Na série de escaramuças que marca o jogo pesado entre Aécio e Serra, a reportagem da Folha sobre o aeroporto em Cláudio pode ter sido um ponto fora da curva.
por: Saul Leblon
Há exatamente quatro anos, em 29
de julho de 2010, o jornal ‘O Globo’ noticiava a evidência de um racha
profundo nas fileiras tucanas, a minar a campanha do então candidato à
presidência da República pelo PSDB, José Serra.
Aspas para o Globo de 29-07-2010:
‘O candidato a presidente pelo PSDB, José Serra, terá uma estrutura independente em Minas Gerais para impulsionar sua campanha no Estado (...). A estratégia foi montada para fazer frente a algumas dificuldades. A decisão foi tomada após descontentamento com o ritmo da campanha no Estado, onde o ex-governador Aécio Neves, que recusou-se a ocupar a vaga de vice na chapa de Serra, é a principal liderança do PSDB...’
Corta para o coquetel de autógrafos de Serra, no Rio, na semana passada, dia 23 de julho de 2014, no lançamento de seu livro de memórias, "50 anos Esta Noite".
Aécio Neves não compareceu ao evento, onde Serra comentou laconicamente o episódio que há dez dias faz sangrar seu velho rival e agora o candidato do PSDB à presidência.
‘Um programa de construção de aeroportos no interior de repente bate na família. Não quer dizer que houve favorecimento..’ disse olímpico sobre a obra de R$ 14 milhões feita por Aécio na fazenda de um tio, paga com dinheiro público. ‘Eu não tenho parentes no interior. Se tivesse, poderia ter acontecido...’, observou Serra com irônica ambiguidade.
Especulações sobre a origem da denúncia veiculada em 20/07, pela ‘Folha de SP’, de notórias afinidades com o serrismo, ganharam lastro extra a partir do editorial publicado pelo diário da família Frias , no último domingo, 27-07.
O texto com sugestivo título, ‘O pouso do tucano’, desmonta as explicações de Aécio para o escândalo e lança uma comprida sombra sobre o futuro de sua candidatura:
‘Mais econômico, na verdade, teria sido não fazer obra nenhuma. A demanda por voos em Cláudio é pequena, e o aeroporto de Divinópolis fica a 50 km de distância. Ainda que todo o processo tenha sido feito de maneira legal, como sustenta Aécio Neves, restará uma pista de pouso conveniente para o tucano e seus parentes, mas de questionável eficiência administrativa. Não é pouca contradição para um candidato que diz apostar na união da ética com a qualidade na gestão pública’.
Mas o principal subtexto das suspeitas quanto à fonte da denúncia remete ao recheio mineiro da derrota sofrida por Serra nas eleições presidenciais de 2010, quando as urnas sepultaram de vez suas pretensões ao cargo máximo da política brasileira.
Numa disputa marcada logo no início pela colisão frontal com Aécio, que postulava a mesma indicação no PSDB, Serra terminaria abatido fragorosamente pelo ‘poste’, Dilma Rousseff, que teve 56,05% dos votos, contra 43,9% do ‘experimente’ ex-governador de São Paulo.
Um tônico inesperado da derrota foi a desvantagem ampla de Serra nas urnas de Minas Gerais.
No segundo maior colégio eleitoral do país – de onde Aécio conquistou uma vaga no Senado, arregimentando 7,5 milhões de votos-- Serra obteve um apoio inferior a sua média nacional ( 41,5%).
O de Dilma, ao contrário, foi sugestivamente superior (58,4%).
Seria um erro atribuir o resultado ao boicote de Aécio, abstraindo assim a tradicional força do PT em Minas Gerais e o prestígio conquistado pelos investimentos do governo Lula (que teve 65% dos votos de Minas em 2006 e 66,5% em 2002) .
A verdade, porém, é que a derrota consagrava um processo de desidratação interna do candidato do PSDB, que remontava à própria dificuldade inicial de preencher a vaga de vice em sua chapa, reservada até o último minuto como um prêmio de consolação que Aécio rechaçou.
A recusa, mineiramente dissimulada na protocolar promessa de ‘não poupar esforços pelo candidato’, era o troco à forma como o ex-governador de São Paulo impusera seu nome ao partido, sem abrir espaço para uma consulta às bases, inédita entre tucanos, reivindicada pelo rival .
A disposição bélica das fileiras serristas de atropelar o adversário mineiro com um misto de fatos consumados e jogo baixo ficaria evidente logo no início de 2009.
Um artigo famoso, publicado em fevereiro daquele ano na página 3 do jornal O Estado de S. Paulo, dava o peso e a medida do fair play que ordenaria o confronto a partir de então.
Assinado pelo editorialista do jornal, Mauro Chaves, reconhecidamente ligado aos tucanos, mas sobretudo a Serra, o texto trazia no título a octanagem do arsenal disponível, caso Aécio insistisse em desafiar a vontade ‘bandeirante’.
“Pó, pará, governador?” , diziam as garrafais, num trocadilho com o suposto uso de droga por parte do político mineiro.
Era o gongo de uma série de rounds subterrâneos.
Eles incluiriam acusações mútuas sobre dossiês mortíferos engatados de um lado e de outro em um embate fraticida que quase paralisaria o PSDB.
Sobre Serra pairavam suspeitas de ter mobilizado ex-delegados da polícia federal para municiar o paiol contra Aécio.
A ira do mineiro envolveria garras não menos afiadas.
Uma delas, Andrea Neves, cabo-de- guerra do irmão para golpes de bastidores e controle da mídia, estaria associada à contratação de repórteres, antes até, em 2008, pelo jornal Estado de Minas, para investigar a vida de Serra e de sua família.
Com resultados suculentos, diga-se.
O livro ‘A privataria Tucana’, de Amaury Ribeiro Jr, seria um subproduto desse mutirão.
O nebuloso episódio de uma reunião ocorrida em junho de 2010, da qual teriam participado Amaury, arapongas e Luiz Lanzetta --membro da pré-campanha de Dilma, atiçaria as evidência de um tiroteio cerrado nos bastidores da campanha tucana.
Denunciado por um alcagueta presente, o encontro teria tratado de informações comprometedoras envolvendo lavagem de dinheiro, paraísos fiscais, Verônica Serra (filha do tucano) e a irmã do banqueiro Daniel Dantas, Veronica Dantas.
Na Polícia Federal, Amaury confirmou que pagou R$ 12 mil a um despachante paulista para obter as informações sobre os tucanos, entre setembro e outubro de 2009. O jornalista não revelou quem o contratara, nem quem financiou a investigação, iniciada como pauta do Estado de Minas.
O fato é que, nesse processo, a candidatura presidencial de Serra desidratava de dentro para fora do partido. Seu caminho para as urnas lembrava um trem fora dos trilhos, com poucas chances de ser devolvido ao leito original.
Em julho de 2010, a percepção de que estaria sendo cristianizado por fileiras amplas do tucanato era muito forte.
O termo ‘cristianização’ colava em sua trajetória como o bolor nos corredores abafados dos hotéis de estação.
A expressão vem do nome do político mineiro, Cristiano Machado que, a exemplo de Serra, havia imposto sua candidatura ao partido (o PSD) nas eleições presidenciais de 1950.
Cristiano foi abandonado pelos companheiros, que acabaram apoiando Getúlio Vargas.
O termo “cristianização” passou a designar o candidato ‘escondido’ pela sigla, que teme o contágio tóxico que sua impopularidade acarreta às demais candidaturas.
Assim foi com Serra.
Em 2010, a três meses das urnas do 1º turno, a maior parte do material de campanha de Aécio Neves, candidato ao Senado por MG, e o de Anastásia, seu candidato ao governo do Estado, omitia a imagem de Serra em santinhos e adesivos.
O alto comando serrista busca desesperadamente formas de fazer com que a campanha demotucana encontrasse motor próprio em MG.
Além de um comitê exclusivo, os serristas tiveram que montar 40 subcomitês distribuídos por todo o estado, na tentativa de algo quixotesca de contornar o boicote silencioso sofrido no segundo maior colégio eleitoral do país, por parte de seu ‘aliado’ e líder local, Aécio Neves.
No melancólico reconhecimento da derrota final para Dilma, em 1º de novembro de 2010, Serra diria que o "povo" não quis que sua eleição fosse "agora" e se despediu do eleitor com um "até logo".
No breve discurso ao lado da família, o tucano agradeceu o empenho do partido, festejou a eleição de Alckmin, porém não citou uma única vez o senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves.
A queda de braço não terminaria ali.
Aécio rapidamente ocuparia o vácuo da derrota pavimentando a sua candidatura dentro de um PSDB de joelhos, com o serrismo acuado.
O mineiro aplastou o desafeto em todas as frentes de comando.
Tomou a presidência do partido em primeiro lugar. E negou a Serra até mesmo a direção do medíocre, mas rico, Instituto Teotônio Vilela, o think tank do PSDB.
Humilhado, Serra engoliu um cargo honorífico no Conselho Político do partido, um enxerto criado pela Executiva Nacional, mas no qual, ainda assim, seria minoritário.
A partir de então, experimentaria a mesma ração de fatos consumados e menosprezo que dispensara ao oponente em 2010.
Braço direito de Aécio Neves no Senado, o impoluto Cassio Cunha Lima, distribuía patadas em seu nome dirigidas diretamente ao estômago de Serra.
Em outubro do ano passado, enquanto Serra se comportava como se ainda pudesse pleitear a candidatura tucana ao Planalto –ou mudaria para o PPS, sugeriam seus ventríloquos na mídia-- Cunha lima desembarcou em São Paulo.
O emissário de Aécio conversou com FHC , Geraldo Alckmin e outros graúdos bicos curtos e longos.
Não procurou José Serra. Mas declarou às viúva do ex-governador na mídia :
‘Não vamos mais repercutir o que Serra diz. A imprensa que faça isso. Deixa ele falar, nós vamos ignorar’ (revista Veja; 25/10/2013).
Serra ouviu e registrou em sua volumosa agenda mental encapada com o ditado: ‘a vingança é um prato que se come frio’.
Dois meses depois, 48 horas antes de Aécio lançar sua bisonha ‘cartilha’, na qual não mencionaria uma única vez o pré-sal nos 12 pontos que comporiam suas propostas de governo, Serra retirou o prato da geladeira.
E disparou um artigo na ‘Folha de SP’, em 15/12/2013.
O tema: o consumo de drogas.
O primeiro parágrafo: ‘ O debate sobre o consumo de cocaína no Brasil pode e deve ser uma pauta em 2014’.
Desde então, aconselhados por Fernando Henrique e o pelotão dos ‘interesses maiores’, os desafetos baixaram os punhais. Uma trégua acomodatícia foi costurada pelos seguidores dos dois lados com a linha grossa da conveniência.
Aécio trouxe o braço direito de Serra, Aloysio Nunes, para ocupar a vaga de vice em sua chapa. Serra recolheu-se à disputa por uma cadeira no Senado, com a promessa de um ministério, se Aécio for eleito.
As farpas refluíram; parecia que o PSDB cicatrizaria as profundas fendas internas.
Até que no 17 de julho agora, uma quinta-feira, surgiu a notícia da defecção de um serrista graúdo afastado de um cargo de confiança na campanha de Aécio.
Xico Graziano, conhecido pela mão pesada com que exerce a fidelidade aos próprios interesses, foi defenestrado do pomposo cargo de ‘chefe da estratégia de redes’ da candidatura Aécio.
Nos bastidores afirma-se que Xico Graziano perdeu o posto por uma questão prosaica: incompetência.
Seu projeto de site de campanha teria sido avaliado como um fiasco pela cúpula da candidatura.
Depois se soube que um outro site já estaria pronto e seria lançado em seguida.
Quem supervisionou o trabalho paralelo e empurrou Xico para a ladeira da campanha foi a irmã do mineiro, Andrea Neves.
Três dias depois do episódio, no domingo, a ‘Folha’ estamparia a denúncia do aeroporto construído por Aécio na fazenda do ‘tio Múcio’, com gastos de R$ 14 milhões do tesouro de Minas Gerais.
Na série de escaramuças desse histórico pode ser um ponto fora da curva.
Uma desprezível coincidência.
Aspas para o Globo de 29-07-2010:
‘O candidato a presidente pelo PSDB, José Serra, terá uma estrutura independente em Minas Gerais para impulsionar sua campanha no Estado (...). A estratégia foi montada para fazer frente a algumas dificuldades. A decisão foi tomada após descontentamento com o ritmo da campanha no Estado, onde o ex-governador Aécio Neves, que recusou-se a ocupar a vaga de vice na chapa de Serra, é a principal liderança do PSDB...’
Corta para o coquetel de autógrafos de Serra, no Rio, na semana passada, dia 23 de julho de 2014, no lançamento de seu livro de memórias, "50 anos Esta Noite".
Aécio Neves não compareceu ao evento, onde Serra comentou laconicamente o episódio que há dez dias faz sangrar seu velho rival e agora o candidato do PSDB à presidência.
‘Um programa de construção de aeroportos no interior de repente bate na família. Não quer dizer que houve favorecimento..’ disse olímpico sobre a obra de R$ 14 milhões feita por Aécio na fazenda de um tio, paga com dinheiro público. ‘Eu não tenho parentes no interior. Se tivesse, poderia ter acontecido...’, observou Serra com irônica ambiguidade.
Especulações sobre a origem da denúncia veiculada em 20/07, pela ‘Folha de SP’, de notórias afinidades com o serrismo, ganharam lastro extra a partir do editorial publicado pelo diário da família Frias , no último domingo, 27-07.
O texto com sugestivo título, ‘O pouso do tucano’, desmonta as explicações de Aécio para o escândalo e lança uma comprida sombra sobre o futuro de sua candidatura:
‘Mais econômico, na verdade, teria sido não fazer obra nenhuma. A demanda por voos em Cláudio é pequena, e o aeroporto de Divinópolis fica a 50 km de distância. Ainda que todo o processo tenha sido feito de maneira legal, como sustenta Aécio Neves, restará uma pista de pouso conveniente para o tucano e seus parentes, mas de questionável eficiência administrativa. Não é pouca contradição para um candidato que diz apostar na união da ética com a qualidade na gestão pública’.
Mas o principal subtexto das suspeitas quanto à fonte da denúncia remete ao recheio mineiro da derrota sofrida por Serra nas eleições presidenciais de 2010, quando as urnas sepultaram de vez suas pretensões ao cargo máximo da política brasileira.
Numa disputa marcada logo no início pela colisão frontal com Aécio, que postulava a mesma indicação no PSDB, Serra terminaria abatido fragorosamente pelo ‘poste’, Dilma Rousseff, que teve 56,05% dos votos, contra 43,9% do ‘experimente’ ex-governador de São Paulo.
Um tônico inesperado da derrota foi a desvantagem ampla de Serra nas urnas de Minas Gerais.
No segundo maior colégio eleitoral do país – de onde Aécio conquistou uma vaga no Senado, arregimentando 7,5 milhões de votos-- Serra obteve um apoio inferior a sua média nacional ( 41,5%).
O de Dilma, ao contrário, foi sugestivamente superior (58,4%).
Seria um erro atribuir o resultado ao boicote de Aécio, abstraindo assim a tradicional força do PT em Minas Gerais e o prestígio conquistado pelos investimentos do governo Lula (que teve 65% dos votos de Minas em 2006 e 66,5% em 2002) .
A verdade, porém, é que a derrota consagrava um processo de desidratação interna do candidato do PSDB, que remontava à própria dificuldade inicial de preencher a vaga de vice em sua chapa, reservada até o último minuto como um prêmio de consolação que Aécio rechaçou.
A recusa, mineiramente dissimulada na protocolar promessa de ‘não poupar esforços pelo candidato’, era o troco à forma como o ex-governador de São Paulo impusera seu nome ao partido, sem abrir espaço para uma consulta às bases, inédita entre tucanos, reivindicada pelo rival .
A disposição bélica das fileiras serristas de atropelar o adversário mineiro com um misto de fatos consumados e jogo baixo ficaria evidente logo no início de 2009.
Um artigo famoso, publicado em fevereiro daquele ano na página 3 do jornal O Estado de S. Paulo, dava o peso e a medida do fair play que ordenaria o confronto a partir de então.
Assinado pelo editorialista do jornal, Mauro Chaves, reconhecidamente ligado aos tucanos, mas sobretudo a Serra, o texto trazia no título a octanagem do arsenal disponível, caso Aécio insistisse em desafiar a vontade ‘bandeirante’.
“Pó, pará, governador?” , diziam as garrafais, num trocadilho com o suposto uso de droga por parte do político mineiro.
Era o gongo de uma série de rounds subterrâneos.
Eles incluiriam acusações mútuas sobre dossiês mortíferos engatados de um lado e de outro em um embate fraticida que quase paralisaria o PSDB.
Sobre Serra pairavam suspeitas de ter mobilizado ex-delegados da polícia federal para municiar o paiol contra Aécio.
A ira do mineiro envolveria garras não menos afiadas.
Uma delas, Andrea Neves, cabo-de- guerra do irmão para golpes de bastidores e controle da mídia, estaria associada à contratação de repórteres, antes até, em 2008, pelo jornal Estado de Minas, para investigar a vida de Serra e de sua família.
Com resultados suculentos, diga-se.
O livro ‘A privataria Tucana’, de Amaury Ribeiro Jr, seria um subproduto desse mutirão.
O nebuloso episódio de uma reunião ocorrida em junho de 2010, da qual teriam participado Amaury, arapongas e Luiz Lanzetta --membro da pré-campanha de Dilma, atiçaria as evidência de um tiroteio cerrado nos bastidores da campanha tucana.
Denunciado por um alcagueta presente, o encontro teria tratado de informações comprometedoras envolvendo lavagem de dinheiro, paraísos fiscais, Verônica Serra (filha do tucano) e a irmã do banqueiro Daniel Dantas, Veronica Dantas.
Na Polícia Federal, Amaury confirmou que pagou R$ 12 mil a um despachante paulista para obter as informações sobre os tucanos, entre setembro e outubro de 2009. O jornalista não revelou quem o contratara, nem quem financiou a investigação, iniciada como pauta do Estado de Minas.
O fato é que, nesse processo, a candidatura presidencial de Serra desidratava de dentro para fora do partido. Seu caminho para as urnas lembrava um trem fora dos trilhos, com poucas chances de ser devolvido ao leito original.
Em julho de 2010, a percepção de que estaria sendo cristianizado por fileiras amplas do tucanato era muito forte.
O termo ‘cristianização’ colava em sua trajetória como o bolor nos corredores abafados dos hotéis de estação.
A expressão vem do nome do político mineiro, Cristiano Machado que, a exemplo de Serra, havia imposto sua candidatura ao partido (o PSD) nas eleições presidenciais de 1950.
Cristiano foi abandonado pelos companheiros, que acabaram apoiando Getúlio Vargas.
O termo “cristianização” passou a designar o candidato ‘escondido’ pela sigla, que teme o contágio tóxico que sua impopularidade acarreta às demais candidaturas.
Assim foi com Serra.
Em 2010, a três meses das urnas do 1º turno, a maior parte do material de campanha de Aécio Neves, candidato ao Senado por MG, e o de Anastásia, seu candidato ao governo do Estado, omitia a imagem de Serra em santinhos e adesivos.
O alto comando serrista busca desesperadamente formas de fazer com que a campanha demotucana encontrasse motor próprio em MG.
Além de um comitê exclusivo, os serristas tiveram que montar 40 subcomitês distribuídos por todo o estado, na tentativa de algo quixotesca de contornar o boicote silencioso sofrido no segundo maior colégio eleitoral do país, por parte de seu ‘aliado’ e líder local, Aécio Neves.
No melancólico reconhecimento da derrota final para Dilma, em 1º de novembro de 2010, Serra diria que o "povo" não quis que sua eleição fosse "agora" e se despediu do eleitor com um "até logo".
No breve discurso ao lado da família, o tucano agradeceu o empenho do partido, festejou a eleição de Alckmin, porém não citou uma única vez o senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves.
A queda de braço não terminaria ali.
Aécio rapidamente ocuparia o vácuo da derrota pavimentando a sua candidatura dentro de um PSDB de joelhos, com o serrismo acuado.
O mineiro aplastou o desafeto em todas as frentes de comando.
Tomou a presidência do partido em primeiro lugar. E negou a Serra até mesmo a direção do medíocre, mas rico, Instituto Teotônio Vilela, o think tank do PSDB.
Humilhado, Serra engoliu um cargo honorífico no Conselho Político do partido, um enxerto criado pela Executiva Nacional, mas no qual, ainda assim, seria minoritário.
A partir de então, experimentaria a mesma ração de fatos consumados e menosprezo que dispensara ao oponente em 2010.
Braço direito de Aécio Neves no Senado, o impoluto Cassio Cunha Lima, distribuía patadas em seu nome dirigidas diretamente ao estômago de Serra.
Em outubro do ano passado, enquanto Serra se comportava como se ainda pudesse pleitear a candidatura tucana ao Planalto –ou mudaria para o PPS, sugeriam seus ventríloquos na mídia-- Cunha lima desembarcou em São Paulo.
O emissário de Aécio conversou com FHC , Geraldo Alckmin e outros graúdos bicos curtos e longos.
Não procurou José Serra. Mas declarou às viúva do ex-governador na mídia :
‘Não vamos mais repercutir o que Serra diz. A imprensa que faça isso. Deixa ele falar, nós vamos ignorar’ (revista Veja; 25/10/2013).
Serra ouviu e registrou em sua volumosa agenda mental encapada com o ditado: ‘a vingança é um prato que se come frio’.
Dois meses depois, 48 horas antes de Aécio lançar sua bisonha ‘cartilha’, na qual não mencionaria uma única vez o pré-sal nos 12 pontos que comporiam suas propostas de governo, Serra retirou o prato da geladeira.
E disparou um artigo na ‘Folha de SP’, em 15/12/2013.
O tema: o consumo de drogas.
O primeiro parágrafo: ‘ O debate sobre o consumo de cocaína no Brasil pode e deve ser uma pauta em 2014’.
Desde então, aconselhados por Fernando Henrique e o pelotão dos ‘interesses maiores’, os desafetos baixaram os punhais. Uma trégua acomodatícia foi costurada pelos seguidores dos dois lados com a linha grossa da conveniência.
Aécio trouxe o braço direito de Serra, Aloysio Nunes, para ocupar a vaga de vice em sua chapa. Serra recolheu-se à disputa por uma cadeira no Senado, com a promessa de um ministério, se Aécio for eleito.
As farpas refluíram; parecia que o PSDB cicatrizaria as profundas fendas internas.
Até que no 17 de julho agora, uma quinta-feira, surgiu a notícia da defecção de um serrista graúdo afastado de um cargo de confiança na campanha de Aécio.
Xico Graziano, conhecido pela mão pesada com que exerce a fidelidade aos próprios interesses, foi defenestrado do pomposo cargo de ‘chefe da estratégia de redes’ da candidatura Aécio.
Nos bastidores afirma-se que Xico Graziano perdeu o posto por uma questão prosaica: incompetência.
Seu projeto de site de campanha teria sido avaliado como um fiasco pela cúpula da candidatura.
Depois se soube que um outro site já estaria pronto e seria lançado em seguida.
Quem supervisionou o trabalho paralelo e empurrou Xico para a ladeira da campanha foi a irmã do mineiro, Andrea Neves.
Três dias depois do episódio, no domingo, a ‘Folha’ estamparia a denúncia do aeroporto construído por Aécio na fazenda do ‘tio Múcio’, com gastos de R$ 14 milhões do tesouro de Minas Gerais.
Na série de escaramuças desse histórico pode ser um ponto fora da curva.
Uma desprezível coincidência.