Manchete de primeira página da Folha de São Paulo desta quarta-feira (4) diz que médicos brasileiros do programa Mais Médicos “Questionam infraestrutura e exigências e abandonam programa”. Segundo a matéria, em várias cidades os profissionais desistiram de participar do programa federal alegando “de precariedade a desconhecimento de regras”.
Veja, abaixo, fac-símile da primeira página da edição da Folha de 4 de setembro de 2013.
A Folha cita uma dúzia de médicos – em meio a mais de mil – que desistiram do programa alegando problemas como “falta de estrutura” nos locais de trabalho, condições de alojamento e alimentação e o tamanho da carga horária que teriam que cumprir, apesar de terem firmado o convênio com o governo federal.
Um caso em particular, citado com maiores detalhes na matéria da Folha, chama atenção. É o caso do médico Nailton Galdino de Oliveira, 34. Segundo o jornal, ele alegou ter ficado “Impressionado com a estrutura precária da unidade em Camaragibe (região metropolitana do Recife), onde atuou por dois dias”. Ao fim desse período, o médico pediu desligamento do programa.
“É uma aberração: teto caindo, muito mofo e infiltração, uma parede que dá choque, sem ventilação no consultório, sala de vacina em local inapropriado, falta de medicamentos”, afirmou Oliveira.
A Folha ainda afirma que “Casos de desistência como esse frustraram parte dos municípios que deveriam receber anteontem 1.096 médicos brasileiros da primeira etapa do programa” e informa que “Os estrangeiros só vão começar depois”.
Camaragibe é um município que faz divisa com Recife. A cidade é governada por Jorge Alexandre, do PSDB. Tem 145 mil habitantes, um PIB de cerca de 700 mil reais e uma renda per capita que é inferior à metade da média nacional. Hoje, após a chegada de quatro médicos brasileiros do programa Mais Médicos, ainda ficou com 3 unidades de saúde sem médicos.
Para entender o que aconteceu com esse profissional (Nailton de Oliveira), o único a se desligar do Mais Médicos entre os quatro profissionais do programa que chegaram à cidade, o Blog da Cidadania entrevistou o secretário de Saúde de Camaragibe, o advogado Caio Mello. Confira, abaixo, o resultado da conversa.
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Blog da Cidadania – Senhor Caio Mello, o senhor é o secretário de Saúde de Camaragibe, correto?
Caio Mello – Isso mesmo.
Blog da Cidadania – A Folha de Paulo publicou hoje uma reportagem com chamada na primeira página, em grande destaque, que relata o caso do médico Nailton de Oliveira, que foi trabalhar em Camaragibe no âmbito do programa Mais Médicos. Segundo o jornal, Oliveira diz que não encontrou estrutura adequada para trabalhar e não lhe foi oferecido alojamento e alimentação conforme lhe fora prometido. Como o senhor responde a essa afirmação?
Caio Mello – Na segunda-feira, Camaragibe recebeu quatro médicos do programa federal Mais Médicos. Eles foram trabalhar no Bairro Novo, no Asa Branca, no São Jorge e no Camará, onde foi trabalhar o doutor Nailton. Os outros três médicos estão trabalhando normalmente, não houve nenhum questionamento por parte deles.
O doutor Nailton, porém, quando da sua posse, nos fez alguns questionamentos quanto à questão de moradia e alimentação e quanto a carga horária. Nós, da prefeitura de Camaragibe, como somos meros intervenientes nesse contrato entre o governo federal e os médicos, fizemos ver ao doutor Nailton que ele teria, sim, que cumprir as 40 horas semanais de trabalho, até porque ele assinou um compromisso de fazê-lo.
O doutor Nailton, porém, desde o primeiro momento apresentou má vontade. Ele não queria assumir o seu acordo com o Ministério da Saúde. Em seguida, ele nos questionou quanto à alimentação e à moradia. Nós dissemos a ele que, primeiro, a alimentação seria fornecida sem problemas. Nós temos uma empresa que nos fornece as refeições diárias para toda a nossa rede de saúde, em Camaragibe, e a unidade dele é lógico que também seria contemplada.
Blog da Cidadania – Essas refeições incluem almoço e jantar?
Caio Mello – Café da manhã, almoço e jantar. As três refeições diárias.
Blog da Cidadania – E o alojamento?
Caio Mello – Nós ainda não recebemos a regulamentação sobre como serão esses alojamentos. Não sabemos se serão em hotéis, pousadas ou de que forma será. Não pudemos, portanto, fornecer ao doutor Nailton uma residência, com estrutura de empregada doméstica, enfim, uma casa montada para ele e sua família, como estava pleiteando. Além do que, ele é de Recife, que fica a 5 minutos do seu local de trabalho, pois Recife e Camaragibe fazem divisa.
Nós fizemos ver ao doutor Nailton, porém, que tudo seria resolvido nos próximos dias. Só o problema da moradia ficou pendente, o resto estava tudo sendo fornecido conforme o combinado. E como ele não é uma pessoa que veio de fora do Estado ou do exterior, não conseguimos entender a sua pressa em resolver esse ponto.
Blog da Cidadania – O médico Nailton de Oliveira diz também que Camaragibe não teria “estrutura” para ele desempenhar o seu trabalho…
Caio Mello – Olhe, nós temos 39 unidades de saúde da família em Camaragibe. Eu não vou ser hipócrita em dizer que todas essas unidades são uma maravilha, que todas estão lindas e maravilhosas, mas todas as nossas unidades estão em pleno funcionamento. Inclusive bem antes de o doutor Nailton chegar.
Há dificuldades, mas é óbvio que não são dificuldades que possam impedir um médico de trabalhar. Ele poderia, sim, exercer a medicina em nossas unidades de saúde da família, se quisesse.
O doutor Nailton parece que não estava entendendo a situação. Esse programa tem como finalidade servir à pobreza, melhorar a vida dos bolsões de pobreza do nosso município. Apesar dos problemas, nós temos, sim, estrutura. Temos vacinas com prazo de validade em dia, temos geladeira para armazená-las, temos todos os equipamentos básicos.
As nossas unidades de saúde precisam de reforma, mas já fizemos contato com o Ministério da Saúde e com seu apoio estamos reformando essas unidades. Agora, não se consegue resolver um problema estrutural do dia para a noite, mas as reformas estão sendo feitas e a estrutura irá melhorar.
Blog da Cidadania – O doutor Nailton, então, foi o único que não aceitou trabalhar nessas condições. Os outros três médicos que vieram com ele no âmbito do programa Mais Médicos, aceitaram?
Caio Mello – Todos os outros três médicos estão trabalhando nas suas unidades. Só o doutor Nailton se recusou. Com a ausência dele, então, nós ficamos com três unidades sem profissional da saúde, sem médicos. Mas já nos habilitamos ao programa Mais Médicos e já requisitamos um médico para suprir as unidades que ficaram sem atendimento médico.
Blog da Cidadania – Como é que pode faltar médicos em uma cidade que faz divisa com uma metrópole como Recife? Por que é que falta médico em Camaragibe?
Caio Mello – É a lei da oferta e da procura. O município de Camaragibe não tem capacidade financeira de concorrer com Recife, por exemplo, em termos de salários para os médicos, sem falar que não querem se deslocar para longe da região que paga melhor e tem melhor estrutura.
O salário que podemos pagar a um médico de saúde da família é de R$ 6,5 mil. Não podemos disputar médicos com Recife, que paga R$ 10 mil, R$ 15 mil, até R$ 18 mil a um médico. É uma concorrência injusta entre as regiões mais pobres e as mais ricas. E, mesmo assim, Recife tem 12 unidades de saúde sem médico, nas regiões mais pobres da cidade onde os médicos não querem ir, apesar de terem estrutura até melhor do que a de Camaragibe.
Blog da Cidadania – Ou seja: falta médico em Pernambuco.
Caio Mello – Eu acredito que sim. Falta médico nas unidades de saúde de Camaragibe e, o que é mais grave, nas urgências. E nós funcionamos 24 horas por dia. Há dois plantões noturnos que temos que restringir porque não temos médicos.
Por isso, o programa Mais Médicos vai nos ajudar bastante. Vai suprir esse problema gravíssimo de falta de médicos nas regiões que não têm capacidade financeira para arcar com os salários que os médicos querem ganhar e com a estrutura urbana que exigem.
Blog da Cidadania – O prefeito de Camaragibe é o senhor Jorge Alexandre, do PSDB, certo?
Caio Mello – Isso mesmo.
Blog da Cidadania – O senhor, então, como secretário de Saúde de uma prefeitura do PSDB considera que o programa Mais Médicos ajudará as populações das cidades onde será implantado. O senhor acredita, portanto, que o programa vai funcionar?
Caio Mello – Nós estamos apostando nele, sim. Tudo o que vem de coisas boas para o município, nós queremos independentemente se é do partido A, B ou C. O que importa é essa população carente, sofrida, que precisa de tanta coisa e para atendê-la não fazemos distinção política.
O prefeito Jorge Alexandre pensa grande. Essa questão partidária fica para a gente discutir durante a eleição. Precisamos de ajuda seja de que partido for, mesmo que seja do governo federal, que é do PT, ao qual o partido que governa Camaragibe faz oposição. Nós pensamos é na população.