Em alguns casos, como na revista Veja desta semana, chega a ser patético; o "último a saber" das fraudes não é o ex-prefeito Gilberto Kassab, nem seu antecessor José Serra, que nomeou o secretário Mauro Ricardo, ex-chefe dos fiscais corruptos, mas sim Jilmar Tatto; Folha, usou um truque mais ardiloso, denunciado pela ombudsman Suzana Singer: disse que o "prefeito sabia", sem indicar que se tratava do ex-prefeito Kassab, e não do atual Fernando Haddad; será que uma manipulação tão escancarada não é percebida pelo leitor?
247 - Num dos maiores escândalos da história da prefeitura de São Paulo, quatro fiscais foram presos, acusados de causar prejuízos de R$ 500 milhões ao fisco municipal. Seus nomes: Ronilson Bezerra, Luis Alexandre Magalhães, Eduardo Horle Barcellos e Carlos di Lallo Leite do Amaral. Todos eles eram técnicos graduados, subordinados diretamente ao ex-secretário Mauro Ricardo, indicado por José Serra para cuidar nas finanças paulistas na gestão de Gilberto Kassab.
Nesse período, ocorreram as fraudes gigantescas do tamanho de alguns elefantes. No entanto, Kassab não viu nada de errado, assim como Mauro Ricardo e muito menos José Serra. Então, de quem é a culpa? Numa reportagem de Veja deste fim de semana, o "último a saber" não é o ex-prefeito Kassab, nem Ricardo e nem Serra, mas sim o secretário de Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto. O motivo: um dos fiscais investigados, Moacir Reis, que não está entre os quatro presos, que compõem o coração da quadrilha, é sócio da esposa de Tatto num estacionamento. Ou seja: Veja tenta jogar no colo de Tatto um escândalo que pertence, sobretudo, a Serra, Kassab e Mauro Ricardo. Manipulação escancarada, que fica evidente até na seleção das imagens – na reportagem, não há uma foto sequer do tucano, do ex-secretário ou do presidente do PSD.
Se Veja manipula, a Folha não fica para trás. Dois dias atrás, quando o chefe da quadrilha, Ronilson Bezerra, foi flagrado num grampo dizendo que o prefeito com quem trabalhou – Kassab – tinha ciência de tudo, a Folha encontrou uma maneira original de noticiar o caso. Manchetou "Prefeito sabia de tudo, diz fiscal preso, em gravação" e não "Ex-prefeito".
Um detalhe que faz toda a diferença. A tal ponto que a Suzana Singer percebeu e publicou uma coluna, neste domingo, apontando que a Folha induziu seu leitor a erro, dando a entender que Fernando Haddad – e não Kassab – era quem tinha ciência de tudo. Leia abaixo sua análise:
Sujeito oculto
A manchete de sexta-feira passada da Folha --"Prefeito sabia de tudo, diz fiscal preso, em gravação"-- induzia o leitor a erro. O prefeito de São Paulo é Fernando Haddad, mas a referência no grampo era a seu antecessor, Gilberto Kassab.
O título partiu da transcrição de um telefonema em que o auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues dizia que deveriam ser convocados para depor "o secretário e o prefeito com quem trabalhei", porque "eles tinham ciência de tudo".
Ronilson foi subsecretário da Receita no governo Kassab e, na atual gestão, foi diretor na SPTrans de fevereiro até junho.
O fiscal não cita nominalmente o ex-prefeito, mas é fácil deduzir de quem ele está falando. Foi na gestão anterior que Ronilson ocupou o cargo de zelar pela arrecadação de impostos, o que lhe teria possibilitado atuar na "máfia do ISS" --esquema de cobrança de propina que pode ter causado um prejuízo de R$ 500 milhões aos cofres da cidade.
"A Folha optou por transcrever a declaração do fiscal de forma literal, já que ele não citou nenhum nome e exerceu funções de confiança tanto na gestão atual como na anterior", diz a Secretaria de Redação.
O excesso de zelo ficou só na manchete, já que a hipótese de que a frase do fiscal pudesse ser uma referência a Haddad não foi explorada na reportagem. O "outro lado" foi apenas com Kassab, que classificou as declarações de falsas, mas não cogitou que o fiscal estivesse falando de outra pessoa.
O jornal foi mais realista que o rei, numa cobertura bem delicada. O escândalo do desvio de impostos, que veio à tona no fim de outubro, tinha tudo para render apenas dividendos ao atual prefeito. Embora a investigação tenha começado com Kassab, foi Haddad que revelou a quadrilha. Bastaram, porém, três dias para que surgisse um grampo citando Antonio Donato, secretário de Governo.
Como a investigação continua, é provável que apareçam novas escutas. Elas não são prova de culpa e devem ser tratadas com todo o cuidado, mas sem distorções.
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