Há um fato com o qual praticamente todos os analistas políticos concordam: em uma disputa limpa haverá poucas chances de candidatos da oposição derrotarem a presidente Dilma Rousseff na eleição presidencial do ano que vem. Essa chance só se materializará se a sensação de bem-estar gerada por emprego e renda em alta for anulada.
Mas como anular uma realidade que se faz sentir na veia da maioria dos cidadãos brasileiros, uma maioria hoje inserida na classe média baixa e que, agora, vê filhos se tornando os primeiros universitários da família, que está comprando o primeiro automóvel, que está reformando ou comprando imóveis, que vem tendo sucessivos aumentos de salários?
Em primeiro lugar, os que pretendem tirar o PT do poder após dez longos anos de hegemonia política desse partido sonham com uma ampla frente das oposições de esquerda e direita ao governo Dilma. PSDB, DEM, PSB, PSOL e PSTU vêm mantendo diálogo por meio de interpostas pessoas, acertando pontos mínimos de convergência e uma estratégia comum.
Uma frente formal que reúna partidos aparentemente tão diferentes não é viável. Pegaria mal tanto para o lado esquerdo quanto para o direito. Mas a aliança pode se dar no discurso e nas táticas que serão usadas para tentar anular o bom e velho “feel good factor”, ou “fator sentir-se bem”, em tradução livre.
Mas como fazer o cidadão esquecer que hoje qualquer um consegue emprego em um país em que a escassez de emprego sempre foi tão grande que as empresas pagavam salários de fome até para engenheiros formados? Como fazer o cidadão esquecer do automóvel que agora tem na garagem ou do filho que será o primeiro membro da família a se formar?
Durante as manifestações de rua que se abateram sobre o país ao longo do mês de junho ficou provado que é possível hipnotizar um país inteiro. Diante de um mundo perplexo, o país que mais tem avançado na distribuição de renda, na redução da pobreza, na geração de empregos, no aumento do poder de compra dos salários e que tem resistido à maior crise econômica em cerca de um século parecia um dos países árabes em que ditaduras cruéis foram derrubadas por grandes protestos daqueles povos famintos e sem perspectivas.
A espantosa queda de aprovação de Dilma em um espaço de míseros 30 dias mostrou ser possível, sim, fazer um país esquecer tudo o que conquistou graças aos que o governaram nos últimos dez anos.
Em tese, portanto, bastaria reeditar as tais “jornadas de junho” para derrotar a atual presidente. Os partidos que detêm “tecnologia” para colocar massas nas ruas – PSOL e PSTU, que se valem de todo tipo de gente para inflar protestos, inclusive de neonazistas, punks, skinheads e assemelhados – fariam todo o trabalho e aos partidos de direita bastaria apontar a “insatisfação do país” com “esse governo”.
Enquanto a oposição de esquerda enche as ruas com militantes de esquerda e psicopatas de direita para forjar “insatisfação generalizada”, a de direita usaria os grupos de mídia que a apoiam para desacreditar o Brasil no exterior com olhos na possibilidade (real) de uma reviravolta na crise internacional que tiraria os países ricos da linha de tiro e colocaria países em desenvolvimento.
Recentemente, o colunista da Folha de São Paulo Demétrio Magnoli citou uma “tempestade perfeita” que despencaria sobre o Brasil no ano que vem e que anularia o “feel good factor”.
Em tese, a “tempestade perfeita” de Magnoli consistiria em os Estados Unidos subirem as taxas de juros, hoje praticamente zeradas com vistas a estimular o crescimento de uma economia doente. Com esse aumento de remuneração do capital nos EUA, haveria uma fuga de dólares do Brasil e, com menos dólares na praça, o real se desvalorizaria, gerando inflação.
Enquanto os black blocs estivessem apavorando e espantando turistas e fazendo o Brasil passar vexame em plena Copa do Mundo, possivelmente afetando a moral da Seleção, que completaria a tragédia jogando mal e perdendo a Copa “em casa”, os preços estariam explodindo, os empresários entrariam em pânico e, nesse momento, a mídia ainda trataria de expor algum dos escândalos de última hora que sempre explodem contra governos petistas em períodos eleitorais.
Contudo, o que o novo colunista da Folha e os que endossam sua teoria da “tempestade perfeita” não avaliam é que o Brasil resistiu aos solavancos da economia internacional ao longo de toda a década passada. Devido às imensas possibilidades de investimento em nosso país, pode não haver fuga relevante de dólares mesmo que os EUA aumentem os juros.
Além disso, mesmo que diminua o fluxo de dólares para o Brasil, os níveis de investimento irão aumentar ao longo do ano que vem, sobretudo por conta dos investimentos no campo de petróleo de Libra, recém-leiloado.
O que preocupa é que no próprio PT há gente disposta a se unir à oposição pela esquerda. Recentemente, um dos candidatos a presidente do partido propôs que seja “sacrificada” a reeleição de Dilma em troca de se “fazer a reforma agrária”, provavelmente achando que é possível reverter 500 anos de concentração de propriedade da terra ao longo de 2014. E ignorando que a volta da direita ao poder reverteria qualquer conquista.
Contudo, apesar de até o próprio PT abrigar uma oposição de esquerda ao governo federal em seus quadros, de a oposição em outros partidos de esquerda só pensar em vingança contra os grupos de centro-esquerda que hoje dominam o partido do governo e que expulsaram os que fundaram PSOL, PSTU etc., e de haver risco, sim, de os EUA aumentarem os juros, o governo ainda tem bala na agulha.
Apesar da estrondosa queda de popularidade de Dilma advinda das “jornadas de junho”, a continuidade da instalação de programas sociais e de medidas econômicas que beneficiam a maioria reverteu aquela queda.
Assim como o Minha Casa, Minha Vida, como a redução das contas de Luz ou como a queda dos juros liderada pelos bancos oficiais, o governo continuou implantando programas que beneficiam as massas, sendo o Mais Médicos o último programa dessa série. Com isso, reverteu-se a queda de popularidade de Dilma, que já desponta como favorita em 2014.
Está posto, então, o quadro político para o ano que vem. Mais uma vez, haverá disputa entre a razão e a emoção, como em 2002, 2006 e 2010.
Em 2002, Lula venceu graças à racionalidade: após FHC se reeleger em 1998 prometendo não desvalorizar o real, no primeiro mês de seu segundo governo ele violou a promessa. O povo foi racional tirando do poder um partido que o enganou, o PSDB.
Em 2006, Lula se reelegeu contra a comoção que tentaram instalar no país contra a “corrupção” do PT no âmbito do escândalo do mensalão. Mais uma vez prevaleceu a racionalidade. A sociedade preferiu os avanços que já sentia no cotidiano ao discurso moralista que tentava transformar Lula em um corrupto mesmo sem nenhuma prova contra ele.
Em 2010, Lula elegeu Dilma com base no imenso bem-estar social que seu governo gerou ao país. Salários crescendo, empregos surgindo em toda parte, pobreza e desigualdade despencando e o protagonismo internacional do Brasil derrotaram o fundamentalismo religioso e a rede de intrigas aos quais José Serra se agarrou para tentar derrotar a adversária
A racionalidade vem derrotando a catarse há mais de uma década, portanto. Mas essa racionalidade foi rompida em junho graças a um espetáculo pirotécnico que os oposicionistas da situação e da oposição conseguiram montar – uns por falta de visão e outros por má fé mesmo.
O que resta saber, portanto, é se após a sociedade despertar da catarse junina ela poderá ser drogada de novo. Será que o povo aprendeu alguma coisa após ver toda aquela pantomima não resultar em absolutamente nada? Será que a desmoralização da tática de quebra-quebra fará o povo resistir à droga político-ideológica que tentarão lhe inocular?
Façam suas apostas.