uma desistência”, diz Siro Darlan.
O quadro de Latuff, juntamente com outras obras de arte doadas por outros artistas, foi levado a leilão. Com dinheiro arrecado, foi adquirida uma casa para a família do pedreiro Amarildo, desaparecido após sequestro, tortura e morte nas mãos da polícia.
O quadro foi arrematado pelo desembargadora Kenarik Boujikian, presidenta da Associação Juízes para Democracia (AJD), que o pendurou em seu gabinete no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
João Batista Damasceno,Siro Darlan e Kenarik Boujikian ousaram pendurar o quadro no gabinete; os três são da Associação Juízes para a Democracia (AJD)  

“O julgamento do juiz Damasceno é importante e paradigmático, porque a ação em si é um desrespeito à independência dos magistrados de se colocarem e expressarem opiniões como qualquer cidadão”, salienta Siro Darlan. “Esse é um direito constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos. Não é um direito personalíssimo, mas um direito fundamental da sociedade.”
“Todos que foram cobrados dessa forma ao longo da história da civilização tiveram como algozes as forças reacionárias e conservadoras”, prossegue Darlan. “Esse julgamento também descortina uma prática nada republicana que vige nos tribunais de excluir os que incomodam e contestam essas práticas excludentes. O tribunal serve a uma minoria que o comanda de acordo com suas conveniências e interesses. Já vi magistrados sendo perseguidos por ousarem ler fora dessa cartilha conservadora e conivente.”
Segue a íntegra da nossa entrevista com o juiz João Batista Damasceno.
Viomundo — O que o levou a colocar o quadro no seu gabinete?
João Batista Damasceno — O quadro retrata a violência do Estado contra os excluídos. Os autos de resistência são formas de mascarar os assassinatos cometidos pelo aparelho repressivo do Estado nas periferias, vitimando principalmente jovens pobres e negros.
A colocação do quadro é uma forma de denunciar o genocídio que se pratica contra os pobres.
Ao lado dos autos de resistência, temos os desaparecimentos, como o de Amarildo. Em 2012 foram 5.900 no Estado do Rio de Janeiro. Nem todos os desaparecimentos são obras de grupos paramilitares ou grupos de extermínio que atuam marginalmente ao Estado. Há casos de doentes mentais ou pessoas em crises conjugais que desaparecem. Mas a maioria dos casos é de pessoas mortas e desaparecidas.
O desaparecimento de uma pessoa é uma perversidade com ela e com sua família, pois lhe retira a possibilidade do ritual do sepultamento, indispensável ao desenlace dos vínculos havidos ao longo da vida.
Viomundo — Como ficou sabendo que estava sendo alvo de processo por causa do quadro?
João Batista Damasceno — Fui intimado pelo corregedor a prestar informações sobre a colocação do quadro. Em seguida, recebi cópia da representação que me intimava para apresentação de defesa prévia.
A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) orientou-me a responder por meio do advogado por ela constituído. O advogado foi intimado para a sessão do Órgão Especial do tribunal marcada para esta segunda-feira, dia 10 de março.
Viomundo – O que será feito durante essa sessão?
João Batista Damasceno —  A representação feita pelo corregedor será apreciada pelos 25 membros do Órgão Especial do TJRJ. Ela pode ser recebida ou rejeitada. Se recebida, começa o processo disciplinar. Não fui intimado para a sessão, mas meu advogado foi.
Viomundo — Que tipo de ação foi aberta contra o senhor?
João Batista Damasceno — Trata-se de uma representação por suposto descumprimento de dever funcional. O corregedor diz que a obra de arte tem uma crítica à polícia e que pendurar tal quadro num gabinete é crítica a outra instituição e que tal comportamento é indevido a um juiz.
Ele fala na representação em crime de “vilipêndio a objeto de culto”, tipificado no artigo 208 do Código Penal. Mas não há ação penal. Isso é apenas retórica. Este foi o fundamento com o qual mandou apreender o quadro no gabinete do desembargador Siro Darlan.
O tribunal não pode agir de ofício em caso de crime. Ao Ministério Público é que caberia tal busca e apreensão, por meio de ação própria, se estivesse diante de efetivo crime.
De qualquer modo, o tratamento da questão demonstra como alguns tribunais se colocam ao lado das truculências do Estado e usa retórica para admoestar quem critica o Estado.
Num Estado Policial, o poder não é apenas da polícia. Num Estado Policial, todas as agências atuam com a lógica da polícia.
No caso em questão, está evidenciada anomalia no procedimento do tribunal. A representação é feita tão somente contra um juiz de primeiro grau, ainda que o quadro tenha permanecido por mais tempo no gabinete de um desembargador.
Mas, o desembargador – que se fosse o caso – deveria ser igualmente representado, não é destinatário da ação do corregedor.
Viomundo — Foi uma decisão do próprio tribunal ou a pedido de terceiros?
João Batista Damasceno — O tribunal age de ofício. No caso, é uma representação do corregedor. Mas ele o fez a partir da reação de alguns setores ligados ao aparado repressivo do Estado. O ofício do Deputado Flávio Bolsonaro, a reação da “bancada da bala”, a reação de algumas associações de policiais…
A presidenta do tribunal é filha de policial e isso também pesou na decisão. Há certa pessoalidade na questão, além do componente ideológico.
Mas entidades e pessoas ligadas à justificação da truculência do Estado endossaram a atuação do tribunal.
Viomundo – Que decisão o senhor imagina saia nesta segunda-feira?
João Batista Damasceno — Não creio no recebimento da representação. Agora, se acolhida, ela poderá ser ao final arquivada ou posso sofrer uma sanção administrativa, de natureza disciplinar. Tenho 20 anos de magistratura e em minha ficha funcional não consta nenhuma sanção. Ao contrário, tenho dois elogios.
Viomundo — O fato de ter doado dinheiro para a ceia dos sem-teto na Cinelândia, no Natal do ano passado, vai influenciar no julgamento?
João Batista Damasceno  – Não sou vítima da atuação dos que estão em outro espectro ideológico no seio da magistratura e da sociedade.
O que estamos vivenciando é um embate próprio dos interesses inconciliáveis.
Mas, claro, que minha posição ideológica, notadamente, pela afirmação do Estado de Direito neste momento de ascensão do Estado Policial e a participação de uma entidade que pugna pela difusão da cultura jurídica democrática, influencia o posicionamento daqueles que se alinham com posições jurídico-político-ideológicas adversas.
Viomundo – Como qualifica essa ação contra o senhor?
João Batista Damasceno — A censura a obra de arte é inconstitucional. Igualmente inconstitucional é a ameaça de processo disciplinar, pois viola o direito à livre manifestação do pensamento.
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Carta de repúdio enviada pelo desembargador  Siro Darlan aos colegas por ocasião da ação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro contra o juiz João Batista Damasceno
Colegas Magistrados.
Em nome de Deus muitas guerras “santas” fraticidas foram declaradas e em nome da Justiça tenebrosas injustiças são praticadas. Assim como Deus é a Luz do Mundo, a Justiça deve ser o farol de segurança do respeito ás regras de convivência humana traçadas pela Constituição que foi escrita para a sociedade como garantia do equilíbrio entre os desiguais e o respeito ás diferenças.
Precisamos estar atentos para os movimentos que estão se proliferando de perseguição a determinados magistrados, colegas de primeiro grau, em razão de seus posicionamentos judiciais, pessoais, filosóficos ou doutrinários.
A independência do juiz é de natureza jurídico-administrativa, fazendo parte da relação do juiz com o Estado. Assim como as demaisgarantias da magistratura, está inserida num amplo contexto, que corresponde à independência do Poder Judiciário e à imparcialidade do magistrado.
“Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e em um momento histórico determinado, o que valham os juízes como homens. No dia em que os juízes têm medo, nenhum cidadão pode dormir tranquilo” (Eduardo Couture).
A independência do juiz, primeiro, é uma garantia do próprio Estado de Direito, pelo qual se atribuiu ao Poder Judiciário a atribuição de dizer o direito, direito este que será fixado por normas jurídicas elaboradas pelo Poder Legislativo, com inserção, ao longo dos anos, de valores sociais e humanos, incorporados ao direito pela noção de princípios jurídicos.
A independência do juiz, para dizer o direito, é estabelecida pela própria ordem jurídica como forma de garantir ao cidadão que o Estado de Direito será respeitado e usado como defesa contra todo o tipo de usurpação. Neste sentido, a independência do juiz é, igualmente, garante do regime democrático.
Importante, ademais, destacar que a questão da independência dos juízes tratou-se mesmo de uma conquista da cidadania, pois nem sempre foi a independência um atributo do ato de julgar.
Dalmo de Abreu Dallari, assim se pronuncia a respeito:
“Essa ideia de independência da magistratura não é muito antiga. Há quem pense que isso acompanhou sempre a própria ideia de magistratura – eu ouvi uma vez alguma coisa assim no Tribunal de Justiça de São Paulo – o que é um grande equívoco. São fatos, fenômenos novos, situações novas, que estão chegando há pouco e que provocam crise, provocam conflitos.
Paralelamente a isso verifica-se, nesse ambiente de mudanças o crescimento da ideia de direitos humanos. Há um aspecto da história da história da magistratura que eu vou mencionar quase que entre parênteses, é uma coisa que corre paralelamente à história europeia, mas fica lá num plano isolado que é o aparecimento de uma magistratura independente, de fato independente nos Estados Unidos.
É oportuno lembrar a atitude política dos Estados Unidos durante  todo século XIX, ficando numa posição de isolamento do resto do mundo, sem participar de guerras ou alianças. Também o seu direito tinha outro fundamento, pois era basicamente o direito costumeiro e por isso não serefletiu nos direitos de estilo e tradição romanística, mas é muitointeressante esse aspecto da história dos Estados Unidos.”
Ora, não há dúvida que essa garantia vem sendo solapada através de campanhas de desvalorização dos profissionais da justiça, através da mídia comprometida e de políticos interessados na impunidade e no enfraquecimento do judiciário. Essa campanha acaba gerando juízes medrosos, covardes e acanhados, com medo de um necessário ativismo judicial, onde através de decisões corajosas e independentes reflitam a verdadeira independência do Poder Judiciário e não uma subserviência aos mais poderosos midiática e economicamente.
Mas quando essa pressão ocorre dentro de nossa Casa de Justiça, estamos dando um tiro no pé e armando nossos adversários com argumentos  insuperáveis. Desse modo precisamos acompanhar de perto e com interesse na proteção da magistratura como um todo. As ações, sobretudo as de iniciativa da Corregedoria doTribunal de Justiça que vem tentando amedrontar e calar juízes quedemonstram com mais efervescência essa independência.
Magistrados estão sendo chamados a prestar esclarecimentos por suas decisões judiciais, manifestações acadêmicas e outras que não se enquadram no modelo pré-determinado e isso é inaceitável e  uma verdadeira agressão que precisa cessar em respeito a toda magistratura fluminense.
Desmandos administrativos, comportamentos não éticos ou condutas negligentes com nossos deveres constitucionais e funcionais, devem sempre ser corrigidas, seja no âmbito do Controle Interno, seja através do próprio Controle Social; mas a perseguição sub-reptícia, a ameaça de procedimentos punitivos ou a própria instauração de processos tão somente  em razão de decisões proferidas no âmbito do processo judicial ou em razão de opiniões acadêmicas, refogem inteiramente dos próprios princípios republicanos que fundamentam a Constituição da República.
A independência do juiz é condição basilar para a garantia dos direitos fundamentais e não podemos deixar que esta ou aquela administração se valha de seu mandato temporário e fugaz para solapar  através  de um terrorismo administrativa ospróprios pilares do Estado Democrático de Direito.
Portanto, nobre Colega, a vigilância é permanente e cabe a nos esta vigilância.

Siro Darlan
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