Não há nada mais perverso, doentio
 e perigoso que a mistura entre radicalismo político e radicalismo 
religioso. O fanático político-religioso não tem limites; não tem ética;
 não age com a razão. Age por convicção, ou seja, pela crença pervertida
 que é um porta-voz do bem ou um discípulo de uma causa transcendental. É
 convicto que tem uma missão a ser cumprida e sendo superior, porque é 
um enviado de Deus para extirpar o mal da terra, deve salvar o mundo 
daqueles "eleitos" como sendo os ímpios.
Os fanáticos político-religiosos 
se congregam em castas herméticas cujo objetivo é criar mecanismos de 
autoproteção. Só assim, sentem-se seguros e empoderados para cumprir sua
 missão redentora. Estão convictos: somos do bem; podemos tudo!
É por isso que o fanático 
político-religioso tem na pregação e na oratória suas principais armas 
para arrebanhar adeptos. Utiliza-se da propagação do medo para 
justificar a consolidação de uma seita baseada em discursos de ódio e de
 vingança. Lembremos da advogada Janaína e seus espetáculos em nome de 
um deus que “vai nos salvar": “Se tem alguém fazendo algum tipo de 
composição nesse processo, é deus", disse ela na defesa do impeachment.
O filósofo e cientista político 
esloveno Slavoj Žižek nos ajuda a entender esse fenômeno: a unificação 
de todos os medos (e/ou discursos do medo) numa (falsa) verdade é o 
grande objetivo que move os ideais dos grupos e líderes fanáticos. Essa 
estratégia justificou, por exemplo, o nazismo (os nazistas tinham horror
 dos judeus, dos homossexuais...); ou o golpe civil-militar de 1964 (o 
medo do comunismo). 
 A soma dos muitos medos 
(os verdadeiros ou aqueles construídos no imaginário social) produz um 
ambiente propício para se criar um clima de pânico; instalar a 
desconfiança generalizada; propagandear uma insatisfação irracional, 
mesmo num espaço institucionalmente normal. A partir daí, podem-se 
construir as saídas autoritárias e os golpes, através de pseudo-heróis 
"salvadores da Pátria"; justifica-se o injustificável com argumentos 
falaciosos, mas aparentemente palatáveis e aceitos pela cultura 
vingativa que, em alguma medida, nos congrega enquanto herdeiros da 
tradição cristã ocidental que se contenta, muitas vezes, com a eleição 
de bodes expiatórios para a superação das nossas mazelas.
A partir da unificação dos medos é
 fácil propagar o discurso do ódio, da violência e da eliminação a 
qualquer custo daqueles que encarnam os “males” que devem ser combatidos
 e extirpados pelos “bons”.
O espetáculo midiático promovido 
pelo promotor Dallagnol– um fervoroso fiel religioso que prega o combate
 à (um determinado tipo de) corrupção em templos pelo país afora – 
mostra que o fanatismo de base política e religiosa contaminou parte das
 instituições do sistema de justiça brasileiro. Talvez, por isso, há 
tantos “homens e mulheres da lei” (advogados, policiais, promotores, 
juízes) ligados umbilicalmente a certas igrejas e sociedades secretas.
Vários grupos incrustados em 
segmentos da advocacia, dos ministérios públicos, das instituições 
policiais e da magistratura têm se comportado como “caçadores de 
corruptos” cuja pregação e discursos de base religiosa significam uma 
ameaça efetiva ao estado democrático e de direito.
Pensam, tacanhamente, que o 
direito penal, seletivamente aplicado, resolve todos os problemas e 
mazelas sociais e políticos. Exercem seu ministério com base numa 
paranoia de acusação sem direito à defesa, facilitando a "perseguição" 
ou "delação" - ao gosto dos clientes, no caso, da mídia hegemônica, dos 
políticos tradicionais organicamente corruptos e de segmentos 
privilegiados da sociedade.
O reducionismo judicial, 
transformado em ativismo persecutório, tem produzido uma justiça ainda 
mais seletiva e corroborado um pensamento torto, simplista, odioso e 
infantil Brasil afora. Esse pensamento espraia-se nas redes sociais, 
contaminando-as de ódio e caca às bruxas. 
Até a morte de um ator global tem 
sido atribuída ao PT. São tantas as sandice, as expressões de 
irracionalidade e mesquinhez – inexplicáveis pela razão – que somente 
podem ser entendidas, de fato, por convicções de base religiosa. 
Obviamente, uma religião imatura, infantilizada, persecutória, 
vingativa.
É preciso lembrar: o Ministério 
Público, as instituições policiais, inclusive a Polícia Federal, e o 
Judiciário foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 sem 
nenhuma prestação de conta de suas ações e omissões durante a ditadura. E
 mais: esses órgãos foram fortalecidos a partir de 1988, sem nenhum 
mecanismo efetivo de controle. Milhões de juízes, promotores e 
policiais, por exemplo, têm vencimentos acima do teto constitucional e 
isso parece natural e legal. Atualmente, parte dessas estruturas, 
povoadas pelos filhos das elites - que buscaram nas carreiras jurídicas 
do Estado a fonte de privilégios e defesa de interesses de classe -, 
formam uma espécie de estado paralelo dentro do estado de direito: uma 
juristocracia.
 A aliança espúria e virulenta 
entre setores do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário 
com a imprensa, desde o chamado “Mensalão” e agora na “Operação Lava 
Jato” – tramando jogadas midiáticas com traços fascistas –, constitui 
num perigo inominável não somente para a ordem democrática, mas também 
para todos os cidadãos e as demais instituições sociais.
Quando a acusação em doses 
cavalares e à revelia do devido processo legal é transformada em 
evidências de culpa, convicção, chantagem e difusão do medo e do ódio, 
mesmo não havendo investigações suficientes, provas cabais e 
apresentação do contraditório; quando a justiça não age de forma 
isonômica; quando o objetivo é destruir carreiras e reputações e 
promover caça às bruxas flerta-se com um estado totalitário.
Como está cada vez mais evidente e
 já foi apontado por Jânio de Freitas noutra ocasião, “o que a Lava Jato
 investiga de fato, por meio de investigações secundárias, não é a 
corrupção na Petrobras; não é a ação corruptora de empreiteiras; não são
 casos de lavagem de dinheiro: são os governos do PT”. 
E, dado que a coalizão golpista 
apeou a presidenta Dilma do poder à força, resta agora, aos torquemadas 
sacrossantos, a perseguição inquisitorial a Lula (que como já escrevi 
noutro post, não é nenhum santo). E, na sequência, como sempre prega o 
impoluto Aécio Neves, a eliminação do PT. Aí, todos os males da face da 
terra serão expurgados e os homens e mulheres de bem reinarão para 
sempre. Amém! 
Fábio Konder Comparato 
escreveu célebre artigo sobre o caráter patrimonialista, elitista, 
hermético e autoritário do Judiciário brasileiro. Esse poder, desde os 
seus primórdios, se tornou o menos transparente da República, avesso a 
investigações de toda ordem, impedindo, desde sempre, que as inúmeras 
denúncias de corrupção e favorecimento de seus quadros e de elites 
políticas tradicionais fossem punidas nos limites da lei (veja aqui).
Que fique claro: apesar da 
podridão do sistema político, os excessos e arroubos autoritários 
cometidos pelas convicções juízes, policiais e promotores na Lava Jato 
fazem com que o primeiro poder a ser questionado, nesse momento, seja 
justamente o Judiciário.