Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Elitismo revestido de “meritocracia”

Obrigado a ficar andando de carro, hoje de manhã, ouvi a pancadaria que recebeu a UFRJ na rádio CBN por ter aderido ao ENEM como forma de seleção exclusiva para o ingresso na mais antigas e uma das mais prestigiosas universidades brasileiras.
Lucia Hippólito e o comentarista Sérgio Besserman Viana – ex-presidente do IBGE no Governo FHC, dirigente nacional do PSDB – disseram que isso era um “nivelamento por baixo”, algo como a destruição do mérito e da qualidade acadêmica, porque não se faria uma seleção “específica” para o nível e as pretensões de uma instituição do padrão da UFRJ.
Não, não é. E Sergio Bessermann é, pessoalmente, prova de que isso não é verdade, a não ser que não considere a si mesmo como exemplo de aluno que não merecia ter sido aprovado. Ele passou no vestibular da UFRJ no mesmo ano em que eu. Ambos sabemos que fomos selecionados num exame igualmente geral – o então Cesgranrio – que servia de porta de entrada  a quase todas as universidades e faculdades do Rio de Janeiro. Exatamente como é o Enem.
O único problema de Besserman com a UFRJ foi vocacional, não de qualidade intelectual, tanto que a deixou para fazer História e, depois, Economia na PUC.
O Cesgranrio tinha deficiências graves. Mas, no geral, passar para um “federal” não era então e não é hoje coisa que aconteça com quem está despreparado. Os pais de adolescentes – e eles, mais do que ninguém – sabem disso, perfeitamente.
Não é o caso de discutir se, do ponto de vista acadêmico, uma universidade pode ou deve ter seleções específicas. Esta é uma longa e profunda discussão. Mas, mesmo que considere assim, igualmente deve usar o Enem como pré-seleção, porque o gigantismo dos vestibulares das universidades públicas tornou-se um processo monstruoso de distorção, em vários aspectos.
Primeiro, das funções da Universidade. Preparar e realizar exames simultâneos para cem mil ou mais vestibulandos, com os requisitos de qualidade e segurança que isso impõe, na aplicação das provas e em sua correção acabou se tornando uma das principais preocupações da academia. E é caríssimo.
Daí, vem o segundo problema. O aluno que faz prova para a UFRJ, faz outra prova para a UFF (em Niterói), outra para a UERJ (estadual) e,  em certos cursos, também para a Unirio (federal) e a Universidade Federal Rural, em Seropédica.  Em outros casos, havia mais  um – o da Universidade Estadual Darcy Ribeiro, em Campos, que hoje também adota apenas o Enem. Para cada uma, uma taxa de inscrição. Em 2008, a inscrição da UFRJ custava R$ 95. Imagine o custo, para uma família de classe média baixa ou para um jovem trabalhador de fazer cinco inscrições para cinco vestibulares?Ou seis, em alguns casos?
Afora isso, o fato de realizar dois ou até três dias de provas para cada um dos cinco vestibulares públicos criava um período em absoluta indisponibilidade e stress para estes jovens. Se, por acaso, tivessem um emprego, era virtualmente impossível fazerem todas estas provas.
É evidente que a elevação do nível de nossas grandes universidades depende, e muito, da qualidade do ensino básico e do médio. Embora a política de cotas seja um correto remédio emergencial para as desigualdades, ela não resolve sozinha estes problemas e nem se deseja que seja eterna, pois que não se deseja a eternidade da desigualdade.
Mas nada justifica que, sob este argumento, seja mantido um sistema de seleção que é  caro, torturante e  elitista.Tanto que das universidades fluminenses – por decisão de seus conselhos acad~emicos e não do Governo – só a UFF não aderiu ainda à seleção apenas pelo Enem.
É uma atitude estranha que isso seja proposto, em nome da “excelência da UFRJ”, por alguém que chegou a ela por um exame geral como era o do Cesgranrio, como Sérgio Besserman.
Com vestibular específico ou com Enem, passar para a UFRJ continuará sendo uma façanha digna de aplauso, pela capacidade e pelo esforço, para qualquer jovem. Como o foi, naquele vestibular de 1977, para o então jovem e então esquerdista Sérgio BessermanViana.

A GRÉCIA NÃO É AQUI, MAS A LÓGICA

Nos últimos 12 meses,  o juro da dívida  pública custou  R$ 213,9 bi ao Brasil. Para honrar seus credores, o  Estado fez um arrocho de gastos e conseguiu reservar  R$ 119,6 bi do total da receita de impostos, compondo assim o superávit primário, todavia insuficiente para suprir a pantagruélica bocarra rentista . O rombo não pago,  R$ 94,3 bi, ou 2,5% do PIB, foi acrescido ao saldo da dívida que desse modo não cessa de aumentar, mesmo quando o governo gasta menos do que arrecada.  Sempre é bom cotejar  valores etéreos das finanças com unidades de medida mais terrenas. Uma delas é o custo do  Bolsa  Família, o maior programa social de transferência de renda do mundo. Um ano de Bolsa Família custa R$ 17 bi aos cofres públicos. Beneficia 53 milhões de brasileiros. Vamos sentar  para não cair de susto: o juro da dívida pública pago nesses 12 meses permitiria multiplicar por doze vezes e meia o benefício médio do Bolsa Família, o que propiciaria a cada lar inscrito no programa uma renda de R$ 1.400 reais por mês, contra média de R$ 155,00 atuais. Não é uma proposta.Mas uma ilustração do  que se sacrifica desviando tal volume de recursos para um universo proporcionalmente insignificante de privilegiados. Infelizmente, a tendência é que esses paradoxos e discrepâncias se acentuem. Não porque o governo seja perdulário, como dardeja a ortodoxia militante dentro e fora da mídia. Mas, entre outras coisas, porque o nível de juro com que o país ingressou na crise mundial já era absurdo. Qualquer variação para cima, agora, realimenta uma dinâmica autodestrutiva,  mantidas as ferramentas convencionais de política econômica. Harmonizar o controle da inflação, por exemplo (que, segundo a ortodoxia,  requer um juro real de 8% até dezembro, contra 7% atuais) e, ao mesmo tempo, conter o tsunami de capitais especulativos que desembarcam no país, virou um jogo de perde-perde . Perde-se com a alta dos juros, de um lado e também com a valorização da moeda brasileira pela indigestão de dólares atraídos pelos juros siderais. Deixa-se de gerar empregos e riquezas para conter a inflação. Ao mesmo tempo, exporta-se empregos e produção deslocando-se demanda para produtos importados, barateados pela distorção cambial. Este ano, o superávit primário foi de R$ 45,452 bi de janeiro a maio. O valor  é 87,6% superior ao registrado um ano antes. A Grécia não é aqui. Mas há várias tragédias embutidas nesses números  -talvez o fato de nos habituarmos a eles seja a maior delas.
(Carta Maior; 6º feira, 301/07/ 2011)

Para não ficar apenas com o desjornalismo da Miriam Leitão

Do ponto de vista concorrencial, é claro que a união entre Pão de Açúcar e Carrefour não é boa.  A soma das duas redes representa quase 30% do setor supermercadista e isso é um nível de  concentração que dificilmente será aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa da Economia – o Cade, que examina este tipo de fusões – sem que o grupo resultante não concordar em  transferir uma parte significativa dos cerca 1.100 pontos de venda que, juntas, possuem.
Evidente que, salvo uma ou outra superposição geográfica de duas lojas de grande porte, a venda será das unidades menores. e não é provável que faltem compradores.
O mais importante, porém, é discutir porque isso está acontecendo e se o BNDES – através de sua subsidiária BNDESpar – deve participar do negócio.
Negócio, que, aliás, é extremamente complicado. Vamos tentar resumir, ajudados pela excelente matéria publicada hoje no Valor pelas repórteres Graziella Valenti e Vanessa Adachi.
Em 2005, Abílio Diniz vendeu 50% do controle da companhia para o grupo varejista francês Casino. Na venda, houve um acordo para que ele permanecesse como controlador até 2012, quando o controle passaria aos franceses.
O grupo Carrefour, principal concorrente do Casino, vai mal das pernas na França – embora domine lá o setor, contra 12% apenas de participação do grupo Casino -  e  ramo brasileiro de seus negócios era alvo da cobiça do próprio Casino (via Pão de Açúcar) e do americano WalMart, pelo fato de que a matriz queria evitar os prejuízos que colhe aqui, por má administração.
Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart são, pela ordem, as três maiores empresas do ramo no Brasil. A quarta também é estrangeira, a Cencosud, do Chile, que controla as redes Bretas (em Minas) e GBarbosa  (no Nordeste) e fatura R$ 5 bi por ano.
Mas, como este negócio entre o Pão de Açúcar e Carrefour tem escala mundial, é  bom  ter uma ideia do tamanho destes grupos consultando o relatório deste ano da consultoria Deloitte (aqui, em pdf e em inglês). Lá você verá que o Walmart é o líder mundial, com faturamento de US$ 408 bilhões em 2009, seguido do Carrefour, com US$ 121 bilhões. O Casino aparece em 26º,  com faturamento de US$ 37 bi e o Pão de Açúcar em 75º e US$ 11,8 bilhões.
Só que, em matéria de resultado, o brasileiro lidera com folga mais do que acentuada. De lá para cá seu faturamento cresceu, em reais, 37%. Em dólares, embora não se possa dar o percentual, porque o relatório da Deloitte não dá a data de conversão, isso deve chegar ultrapassar 50%.
Esse crescimento dá ideia do “boom” do setor no Brasil, empurrado pela elevação do poder de compra das classes populares.
Para se ter uma ideia, coloco aí ao lado um gráfico do mercado mundial de produtos de higiene, cosméticos e perfumaria – segunda força de vendas dos supermercados, após os alimentos.
Veja que o Brasil já surge como terceiro mercado mundial no setor, avançando rapidamente.
E no setor de alimentos – carro-chefe dos supermercados – nem é preciso falar, porque todos sabem que não apenas o consumo aumenta como é unânime a avaliação de que eles subiram, sobem e subirão mundialmente de preço.
Aí está porque o setor de varejo atrai a cobiça dos grandes grupos econômicos.
E este setor, no Brasil, ficaria, a partir do ano que vem, com seus maiores grupos – que respondem por cerca de 50% das vendas – sob controle estrangeiro.
Bom, agora o outro ponto. Mesmo sendo para o país não ficar com o setor totalmente internacionalizado, o BNDESpar deveria entrar no negócio, usando dinheiro do Estado?
A Miriam Leitão acha que não e disse hoje no Bom Dia Brasil:
“O nosso dinheiro não tem nada a ver com isso. O BNDES pensar em participar desse processo é estranho. O BNDES não só emprestaria dinheiro, como entraria de sócio na nova empresa. É importante lembrar que o BNDES recebe dinheiro de endividamento público. O tesouro se endivida para colocar dinheiro no BNDES, que pega esse dinheiro para entrar de sócio em um supermercado?”
Está se confundindo - não a Leitão, que sabe exatamente  disso – empréstimo do BNDES com compra de participação acionária – sociedade, se preferirem.
Um dos papéis do BNDES é, sim, ser sócio – e viabilizar negócios – em atividades privadas que se exerçam em larga escala e com níveis de concentração e investimento significativos. E estes negócios devem se pautar por dois critérios: serem impulsionadores de nossa economia, gerando cadeias de produção e comercialização e serem, comercialmente, bons negócios, embora talvez não em prazo, condições e volume de capital que atraiam recursos privados.
Ora, até Merval Pereira e o Carlos Alberto Sardemberg reconheceram, também hoje, na CBN, que o negócio é lucrativo para o BNDES.
E no aspecto estratégico, é bom?
Uma cadeia de supermercados vende o que? Alimentos industrializados. O Brasil, entre suas grandes vocações, produz o que? Alimentos. Evidente que um participação brasileira na segunda rede mundial de supermercados vai auxiliar a colocação de produtos brasileiros em suas gôndolas.
A última questão é: isso é um ganho de poder pessoal para o Sr. Abilio Diniz? Sim. Tornará a nova empresa um “quintal” da família Diniz? Não. Por que?
A reportagem de Graziella Valenti e Vanessa Adachi ajuda a responder.
“Diniz, Casino e todos os atuais acionistas de Pão de Açúcar migrarão para a holding chamada NPA. Nessa nova empresa, que só teria ações ordinárias e o controle disperso na bolsa, Abilio Diniz e família teriam direta e indiretamente 16,9% e Casino, 29,8%. A fatia de Wilkes, participação indireta de ambos, sairia de 25,2% para 20,5%.
O estatuto dessa nova companhia, porém, limita o poder de votar de um acionista a 15% do capital, independentemente da participação econômica detida. Esse dispositivo abre espaço para que Diniz e Casino tenham o mesmo poder político – ainda que o grupo francês tenha quase o dobro em dinheiro investido.
Para preservar a estrutura dispersa do capital, NPA ainda terá em estatuto a previsão de que quem superar 39% de participação deve lançar oferta pública para todos os acionistas.
O primeiro passo, porém, seria transformar o Pão de Açúcar numa companhia apenas com ações ordinárias, embora não listada no Novo Mercado. As preferenciais seriam convertidas em ordinárias na proporção de uma para 0,95.
O segundo movimento é a incorporação da empresa aberta por NPA, que seria sucessora como empresa listada na BM&FBovespa.
Nessa companhia, os atuais acionistas seriam diluídos pela entrada da BNDESPar e do Pactual, com aporte total de R$ 4,6 bilhões, que ficariam com 18% e 3,2% do capital, respectivamente.
Abilio Diniz e família teriam a participação reduzida de 21,4% para 16,9% e Casino sairia de 36,9% para 29,8%. Os minoritários, que hoje detêm 41,6% do Pão de Açúcar, ficariam com 32,1% de NPA.
Em seguida, Pão de Açúcar deveria incorporar Carrefour Brasil, numa transação que daria 31% do negócio ao Carrefour na França.
Nesse momento NPA teria os outros 69% do negócio. Para igualar a participação em 50% para cada lado, os 19% excedentes do NPA seriam trocados por uma participação de 11,7% no capital do Carrefour França em ações preferenciais, incluindo voto mais direitos para participação na gestão.”
Bom, acho que com estas informações você pode avaliar melhor esta complicada e gigantesca negociação.
E não fazer papel de bobo, com o pessoal que fica chiando sobre a “intervenção do estado”, como se estivéssemos tratando de o BNDES estar comprando uma fatia de meia-dúzia de quitandas, para ajudar o patrício Abílio das Verduras.
Porque a desinformação e a superficialidade são grandes maneiras de nos levarem no bico e nos “ajudar” a formar opinião que são autênticos “gols contra”. E este negócio é muito mais complicado, como se disse, do que achar uma promoção de supermercado em encarte de jornal.
PS. Depois de postar este texto, fui ler uma matéria, publicada pela BBC que ajuda a ter noção do tamanho desta guerra e do que representam os apetites internacionais do setor sobre o Brasil, definido como “eldorado” para as grandes redes de varejo. Quem não pensar considerando esta escala, vai errar. E errar, neste campo, significa deixar o país totalmente entregue aos tais apetites.

Barões da mídia querem pairar acima das leis


A quem você daria o direito de pairar acima das leis em nome da profissão que exerce? A padres, médicos, jornalistas…? Acima dessa, eis a grande questão: é legal, moral e racional dar a um segmento profissional ou social ou ideológico ou religioso o direito de não cumprir leis que valem para todo o resto da sociedade sem que tal privilégio sequer conste da lei?
Acredite ou não, leitor, alguns dos que exploram a baratíssima mão-de-obra jornalística em um mercado oligopolizado pretendem que seus empregados não se submetam a leis que valem para todos os que não integram tal categoria. Repito: apesar de o objeto dessa prevalência ser o jornalista, quem quer colocá-lo acima das leis são os que exploram o seu trabalho.
Claro que esse poder que grandes empregadores do jornalismo pretendem que seja dado aos seus empregados não inclui desafiarem os patrões. Quando estão fora da área de influência desse grupelho de empresas familiares que exploram a comunicação no país os jornalistas vêem-se ignorados, isso quando não lhes roubam matérias que publicam na internet usando-as sem lhes dar o crédito.
Matéria da Folha de São Paulo desta quinta-feira 30 de junho revela comportamento espantoso da imprensa e faz uma denúncia que não pretendeu fazer. Peço ao leitor que examine o texto cuidadosamente e veja se capta, sem maior explicação, não só o absurdo da pretensão dos barões da mídia de pairarem acima da lei, mas outra ação ilegal de um jornalista ali relatada.
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FOLHA DE SÃO PAULO
30 de junho de 2011
PF acusa repórter de publicar dado sigiloso
Segundo procurador, jornalista prejudicou investigação ao divulgar informações preservadas por segredo de Justiça
Repórter se negou a revelar fonte de dados e foi indiciado; entidades de imprensa como a ANJ repudiaram o episódio
NATÁLIA CANCIAN
DE SÃO PAULO





A Polícia Federal indiciou um jornalista de São José do Rio Preto (SP) sob suspeita de divulgar informações preservadas por segredo de Justiça.
Allan de Abreu, repórter do “Diário da Região”, foi indiciado após publicar duas reportagens com dados obtidos por meio de escutas telefônicas feitas pela polícia na Operação Tamburutaca.
A operação investiga um esquema de corrupção de fiscais do Ministério do Trabalho suspeitos de exigir propina para livrar empresários de multas trabalhistas.

Segundo o repórter, no dia seguinte à primeira publicação, o procurador da República Álvaro Stipp o chamou e questionou quem havia passado as informações para o jornal. Abreu diz que se negou a revelar a fonte, apesar da insistência do procurador.
Após uma segunda reportagem, o procurador pediu abertura de inquérito para investigar o vazamento das informações e solicitou o indiciamento do jornalista.
Para Stipp, o repórter descumpriu a lei 9.296, de 1996, que considera crime “quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial”.
“Pegou de surpresa”, disse Allan de Abreu: “Essa prática [de divulgar informações sob segredo de Justiça] eu já fiz antes em duas ocasiões e nunca aconteceu nada. E não lembro de ter acontecido com alguém. Jamais esperava isso, sobretudo de um procurador, a quem cabe zelar para liberdade de imprensa”.
Stipp diz que a lei vale para qualquer pessoa que divulgar a informação e que o repórter não tem “imunidade” por ser jornalista. “Em uma democracia, temos que respeitar as instituições. Se o Judiciário diz que está em sigilo de Justiça, está em sigilo de Justiça e ponto.”
Ele afirma que também pediu o indiciamento do editor-chefe do “Diário da Região”. Segundo o procurador, a divulgação prejudicou as investigações: uma das pessoas citadas nas escutas divulgadas, e que poderia servir como testemunha, sumiu.
Stipp diz que não é contra o repórter ter tido acesso aos dados, mas por ter divulgado uma parte do processo.
O delegado da PF José Eduardo Pereira de Paula diz que só indiciou o repórter por ordem do procurador. “Estou dentro de um sistema. Não é minha vontade que prevalece”. O repórter responderá formalmente pelo caso e pode ser denunciado à Justiça.
Se for aberto processo contra ele, pode ser multado e condenado a até quatro anos de reclusão. Abreu pediu liminar para anular o indiciamento. A Associação Nacional de Jornais e a Associação Brasileira de Imprensa repudiaram o seu indiciamento.
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Esse embate dos barões da mídia (as famílias donas de Globo, Folha, Veja e Estadão) com a Justiça já vem de longe. Antes desse, o último caso foi o da “censura” que o Estadão anuncia todo dia que está sofrendo porque foi proibido por essa mesma Justiça de divulgar dados de investigação sigilosa envolvendo o filho de José Sarney.
O fato é que a lei diz que não se pode divulgar detalhes de certas investigações até para não atrapalhar seu curso, como fica expresso na reportagem. Há uma lei com número e data de promulgação que sustenta a decisão da Justiça, mas os barões da mídia não querem aceitá-la.
Veja este trecho da reportagem acima:
Para Stipp, o repórter descumpriu a lei 9.296, de 1996, que considera crime “quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial”
Como assim, “para Stipp”? É ou não é? A lei diz ou não que é crime “Quebrar segredo de Justiça”? Todavia, a reportagem deixa dúvida sobre aquilo que não tem dúvida, a letra fria da lei que protege investigações sigilosas da Justiça em benefício de seu êxito, que, por certo, interessa a toda a sociedade, sobretudo em um caso como o de corrupção de fiscais do trabalho.
A reportagem pode dar a impressão de que vige esse tratamento equânime da lei em relação a todos. Infelizmente, não é assim. Tenho uma historinha para contar ao leitor.
Ano passado, quando entrevistei o então presidente Lula (em 24 de novembro, no Palácio do Planalto), perguntei-lhe se poderia contribuir para fazer avançar representação que a ONG Movimento dos Sem Mídia impetrou em 2008 no Ministério Público Federal.
A representação acusava toda a grande mídia por “crime de alarma social” no caso do surto de febre amarela naquele ano. Por conta de alarmismo da mídia, ao fim de janeiro de 2008 havia mais gente internada devido à vacina de febre amarela do que pela doença propriamente dita. Morreu um número inédito de pessoas por reação adversa à vacina.
O então presidente Lula, quando o entrevistei, recebeu de mim uma pasta com o processo e me prometeu que cuidaria pessoalmente do caso. Todavia, sua disposição foi frustrada porque eu mesmo não me dera conta de um fato: com a extinção da Lei de Imprensa, foi extinto o crime de alarma social que figurava na regulamentação de tal lei.
O que é “alarma social”?, perguntará você. É simples: se eu entrar na estação Sé do metrô de São Paulo – a mais congestionada do mundo – às seis da tarde, no horário de pico, e começar a gritar “BOMBA! BOMBA!”, é bem provável que muita gente morra pisoteada. Só quem nunca viu o que é aquilo, nesse horário, poderá duvidar. Fazer isso, portanto, seria provocar pânico.
Deveria ser proibido causar pânico tanto quanto mais poder de causá-lo alguém tivesse. Se com minha voz consigo atingir mil pessoas, aquele que tem algum meio de se comunicar com milhões deve ser mais penalizado do que eu. Até porque recebe dinheiro público para se comunicar, por exemplo via publicidade oficial.
No entanto, inexiste, hoje, uma lei de imprensa no Brasil. E por que deveria haver uma lei de imprensa? Ora, porque o poder da imprensa é maior do que o do cidadão comum e porque a imprensa é composta por empresas privadas, controladas por cidadãos que adquirem um poder maior de se comunicar e que, portanto, também devem ter maiores responsabilidades.
Para concluir, note que a regulamentação da atividade jornalística pelos grandes meios de comunicação de massa, a imprensa, é mais um ponto em que o atual governo anda de lado ao não propor, não cobrar, não debater. Chegamos ao oitavo ano do governo Lula com menos leis do que no primeiro por conta da extinção da lei de imprensa, e parece que nada irá mudar.
Mas, enfim, você adivinhou qual é a ilegalidade que a reportagem da Folha relata? Notou que o repórter que violou o segredo de Justiça dessa investigação que a matéria cita confessou que fez isso outras vezes impunemente? Por que, antes, ninguém o indiciou por violar a lei? Quem deixou de indiciá-lo? Que investigação sigilosa foi violada? Que efeitos a violação produziu?
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