Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

8 razões pelas quais o preço do petróleo está voltando a subir


 8 razões pelas quais o preço do petróleo está voltando a subir

Apesar da conspiração entre árabes e americanos para baratear o petróleo e pressionar economicamente a Rússia, Irã e Venezuela, os preços voltam a subir.


Se ainda alguém não sabe, a Aramco – a empresa de petróleo da Arábia Saudita, e também a maior do mundo –, até bem pouco tempo, em 1977, se chamava Arabian American Oil Co., sendo de propriedade comum entre a família saudita e várias empresas da Califórnia e do Texas. Por isso, não se pode ficar surpreso se a dupla Washington-Riad tiver algo a ver com a queda brusca dos preços de 115 dólares o barril para 45 dólares entre junho e dezembro passados, levando em conta que o mercado de petróleo não é “livre”: ele é controlado por um cartel chamado OPEP e por grandes empresas petrolíferas ocidentais. E mais, o combustível gorduroso e malcheiroso, antes de tudo, é uma arma que nesse caso foi apontada contra a Rússia, o Irã e a Venezuela com a finalidade de conseguir mudanças em suas políticas via afundamento de suas economias, e ainda resgatar um falecido petrodólar – um dos pilares da hegemonia mundial dos EUA.

No entanto, a festa durou pouco e os promotores da “conspiração Aramco” se deram conta de que os prejuízos dessa queda de preços são maiores do que seus benefícios político-econômicos. Por isso, o preço de venda do petróleo para o mês de março teve uma notável melhora nos três mercados de Brent, dos EUA e da OPEN, oscilando por volta de 59 dólares o barril.

Aqui vão alguns motivos:

1. Os membros dos Brics, com exceção da Rússia, foram os principais agraciados pela compra de um petróleo barato.

a) China, o principal rival dos EUA e o segundo consumidor mundial de petróleo, bateu seu recorde de importações de petróleo, apesar de seu crescimento econômico ter sido o mais frouxo desde 1990 (mas registrou, no primeiro trimestre de 2014, um crescimento de 7,2%): começou a comprar 6,2 milhões de barris por dia, e acabou o mês de dezembro com 7,2 milhões de barris por dia, injetando-os em sua Reserva Estratégica de Petróleo (o armazenamento ocorre para afrontar as emergências, como a interrupção do abastecimento). Com isso, a China não só deixou os EUA nervosos, mas contribuiu para empurrar os preços para o alto, por dois outros fatores: tirar boa parte do excedente de petróleo que nadava no mercado e gerar incerteza sobre seu passo seguinte no mercado.

b) Beneficiou o Brasil, a principal potência rival dos EUA na América, e que agora está decidida a recuperar sua influência no seu “quintal”, e a África do Sul, o principal competidor de Washington na África. Os Brics decidiram abandonar o dólar em suas transações e criaram um banco com a finalidade de debilitar as instituições financeiras ocidentais.

2. Não conseguir mudar a postura de Moscou nos casos da Ucrânia, Crimeia e Síria. Pois se os setores belicistas ocidentais desferiram o primeiro ataque à Rússia, provocando um golpe de Estado na Ucrânia, levando à surpresa da integração da Crimeia à Federação Russa, eles pensaram que uma drástica queda nos preços do petróleo – triturando o rublo e a economia russa – fosse provocar a rendição do Kremlin. Estratégia ruim, já que o golpe à economia do país eslavo, assim como a dramática guerra da Ucrânia, deixou cerca de 6 mil mortos e milhões de desabrigados, e teve um efeito negativo sobre os países europeus aliados de Washington, que enfrentam uma ameaça de recessão: estão perdendo o mercado russo e também os investimentos, tanto dos magnatas russos como de seu Estado. Na Espanha, por exemplo, os milionários russos estavam comprando prédios inteiros herdados da era da especulação mobiliária. Além disso, é incompreensível que não previssem uma aproximação Moscou-Pequim (sem precedentes após a morte de Stalin) e Moscou-Teerã: os presidentes Vladimir Putin e Hassan Rouhani, que compartilham o sofrimento pelas sanções impostas pelos EUA e seus sócios, assim como pela “Conspiração Aramco”, tiveram quatro encontros em um ano, algo também sem precedentes na história dos dois vizinhos.

3. Quanto ao Irã, não conseguiram pressioná-lo para conseguir mais vantagem nas negociações nucleares em curso e subtrair suas forças na região porque:

a) Teerã não deixou de apoiar o governo de Bashar al-Assad (a Síria representa a profundidade estratégica do Irã enquanto ele está no poder), e inclusive já fala abertamente dos generais iranianos que trabalham em solo sírio;

b) nem aceitou o fechamento total de seu programa nuclear, e isso apesar de John Kerry ter lançado um ultimato a Teerã para assinar um acordo político global até o final de março – se não, não retomariam as negociações. O certo é que a administração Obama está muito consciente da luta pelo poder no seio da República Islâmica entre os setores militares – contrários a um acordo com os EUA – e o governo do presidente Rouhani, que tenta, por um lado, driblar as sanções que estão afogando a economia iraniana e, por outro, evitar um confronto bélico (tentou baixar a tensão depois que o míssil israelense matou um general iraniano na Síria, no último dia 20 de janeiro). Se Obama pretende impedir um Irã nuclear, um petróleo com preços no chão, aumentará a tensão social em um Irã monoprodutor e fortalecerá a posição dos céticos e dos setores que querem guerra (assim como EUA e Israel). As medidas de Rouhani diante da manobra da Aramco foram incentivar a exportação dos produtos não petrolíferos, investir no turismo, aumentar os impostos, manter os subsídios aos principais produtos de consumo e a ajuda às famílias desfavorecidas, além de uma política externa agressiva na região com um ramo de oliveira nas mãos – que inclui sobretudo os países árabes “inimigos” e membros da OPEP, como Kuwait ou Catar.

4. A perda de centenas de milhões de dólares por parte das grandes empresas petrolíferas ocidentais, como as que operam no Iraque, Líbia, Nigéria, entre outros.

5. O déficit orçamentário gerado pela queda do preço do petróleo criou dificuldades para os xeiques sauditas, em pelo menos estes três cenários:

a) No interior do país: seus orçamentos foram elaborados com base no barril de 72 dólares, e agora se enfrenta um aumento importante dos preços dos produtos básicos. Além disso, previu-se, desde a repressão da primavera de 2011, realizar uma série de projetos que melhorariam a vida dos cidadãos – como a construção de moradias, a criação de postos de trabalho, ou a chegada de água e luz a milhões de pessoas que vivem na pobreza absoluta – e que agora estão paralisados.

b) No Egito: a promessa feita em 2011 aos militares encabeçados pelo general Al-Sisi de receber 160 bilhões de dólares anuais acabam com a Irmandade Muçulmana do presidente Mohammed Mursi, preso após o golpe de Estado. O que acontecerá no Egito, seu grande aliado contra Irã, se não cumprir?

c) No Iraque e na Síria: dificuldade para pagar os honorários de milhares de jihadistas do Estado Islâmicos e grupos parecidos, cuja missão é acabar com os governos de Damasco e de Bagdá, ambos próximos a Teerã, e arrastar o Irã para uma guerra regional sectária. Desde 2011 até hoje, investiu bilhões de dólares nesses terroristas, com um êxito parcial: destruiu o Estado sírio, mas ainda não conseguiu levantar um novo e afim.

6. Nos EUA, dois fatos contribuíram para o aumento dos preços do barril:

a) Os cortes nos investimentos de capital por parte das multinacionais na extração do petróleo de xisto como resposta à queda dos preços. Pois cada barril lhes está custando entre 70 e 80 dólares (diante dos 15-20 dólares no Oriente Médio) e um petróleo por menos desse preço, obviamente, não é rentável. Com isso, nos EUA e no Canadá, cerca de 90 plataformas de exploração fecharam. BP perdeu bilhões de dólares em todo o mundo e planeja reduzir suas atividades de exploração à metade e os investimentos até 20%. A Chevron está em situação parecida.

b) A greve de cerca de 4 mil trabalhadores das empresas Royal Dutch Shell Oil e BP em nove refinarias em Ohio, Califórnia, Kentucky, Texas e Washington, iniciada em 1° de fevereiro. Exigem um convênio coletivo para o setor, a redução do número de trabalhadores não sindicalizados e melhorias nas condições de segurança e saúde, em uma greve que é a primeira dessa envergadura há várias décadas.

7. O aumento da tensão na Líbia e a perda de 800 mil barris em um incêndio.

8. O perigo de instabilidade social em países aliados aos EUA, como Iraque (incluindo seu Curdistão) ou Nigéria, pela queda dos petropreços.

O único e grande triunfo dos EUA e da Arábia Saudita nessa história até o momento foi transformar a OPEP em espectro do que foi entre 1960 e 1990, e não apenas porque sua cota de mercado caiu de 62% para os 30% de hoje, mas porque a Arábia, o Kuwait e os Emirados Árabes Unidos fizeram uma frente contra pesos pesados da organização, tais como Irã, Iraque, Argélia, Venezuela e Equador.

Os preços do petróleo tocaram fundo. É perfeitamente lógico que o “Naft” (seu nome em persa, e do qual vêm palavras como “naftalina”) não apenas recupere seu preço – que hoje é mais barato do que uma garrafa de bom vinho –, mas também seu valor: é o resultado de milhões de anos do esforço “não renovável” da natureza.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O doce triunfo do chanceler Celso Amorim sobre a mídia e os embaixadores de pijama

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A Veja (acima, ilustração publicada no site da revista) e a mídia em geral colocaram várias pedras no caminho de Amorim. No caso do Irã, a revista chamou de “explosivo” um acordo que tirava urânio do Irã e disse erroneamente que o ministro “costurou um acordo para desenvolvimento de tecnologia nuclear com o presidente do Irã”. Ou seja, aparentemente a turma da revista nem leu a Declaração de Teerã.

por Luiz Carlos Azenha

Quando viu Muammar Gaddafi fazendo gestos bruscos com um objeto na mão, dentro de uma tenda em um deserto nas proximidades de Trípoli, o então chanceler Celso Amorim chegou a imaginar que o líder líbio estava se autoflagelando diante de convidados importantes: o presidente Lula, o líder nicaraguense Daniel Ortega e o ex-presidente argelino Ben Bella.

Mas, não se tratava de um gesto de caráter religioso. Na verdade, Gaddafi usava uma espécie de abanador de fibra vegetal para se livrar das moscas que infestavam o ambiente.

Esta e muitas outras anedotas saborosas fazem parte do livro Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva, da editora Benvirá, o terceiro em que o ex-chanceler brasileiro narra fatos de sua passagem pelo Itamaraty. Os outros são Conversas com jovens dipomatas e Breves narrativas diplomáticas, lançados anteriormente pela mesma editora.

O novo livro — que será lançado em março em eventos no Rio, em São Paulo e Brasília — trata de alguns dos mais criticados aspectos da política externa que Amorim desenvolveu ao lado do ex-presidente Lula, a partir de 2002: a aproximação com o Irã e os países árabes.

Na mesma viagem em que encontrou Gaddafi, em dezembro de 2003, Lula já havia passado pela Síria, Líbano, Emirados Árabes Unidos e Egito. Lula foi criticado por se encontrar com Bashar al-Assad e Gaddafi, mas não com o emir de Abu Dhabi, aliado dos Estados Unidos.

Ao narrar a passagem por Tripoli, Amorim relembra: “Repetia [a mídia] aqui, com agravantes, o mesmo tipo de crítica que ouvimos em Damasco. Como podia o líder de um país democrático, que ascendera ao poder mediante eleições livres, ser recepcionado por um anfitrião que chefiava um regime sabidamente ditatorial? Mas, como na Síria, o que preocupava a nossa imprensa não era tanto a natureza autoritária ou ditatorial do regime, mas a falta de consulta prévia a Washington. Tanto assim que os mesmos veículos pareciam encarar com grande naturalidade os contatos de Colin Powell em Damasco e trataram de forma positiva, ou pelo menos indiferente, as viagens que os primeiros-ministros José María Aznar e Tony Blair viriam a fazer dentro de poucos meses à Líbia”.

Em outras palavras, os Estados Unidos podiam conversar com a Síria; o Reino Unido e a Espanha, com a Líbia. O Brasil, não!

A aproximação do Brasil com os países árabes, que culminou com a Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), além de ampliar mercados para produtos brasileiros visava reforçar um dos pilares centrais da política externa, a de promover o multilateralismo.

Mas a maior reação da mídia se deu contra a aproximação entre o Brasil e o Irã, que em 2010 resultou na Declaração de Teerã, pela qual o regime iraniano se comprometeu a “depositar 1200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) na Turquia. Enquanto estiver na Turquia, esse urânio continuará a ser propriedade do Irã. O Irã e a AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica] poderão estacionar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia”. Feito o depósito dentro de um mês, “com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena deve entregar 120 quilos do combustível requerido para o Reator de Pesquisas de Teerã em não mais que um ano”.

O acordo, em outras palavras, tirava do Irã o urânio levemente enriquecido que em tese poderia ser utilizado para fabricar a bomba atômica.

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A iniciativa de Lula foi fuzilada pela mídia brasileira, com apoio dos “embaixadores de pijama” que serviram a FHC. O Brasil teria dado passo maior que a perna, disseram alguns. Teria sido usado pelos malévolos aiatolás, afirmaram outros.

Na verdade, a repercussão foi mundial.

Sobre a foto dos presidentes Lula, Mahmoud Ahmadinejad e do primeiro-ministro da Turquia, Recep Erdogan, a revista Newsweek perguntou: “É este o futuro? O poder americano e seus limites”.

No texto, Fareed Zakaria constatou: “Raramente uma única fotografia irritou tanta gente”.

Ele se referia aos críticos direitistas do presidente Barack Obama. O Wall Street Journal definiu a imagem como o debacle da política externa de Obama. Para o neocon Charles Krauthammer, escrevendo no Washington Post, a cena em Teerã demonstrou como “poderes em ascensão, aliados tradicionais dos Estados Unidos, depois de ver o governo Obama em ação, decidiram que não existe custo em se aliar a inimigos dos Estados Unidos e nenhuma vantagem em se aliar a um presidente [Obama] dado a pedidos de desculpas e appeasement“.

Como se sabe, naquele período muito se falava num “inevitável” ataque militar de Israel ao Irã para eliminar o programa nuclear iraniano. Os falcões batiam o bumbo da guerra e, ainda que reflexivamente, eram imitados pelos seus amigos na mídia brasileira.

Obama, aliás, foi quem estimulou a iniciativa turco-brasileira. Pessoalmente e por escrito. Assessores dele não acreditavam no sucesso de Lula e Erdogan. Quando deu certo, trataram de puxar o tapete dos aliados.

Àquela altura, os Estados Unidos já pretendiam ir ao Conselho de Segurança da ONU em busca de aprovar sanções contra o Irã, o que conseguiram com o apoio de todo o clube atômico — Rússia, China, França e Reino Unido.

Hoje, ironicamente, os Estados Unidos perseguem, dentro do chamado P5, um acordo parecido com o obtido por Brasil e Turquia, porém mais amplo.

Para Celso Amorim, aceitar a Declaração de Teerã como primeiro passo teria tido vantagens. Se em 2010 o Irã dispunha de urânio levemente enriquecido para fazer uma bomba, no início de 2014 tinha para três ou quatro artefatos. Se Washington sempre perseguiu medidas de “confidence building” com Teerã, poderia tê-las celebrado muito antes. Além disso, a população iraniana teria sido poupada do sofrimento das sanções.

“Não podemos esquecer que há na região um Estado — Israel — que, sabidamente, detém poderoso arsenal atômico. Por isso, temos insistido que a solução duradoura para a questão reside na conclusão de um acordo que faça do Oriente Médio uma zona livre de armas nucleares”, escreve o ex-chanceler no livro.

A iniciativa brasileira em conjunto com a Turquia acabou mais festejada fora do que dentro do Brasil. Ainda em 2010, Amorim foi incluído em sétimo lugar na lista dos 100 Maiores Pensadores Globais da revista Foreign Policy.

Dois pesquisadores norte-americanos — John Tirman, do MIT, e Malcolm Byrne, do National Security Archives –, entrevistaram Celso Amorim sobre a iniciativa em 2013. Eles escrevem justamente sobre oportunidades perdidas em política externa.

Ao longo de Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva, Celso Amorim demonstra que não há espaço em política externa para o maniqueísmo, o simplismo e o saber rattling, frequentes nas colunas de jornal brasileiras.

É um prazer vê-lo descrever todas as nuances que informam as decisões de Estado.

O livro é isso: você é convidado a viajar com Celso Amorim pelos bastidores da diplomacia.
Cotejando o conteúdo das memórias de Amorim — e sua ênfase em soluções negociadas — com a realidade dos dias de hoje, fica subentendido o “doce triunfo” a que nos referimos no título: o Iraque, onde o Brasil foi um dos países mais vocais na oposição à ocupação dos Estados Unidos, foi demolido de tal forma que perdeu controle de parte do território para o chamado Estado Islâmico;  a Síria, onde o Brasil também rejeitou intervenção externa, está mergulhada em uma guerra civil que custou a vida de ao menos 200 mil pessoas; na Líbia, a intervenção da OTAN que derrubou Gaddafi — repudiada pelo Brasil — produziu o caos em um país que era estável e agora caminha para a desintegração; no Irã e em Cuba, grosseiramente, os Estados Unidos perseguem o caminho recomendado pelo Itamaraty.

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O ex-ministro atribui a ousadia da política que praticou no Itamaraty à liberdade de ação dada pelo presidente Lula. Segundo Amorim, o ex-presidente é um “asset” da política externa brasileira tão importante quanto Nelson Mandela foi para a África do Sul.

Sobre as críticas recebidas ao longo dos anos, o ex-chanceler adota uma postura olímpica: “Intrigava-me o fato de que aqui [no Brasil], ao contrário [de outros países], as tentativas que fizemos [de participar das grandes questões] eram em geral consideradas uma intromissão desnecessária e perigosa em temas que não nos diziam respeito. Eu me perguntava (e ainda me pergunto) a razão desse apego a uma posição secundária e de dependência, com raizes aparentemente tão profundas em nossos formadores de opinião. [...] De certa forma, é como se temêssemos assumir os ônus, que são uma decorrência natural do crescimento e da maturidade, e preferíssemos viver ao abrigo de uma metrópole, real ou imaginária, ainda que isso custe o abandono de oportunidades e o sacrifício de interesses”.
Traduzindo em português castiço: complexo de viralatas.

Veja abaixo alguns trechos de nossa entrevista com Celso Amorim, feita em Brasília (para ver a entrevista completa, clique aqui):

 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O Cairo, Damasco, e a hipocrisia norte-americana

 











Mauro Santayanna
John Kerry anunciou esta semana, na Casa Branca, que os Estados Unidos têm “provas irrefutáveis” do uso de armas químicas pelo Governo Sírio. Traços de gás Sarin teriam sido encontrados no sangue e nos cabelos de voluntários que participaram do resgate de civis atingidos logo após um suposto ataque do governo contra rebeldes no dia 21 de um agosto.
Já vimos esse filme. O uso de armas de destruição em massa pelo governo de Saddam Hussein também foi apresentado de forma inconteste e irrefutável pelo governo norte-americano.
Em nome dessa “certeza”, o Iraque foi bombardeado e invadido, suas defesas foram destruídas por corajosos jogadores de vídeo-game instalados a bordo de aviões e porta-aviões, sem um único combate corpo a corpo, e morreram milhares de crianças e civis iraquianos.
E até hoje nem uma única arma de destruição em massa foi encontrada - apesar de milhares de soldados norte-americanos terem também sido mortos ou feridos, tentando ocupar o território virtualmente “conquistado”, de onde os EUA já se retiraram, depois de centenas de bilhões de dólares em gastos.
Na época, o inspetor da ONU Hans Blix – que deu uma entrevista esta semana ao jornal britânico The Guardian dizendo que não há justificativa para um ataque ocidental à Síria – negou que houvesse armas de destruição em massa no Iraque e teve sua missão em Bagdá interrompida pelos bombardeios norte-americanos.
Os EUA costumam usar, sem nenhum escrúpulo, seus eventuais aliados, e depois livrar-se deles sem nenhuma consideração moral ou ética.
Foi assim, quando se aliaram a Saddam armando-o na guerra contra o Irã, para depois destruir o seu regime sob um pretexto falso, e persegui-lo até a execução de sua sentença de morte por enforcamento, no dia 30 de dezembro de 2006 em Bagdá.
Foi assim que fizeram com Osama Bin-Laden – com cuja família os Bush tinham negócios - depois de apoiá-lo na guerrilha contra os russos no Afeganistão, até cercá-lo e abatê-lo desarmado, na frente de sua família, no dia 2 de maio de 2011, em Abbotabad, no Paquistão.
E foi assim que aconteceu também com Muamar Kadhaffi, capturado de mãos nuas e espancado brutalmente até a morte, em 20 de outubro do mesmo ano, em Sirte, na Líbia, a ponto de ter seu corpo transformado em um hambúrguer diante das câmeras de seus verdugos, armados pelos mesmos países ocidentais que antes o recebiam e apoiavam.
Agora, a história se repete. Os EUA e as grandes redes de meios de comunicação do ocidente procuram desqualificar a denúncia da inspetora da ONU Carla Del Ponte, de que teria levantado evidências, na Síria, de que gás Sarin estaria, na verdade, sendo usado pelos “rebeldes”, apoiados pelo Ocidente, com a intenção de culpar o governo de Bashar Al Assad pelo seu uso.
Ao invadir outros países sem provas e sem autorização das Nações Unidas, os Estados Unidos agem como os nazistas, que deram início à Segunda Guerra Mundial com uma farsa que completou há três dias exatos 74 anos.
No dia 31 de agosto de 1939 a SS nazista simulou a invasão de uma rádio de língua alemã, na cidadezinha fronteiriça de Gleiwitz, por tropas do exército polonês, para divulgar uma falsa mensagem conclamando a população da Silésia a se revoltar contra Hitler.
Para dar o máximo de verossimilhança aos fatos, os oficiais de Himmler, disfarçados de soldados poloneses, levaram com eles, também vestidos com os mesmos uniformes, 12 prisioneiros de campos de extermínio, que foram abatidos no local, ao final da operação, para que seus cadáveres servissem de prova da suposta ”invasão” polonesa. No dia seguinte, 1 de setembro de 1939, as tropas de Hitler, já agrupadas na fronteira, invadiriam a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial.
Ressabiado, talvez, pela participação – sem provas que a justificassem – da Grã Bretanha na Guerra do Iraque, o Parlamento inglês negou na última semana ao Primeiro-Ministro James Cameron autorização para participar do ataque à Síria.
O mundo espera que o Congresso dos EUA, obedecendo à opinião da maioria da população norte-americana, tome atitude semelhante. E que Obama recue, como pode acabar fazendo, de seu plano contra a Siria, estabelecido, como afirmou John Kerry, em sua entrevista na Casa Branca, para “mandar uma firme mensagem” a outros países, como a Coréia do Norte e o Irã.
Não se pode aceitar que a mesma nação que apóia e financia, com bilhões de dólares, o exército golpista egípcio - para que seus soldados massacrem a população civil nas ruas do Cairo - ataque ou bombardeie Damasco, sob pretexto de defender a liberdade.

segunda-feira, 5 de março de 2012

RÚSSIA: 64% DOS ELEITORES SERÃO IDIOTAS?

Durante os últimos meses a mídia conservadora difundiu a idéia de que a Rússia vivia um estágio terminal de descrédito em relação ao governo, sugerindo a iminência de um levante popular contra os alicerces da  corrupção e do autoritarismo. Não se diga que estes não existiriam. De um sistema político planejado para sancionar a transferência do patrimônio público ao controle de bandos oligárquicos  não se deve esperar virtudes republicanas. Raramente, porém, a abordagem, ao menos no Brasil, contemplou a resistência e o ressentimento de amplas camadas da sociedade russa em relação aos valores dos livres mercados, o que explicaria a má vontade  em sancionar a instauração de um Estado fraco, sobre uma sociedade de joelhos, vencida e complacente com a espoliação de suas vísceras por apetites exacerbados pela crise neoliberal.  A população russa pode ser tudo, menos uma manada compacta de idiotas que, bovinamente, entregaria 64% dos votos a Putim, dando-lhe uma esmagadora 3ª eleição presidencial sem a necessidade de ir a 2º turno, em troca de nada . Como interpretar a colisão entre o vento de nacionalismo e Estado forte soprado das urnas e o prognóstico exatamente oposto, liberal privatista, martelado em manchetes categóricas? A mesma sensação de perplexidade avulta quando se compara o que aconteceu nas eleições parlamentares do Irã com  a estridência de uma cobertura jornalística anti-regime, que já se notabilizou por ocultar dados essenciais da questão nuclear iraniana. Primeiro, ela desqualificaria o pleito apostando na abstenção maciça contra o governo Ahmadinejad; frustrada a diáspora eleitoral  pelo comparecimento expressivo das camadas populares, agora destaca-se a derrota de Ahmadinejad, que teria perdido cadeiras no parlamento para a oposição. Quer dizer então que a farsa transmudou-se automaticamente em marco democrático,  na medida em que puniu o regime demonizado? Serão os iranianos tão maleáveis assim, a ponto de se transfigurarem de parvos em argutos  eleitores, do dia para a noite? Ou seremos nós, leitores, na concepção da mídia dominante, um bando de Homer Simpsons manejáveis impunemente pela ração diária de idiotia, semi-informação e meias-verdades que ela nos propicia?



O ultraliberal frenético x o socialista calmo

O contraste é radical : o frenesi de Nicolas Sarkozy, um homem seguro de seu poder, convencido de que ninguém pode vencê-lo, que recorre a todas as artimanhas que os estrategistas de comunicação são capazes de elocubrar ; e o sossego de seu rival, François Hollande, que sabe o repúdio que o presidente provoca e o capital que representa a serenidade ao cabo de cinco anos de uma presidência onde a velocidade e a ocupação frenética da praça pública terminaram por cansar a sociedade. O artigo é de Eduardo Febbro.

Paris - Um corre e o outro caminha. O homem frenético e o homem tranquilo. O chefe e o aspirante. Nicolas Sarkozy e François Hollande se projetam no espaço público com duas imagens que qualquer câmera capta em um instante. O candidato socialista à eleição presidencial de abril e maio próximos passeia, tornou-se uma espécie de caminhante tranquilo enquanto que o presidente francês corre de um extremo a outro em busca dessa fusão com seu povo que se plasmou em 2007 e que, agora, de comício em comício, não consegue repetir.

O contraste é radical : o frenesi de um homem seguro de seu poder, convencido de que ninguém pode vencê-lo, que recorre a todas as artimanhas que os estrategistas de comunicação são capazes de elocubrar ; e o sossego de seu rival, que sabe o repúdio que o presidente provoca e o capital que representa a serenidade ao cabo de cinco anos de uma presidência onde a velocidade e a ocupação frenética da praça pública terminaram por cansar a sociedade.

Nicolas Sarkozy, presidente em exercício e candidato à reeleição, autodefinido com a etiqueta de salvador do povo contra as elites, grande aficcionado de relógios Rolex, dos óculos Rayban e da cultura ostentativa, completa duas semanas de campanha eleitoral sem que as pesquisas registram qualquer variação decisiva a seu favor. A extrema direita já não ameaça mais Sarkozy, o centro corre o risco de ser desclocado pela Frente de Esquerda, de Jean Luc Melanchon, ao mesmo tempo em que a extrema esquerda e os ecologistas ficaram pelo caminho vítimas de suas próprias divisões. O combate está focalizado entre a vertigem ultraliberal e a placidez de uma social democracia restaurada.

Tudo se passa como se o tempo e a opinião pública tivessem se detido na mesma po sição: François Hollande mantem uma distância quase invariável entre 3 e 5 pontos na perspectiva do primeiro turno que será realizado dia 22 de abril e uma enorme vantagem entre 12 e 16 pontos no segundo turno, de 6 de maio. Com o decorrer das semanas, a eleição presidencial vai adquirindo o perfil de um referendo : mais que uma decisão entre uma ou outra opção política, a tendência é de um voto a favor ou contra Sarkozy.

O presidente se lançou à batalha eleitoral com um desses argumentos que os conselheiros de comunicação inventam como se os povos fossem tontos ou não tivessem memória. Primeiro se apresentou sob a bandeira do « candidato do povo » e, depois, em seu primeiro comício realizada em Marselha, como « o candidato do povo contra as elites ». Já não tinha o Rolex no pulso, mas essa sombre de « presidente dos ricos » que ele mesmo criou o persegue por onde vai. As pessoas não esquecem a memorável noite de sua vitória de maio de 2007 quando foi festejar seu triunfo em um dos restaurantes mais emblemáticos da grande bueguesa, o Fouquet’s, na avenida Champs Elisées. Sarkozy celebrou sua vitória com um círculo íntimo de empresários da indústria e milionários. Foi o ato inaugural de seu mandato.

Agora, à medida que vai baixando de seu pedestal de presidente para o modesto estatuto de candidato, Sarkozy mede o rancor popular. Até aqui, todos os comícios que realizou foram exuberantes, perfeitos na cenografia, na participação do público cujos gritos e sorrisos estavam regulados com a perfeição de um relógio suíço. Mas em terreno aberto, na rua, sem os cordões policiais que antes, quando não era presidente-candidato, interditavam ruas por quilômetrosd, Sarkozy enfrentou uma nova realidade : em sua visita a Bayona teve que se esconder em um bar diante do tumultuado protesto popular que sua presença provocou.

Ele ainda não perdeu, há muita coisa pela frente. Sarkozy é um guerreiro astuto que se alimenta na crueza do combate. Mas teve uma semana calamitosa. Sua porta-voz e ex-ministra dos Transportes, Nathalie Kosciusko-Morizet, cometeu uma gafe monumental quando lhe perguntaram se sabia quanto custava um bilhete de metrô : 4 euros, disse. Erro. Custa 1,70 euros. O próprio presidente se expôs quando, três dias antes de ser um fato, anunciou a chegada ao Líbano da jornalista francesa Edith Bouvier, ferida em Homs, a cidade síria sitiada pelas tropas do regime de Bachar Al-Assad. Sarkozy e sua estrutura multiplicam os anúncios, as intervenções, os golpes midiáticos, mas o índice não se move.

A candidatura socialista não provoca grandes entusiasmos. No entanto, com um par de palavras, François Hollande desloca seu rival do centro da cena. Hollande propôs um imposto de 75% para quem tem rendimentos superiores a um milhão de euros. Isso aumentaria os impostos de categorias da população que têm grandes ganhos e conseguem driblar o fisco. A medida preconizada por Hollande afetaria os milionários populares, como os jogadores de futebol e cantores, que pagam migalhas ao fisco. O aparato liberal caiu sobre sua cabeça. Os meios de comunicação, que estão ao serviço da agenda ultra-liberal, manipularam e demoliram a proposta. O resultado foi exatamente o oposto : 61% dos franceses está de acordo com o candidato socialista. Pior ainda, a proposta de Hollande logo ganhou um apelido popular : « o imposto Fouquet’s ».

A direita europeia, empenhada em derrubar o modelo social do Velho Continente, vê abrir-se uma fissura na compacta frente que tinha até aqui. A vitória provável de François Hollande e seu compromisso de renegociar o pacto fiscal imposto pela Alemanha é uma ameaça para a frente liberal. Seus integrantes se uniram para boicotar François Hollande. Segundo revela o semanário Der Spiegel, a chanceler alemã Angela Merkel propôs a seus colegas da Itália, Mario Monti, da Espanha, Mariano Rajoy, e da Grã Bretanha, David Cameron, que não recebessem o candidato socialista. Der Spiegel assegura que Monti, Rajoy e Cameron se « comprometeram verbalmente » a boicotá-lo.

Os príncipes das sombras também entraram em ação apontando suas flechas para os estrangeiros. Sarkozy esgotou sua reserva de votos e só resta um espaço possível de conquista à extrema-direita. O atual ministro do Interior, Claude Guéan, voltou a manifestar um de seus costumeiros desprezos públicos aos estrangeiros. Os socialistas propõem que os estrangeiros tenham direito a voto nas eleições locais. Guéan considerou que isso equivaleria a que « a presença de alimentos halal (feitos com animais tratados segundo o rito muçulmano) fosse obrigatória nas cantinas escolares ». Antes havia dito que « as civilizações não têm o mesmo valor ».

A voz das pesquisas empurrará a direita a incursionar mais fundo no terreno da extrema direita. Será precisar tapar os ouvidos e o nariz. Nicolas Sarkozy corre atrás de uma idéia que não consegue se materializar. François Hollande o espera sentado no banco da praça. A calma contra a tempestade. Nada está definitivamente ganho nem perdido. O resultado do confronto entre esses dois modelos seguirá sendo incerto até o último momento. Mas o reino da velocidade vai perdendo pouco a pouco suas certezas ante o efeito neutralizador da lentidão.

Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, 1 de março de 2012

ABERTURA CHINESA: LIÇÕES A APRENDER



UM POUCO MAIS DE FOCO, POR FAVOR"a eleição refere-se ao futuro de São Paulo e às necessidades de seus cidadãos e não à carreira solo de José Serra" (Fernando Haddad, candidato a prefeito da capital)**"Viveremos e venceremos": Chávez, no twiter, após operação em Cuba**ilusões lácteas:' derrubar Assad levará o Irã a transformar suas centrais nucleares em fábricas de leite?"(Robert Fisk responde, nesta pág)* *Espanha vai para as ruas: 70 mil estudantes protestam em Barcelona contra o arrocho** o novo sujeito histórico?: "A classe trabalhadora ainda pode revolucionar o mundo mas ela não está mais no chão das fábricas. Agora, os "trabalhadores de Marx" só podem ser encontrados nas ruas dasgrandes cidades globais"( David Harvey; leia  a reportagem de Marcel Gomes, nesta pág)

 
Em 68 dias, de 21 de dezembro último a esta quarta feira, 29 de fevereiro, o Banco Central Europeu injetou mais de um trilhão de euros no sistema bancário da União Europeia, a taxa de juros de 1% ao ano, com prazo mínimo de 3 anos para pagar. Se os banqueiros e acionistas decidirem não emprestar à produção dissolvente, nem ao consumo esfarelado pelo desemprego e o arrocho laboral, que outro destino lucrativo poderiam dar à chuva de dinheiro barato? Uma hipótese matemática: a taxa de juro real hoje no Brasil (descontada a inflação) é da ordem de 5%. Se um banqueiro espanhol, digamos, apenas transferir a captação feita junto ao BCE para o mercado de títulos do país terá de volta remuneração suficiente para pagar o juro do seu papagaio e ainda embolsar um lucro suculento, sem risco.Na China, mesmo com planos de abertura financeira isso seria impossível.Uma lição a aprender? (LEIA MAIS AQUI)

Occupy Wall Street revela poder da 'nova classe trabalhadora'

De passagem pelo Brasil para três conferências e lançamento de um novo livro, o renomado geógrafo marxista inglês aponta as relações históricas entre o capital e o processo de urbanização, relaciona o processo de acumulação das corporações ao mercado imobiliário e vê os movimentos urbanos, da Comuna de Paris ao Occupy Wall Street, como um vetor poderoso para luta pelo socialismo e a justiça social.

São Paulo - Sim, a classe trabalhadora ainda pode revolucionar o mundo em direção à justiça social e ao socialismo. Mas, não, ela não está mais no chão das fábricas. Agora, os "trabalhadores de Marx" só podem ser encontrados nas ruas das grandes cidades globais.

É com essa análise, ao mesmo tempo crítica e cheia de esperança, que o renomado geógrafo inglês David Harvey conduz as conferências que profere no Brasil nesta semana, na PUC-SP, na USP e na UFRJ.

"Precisamos redefinir quem é a classe trabalhadora e, para mim, é aquela que produz vida urbana", disse ele, na noite de terça (28), a jovens que lotaram o auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP - e para muitos outros que não puderam entrar e o assistiram por um telão instalado no pátio.

Como argumentos para sua reflexão, ele relaciona a força dos protestos de Seattle contra a Organização Mundial do Comércio, em 1999, a mobilização em Mar del Plata contra a Alca, em 2005, e o movimento Occupy Wall Street, que estimulou ações semelhantes em outras cidades do mundo.

Longe de ser uma novidade, o próprio geógrafo inglês lembra outros movimentos anti-sistema que também tiveram características urbanas, como Comuna de Paris, em 1871. "É a revolução de caráter urbano mais clássica", afirma ele, sobre o movimento revolucionário que tomou a capital francesa por três meses e lançou um governo popular.

Trajetória teórica
Convidado pela Boitempo Editorial para lançar seu novo livro, "O enigma do capital" (240 páginas, R$ 39), Harvey ainda retoma nas conferências conceitos desenvolvidos ao longo de sua trajetória intelectual.

Entre eles, as dinâmicas financeiras que resultam na criação das regiões metropolitanas (sub-urbanização) e o enriquecimento das corporações com a especulação imobiliária (acumulação por espoliação).

Sua experiência como geógrafo e especialista em estudos urbanos o faz ver como previsível a forte relação entre as crises financeiras do capitalismo e o mercado imobiliário - para ele, o histórico destino prioritário dos excedentes do capital.

É dessa maneira que Harvey enxerga o mercado imobiliário contemporâneo, que, do dia para a noite, ergue novos condomínios, bairros e até cidades inteiras. Foi assim nos Estados Unidos do pós-guerra, e é assim hoje na China e até em algumas regiões do Brasil.

Sub-urbanização
Diante da crise econômica dos anos 30, o governo dos Estados Unidos investiu em obras de infra-estrutura e na construção civil em geral para reaquecer a economia do país.

Foi a partir desse período que surgiram os grandes subúrbios norte-americanos, que resultaram nas grandes regiões metropolitanas de Nova York, Chicago e Los Angeles.

A partir dos anos 70, o modelo entrou em crise junto à economia do país. Os crescentes déficits do balanço de pagamentos geraram a desvalorização do dólar (alguma semelhança com a conjuntura atual?) e levaram a uma reorganização da economia global.

Em 71, o banco central dos Estados Unidos acabou com a ancoragem do dólar em relação ao ouro, dando ponto final ao sistema de câmbio fixo. O adeus aos acordos firmados na conferência de Bretton Woods, em 1944, gerou um novo ciclo recessivo, agravado pelo primeiro choque do petróleo, em 1973.

A solução encontrada pelo governo norte-americano repetiu a escrita da primeira metade do século: incentivar os investimentos na construção civil.

A Lei da Recuperação Econômica, de 1981, incentivou a aplicação de recursos no ramo imobiliário e em 1983 a Fannie Mae foi autorizada a securitizar hipotecas convencionais. A crise do subprime, duas décadas e meia depois, estava em gestação.

Acumulação por espoliação
Nos subúrbios das grandes cidades norte-americanas, os novos proprietários de casas passaram a ser incentivados a usar mecanismos financeiros artificiais. "Casas que eram compradas por US$ 200 mil logo passavam a valer US$ 300 mil. Os proprietários podiam refinanciar a dívida e, de uma hora para outra, colocar US$ 100 mil no bolso", explica o geógrafo.

A estabilidade social nessas área também é garantida por um rígido controle. Segundo Harvey, nos Estados Unidos a ameaça de demissões passou a ser utilizada pelos empregadores como uma arma contra as mobilizações populares. A cultura conservadora prosperou. "Não é à toa que a maioria tornou-se republicana", afirma.

Mas o previsível estouro da bolha em 2008 ajudou a abrir rachaduras no sistema. Houve manifestações em diversas cidades norte-americanas contra a crise econômica, migrantes se levantaram em protesto a leis xenófobas e o movimento Occupy ganhou ruas e praças do país.

Sobre o Brasil, Harvey deixou poucas palavras. Lembrou que o país consegue, assim como a Argentina e outros "emergentes", escapar da crise por uma razão singular: esses países se aproveitam das exportações de matéria-prima para a China.

Ele lembra, porém, que o governo chinês também segue a tradicional receita norte-americana de estimular o crescimento econômico através da construção civil e da urbanização, o que tende a gerar bolhas passíveis de explosão.

Dessa forma, também o Brasil não estaria imune, em um futuro próximo, de uma crise novamente relacionada à acumulação capitalista através do mercado imobiliário.

Produção de Harvey
David Harvey é um dos marxistas mais influentes da atualidade, reconhecido internacionalmente por seu trabalho de vanguarda na análise geográfica das dinâmicas do capital.

É professor de antropologia da pós-graduação da Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York – Cuny) na qual leciona desde 2001.

Foi também professor de geografia nas universidades Johns Hopkins e Oxford. Seu livro Condição pós-moderna (Loyola, 1992) foi apontado pelo Independent como um dos 50 trabalhos mais importantes de não ficção publicados desde a Segunda Guerra Mundial.

Seus livros mais recentes, além de O enigma do capital (Boitempo), são: A Companion to Marx’s Capital (Boitempo, no prelo) e O novo imperialismo (São Paulo, Loyola, 2004).


Fotos: Divulgação/Boitempo

A nova Guerra Fria já começou na Síria

Foi bom saber, pelo secretário de Relações Exteriores britânico, que “não estamos apoiando a ideia de alguém atacar o Irã neste momento”. Talvez mais tarde, então. Ou talvez depois de o presidente Assad cair, privando o Irã de seu único – e valioso – aliado no Oriente Médio. É disso que se trata, eu suspeito, esse monte de rugidos vociferando contra Assad. Livre-se de Assad e você estará cortando parte do coração do Irã. Se isso vai levar Ahmadinejad a transformar suas usinas nucleares em fábricas de leite, bem, isso já é outro assunto. O artigo é de Robert Fisk.

“Se o Irã obtiver armas nucleares, eu acho que outras nações em todo o Oriente Médio vão querer desenvolver armas nucleares”.

Assim trovejou o nosso amado secretário de Relações Exteriores, William Hague, em um dos pronunciamentos mais ridículos que já fez. Hague parece passar muito de seu tempo representando diferentes personagens, então realmente não estou certo de qual Sr. Hague fez esta declaração.

O erro número um, é claro, é o fato do Sr. Hague não mencionar que já existe uma nação do Oriente Médio que já possui centenas de armas nucleares juntamente com os mísseis para dispará-las. Ela se chama Israel. Mas o Sr. Hague não mencionou esse fato. Ele não sabia disso? Claro que sim. O que ele estava tentando dizer, veja só, é que se o Irã seguir querendo produzir uma arma nuclear, os Estados árabes – Estados muçulmanos – vão querer adquirir uma. E isso não pode acontecer. Não lhe ocorreu mencionar a ideia de que o Irã pode estar tentando desenvolver armas nucleares porque Israel já as possui.

Agora, como uma nação que vende bilhões de libras de equipamento militar para países do Golfo Pérsico – para eles se defenderem de planos não-existentes do Irã para invadi-los -, a Grã-Bretanha não está propriamente em condições de advertir sobre a proliferação de armas na região. Eu fui às feiras de armas no Golfo, onde os ingleses mostraram filmes alarmantes sobre uma nação “inimiga” ameaçando os árabes – o Irã, é claro – e falando da necessidade dos países árabes comprarem mais kits da British Aerospace e dos nossos demais mercadores da morte.

Em seguida, a conversa de Hague pratica um assassinato histórico. Ele adverte sobre “o mais grave capítulo de proliferação nuclear desde que as armas nucleares foram inventadas”, que poderia produzir “a ameaça de uma nova Guerra Fria no Oriente Médio”, o que seria “um desastre mundial”. Eu sei que Hague senta-se na sala de Balfour e Eden – dois pseudo-especialistas em Oriente Médio -, mas será que ele tem mesmo que maltratar a história desse jeito? Certamente a rodada mais grave de proliferação nuclear ocorreu quando a Índia e o Paquistão adquiriram a bomba, está última uma nação inundada por grupos ligados a Al-Qaeda, talibãs e duvidosos agentes de serviços de inteligência.

Foi bom saber que “não estamos apoiando a ideia de alguém atacar o Irã neste momento”. Talvez mais tarde, então. Ou talvez depois de o presidente Assad eventualmente cair, privando o Irã de seu único – e valioso – aliado no Oriente Médio. É disso que se trata, eu suspeito, esse monte de rugidos vociferando contra Assad. Livre-se de Assad e você estará cortando parte do coração do Irã. Se isso vai levar Ahmadinejad a transformar suas usinas nucleares em fábricas de leite para criança, bem, isso já é outro assunto. Aqui está a questão central. As vozes poderosas que pedem a saída de Assad aumentam mais de volume na medida em que se recusam a se envolver na sua derrubada. Quanto mais eles se comprometem a não “meter a OTAN” na Síria, cada vez que dizem que não podem haver zonas de exclusão aérea na Síria, mais e mais ficam furiosos com Assad. Por que ele não parte simplesmente para sua aposentadoria na Turquia, acabando com o teatro de uma vez por todas, e parando de envergonhar a todos nós, coagindo seu país com bombas, francos atiradores e milhares de assassinatos, entre eles o de jornalistas.

Desnecessário dizer que Hague também tagarela sobre a Síria, supostamente também não “apoiando a ideia de alguem atacar a Síria neste momento”. E esse é um problema que fede muito para o ministro das Relações Exteriores. Ela estava justamente denunciando o assassinato de Marie Colvin esta semana – eu a vi nos últimos dias da revolução egípcia, avançando, como de costume, em meio ao estouro de granadas de gás lacrimogêneo -, mas centenas de outros seres humanos inocentes foram cruelmente assassinados na Síria sem que isso provocasse um sussurro sequer de Hague. Alguns deles foram mortos pela oposição armada a Assad. O assassinato de alauitas por sunitas está se tornando terrivelmente familiar, assim como a matança de civis por fogo de artilharia do governo sírio se tornou um modelo nesta guerra terrível.

Não, nós não vamos nos envolver na Síria, muito obrigado. Porque a nova Guerra Fria na região, papagaiada por Hague, já começou na Síria, não no Irã. Os russos estão alinhados contra nós lá, apoiando Assad e denunciando-nos. Só que a reação de Putin a uma substituição de Assad é um mistério. Não será uma “nova” Síria, necessariamente, a democracia pró-Ocidente que Hague e outros gostariam de ver.

Os sírios, afinal não vão esquecer a maneira pela qual os britânicos e os americanos silenciosamente aprovaram o massacre infinitamente mais terrível de 10 mil sírios muçulmanos sunitas em Hama, em 1982. Este ano marca o 30º aniversário desse massacre, praticado pelas Brigadas de Defesa de Rifaat Ali al-Assad, tio do atual presidente Assad.

Mas, como Hague, Rifaat também tem seu “doppelgänger” (termo alemão para sósia ou duplo de uma personagem). Longe de ser o assassino de Hama – um termo que ele contesta ferozmente -, ele agora é um senhor simpático e aposentado, vivendo em grande estilo e em segurança muito próximo da mesa de Hague. Na verdade, se Hague sair do prédio do Ministério das Relações Exteriores e dobrar à esquerda ele pode encontrar e conhecer o homem pessoalmente em – onde mais ele poderia viver? – Mayfair (área nobre no centro de Londres). Agora, isso seria um desastre para os assuntos mundiais, não?

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer




 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A avaliação dos russos: “Já se vê no horizonte uma nova guerra dos EUA no Oriente Médio”

A situação no Oriente Médio aproxima-se rapidamente do ponto crítico e o início do conflito já aparece nas cartas. Isso, em resumo, foi o que disse Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia (e ex-diretor do FSB, a organização que sucedeu a KGB) em entrevista à imprensa russa.
Patrushev é, sem dúvida, figura chave do establishment político e das relações internacionais russas. Ninguém duvida de que falou bem refletidamente, com o objetivo de enunciar a profunda ansiedade do Kremlin, ante a evidência de que o mundo está a poucos passos de uma conflagração no Oriente Médio, de consequências imprevisíveis no plano da segurança regional e internacional e da política mundial.
Patrushev, claro, tem acesso a inteligência de alto nível e falou baseado em dados que estão jorrando dos satélites e dos espiões e diplomatas russos. O Kremlin disparou um sinal de alerta.
As entrevistas foram dadas em idioma russo. Posso, portanto, reproduzir passagens. Patrushev disse:
“Há informações de que membros da OTAN e de alguns estados árabes do Golfo Persa, agindo pelo cenário que se viu na Líbia, trabalham para transformar a atual interferência nas questões internas da Síria em intervenção militar direta”.
Foi específico.
“As principais forças de ataque não serão francesas, nem britânicas nem italianas, mas, provavelmente, turcas”.
Disse que o primeiro passo será criar uma zona aérea de exclusão sobre a Síria, para criar um santuário em território sírio próximo da fronteira turca, para entrada de mercenários que possam ser apresentados como rebeldes sírios. Em resumo, é intervenção ocidental ao estilo “líbio”; e conduzida pela Turquia.
Patrushev disse que a escalada militar alcançará provavelmente também o Irã e há “real perigo” de ataque pelos EUA, destacando que tensões sobre a Síria, hoje, são, de fato, tensões relacionadas à questão iraniana. “Querem castigar Damasco, menos pela repressão à oposição e, mais, por a Síria ter-se recusado a romper relações com Teerã”.
Sobre a situação iraniana, Patrushev disse:
“Já se veem sinais de escalada militar no conflito, e Israel está empurrando os americanos para a guerra. Há perigo real de um ataque militar norte-americano contra o Irã. Nesse momento, os EUA veem o Irã como seu principal problema. Querem converter o Irã, de inimigo, em parceiro apoiador; e, para conseguir isso, o plano é mudar o atual regime, pelos meios necessários”.
E qual será a provável resposta dos iranianos? Patrushev avalia:
“Não se pode descartar que os iranianos sejam capazes de cumprir suas ameaças de suspender exportações do óleo saudita pelo Estreito de Ormuz [1], se sofrerem ataque militar direto”.
Patrushev também falou sobre as políticas dos EUA para Rússia, China e Índia.
Disse que os EUA estão “persistentemente buscando manter sua dominação econômica, política e militar no mundo”. Põe sob essa luz a instalação dos sistemas de mísseis antibalísticos dos EUA na Europa.
”Hoje, [a instalação dos mísseis antibalísticos] talvez não seja grave ameaça à Rússia, mas o objetivo daquela ação, no longo prazo, é reduzir nosso potencial estratégico. Pelo que sei, os planos para uma barreira global de mísseis de defesa norte-americanos também estão sendo negativamente avaliados em Pequim.”
“Apesar das mudanças radicais no alinhamento global de forças, como resultado da modernização, os EUA insistem em manter sua dominação econômica, política e militar em todo o mundo. No presente, é importante para os EUA eliminar o que veem como ameaças a essa dominação – e ameaças que vêm da China, como creem os EUA”. (...)
Como “amigo de muito tempo” da Índia, Patrushev, evidentemente, não falaria contra a abordagem dos indianos e as atitudes de “sedução” de Tio Sam. Em vez disso, falou da “vizinhança estendida” da Índia:
“Simultaneamente, os EUA buscam acesso direto aos recursos e às facilidades de transporte na vasta área do Cáucaso, do Cáspio e da Ásia Central. Há inúmeras declarações de políticos norte-americanos sobre a necessidade de pôr sob controle dos EUA a energia, a água e outros recursos da Rússia”.
Mas, apesar de tudo, Patrushev não ignorou a importância que Moscou dá às relações Rússia-EUA, porque “os EUA são líderes do mundo ocidental e, faça a OTAN o que fizer, as estratégias da OTAN são sempre modeladas em Washington”.
Além disso, “Nossos países [Rússia e EUA] têm vários e importantes interesses coincidentes em matéria de segurança. Por exemplo, estamos combatendo juntos contra o terrorismo, dentre outras coisas, ao tornar acessível a rota do norte, para atender as necessidades das forças dos EUA no Afeganistão; estamos enfrentando juntos o crime organizado e o comércio ilegal de armas, narcóticos e substâncias psicotrópicas, e cooperamos também na luta para manter a segurança das informações” – concluiu Patrushev, com boa dose do humor russo, ao acentuar o caráter profundíssimo da atual “parceria” entre Rússia e EUA.
Nota dos tradutores
[1] Sobre isso, ver 8/1/2012, “Geopolítica do Estreito de Ormuz: Marinha dos EUA pode ser derrotada pelo Irã no Golfo Persa?”, Mahdi Darius Nazemroaya, Global Research.
MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
Indian Punchline

domingo, 24 de julho de 2011

Quem fez o atentado na Noruega ? O pessoal do Cerra sabe.


O autor do atentado em Oslo, na Noruega, se diz fundamentalista cristão, contra os imigrantes, e membro de uma organização de extrema direita.

Algumas das vítimas participavam de um encontro de uma organização de trabalhistas.

Nos Estados Unidos, o New York Times fez imediatamente essa leitura política do gesto enlouquecido e deixou claro que se tratava de um cristão de extrema direita.

O que, associado à xenofobia, pode contaminar a Europa.

O El País da Espanha enfatiza o caráter xenófobo, antimuçulmano do assassino.

Na página da BBC online, se sabe:

O assassino participava de um fórum neonazista na internet.

Ele acredita que os muçulmanos querem colonizar a Europa Ocidental.

E culpa as idéias “multiculturalistas” e do “Marxismo cultural” por incentivar isso.

Para ele não há um único país em que muçulmanos vivam em paz com não-muçulmanos.

E isso sempre tem consequências catastróficas, diz ele.

Ele se considera cristão, conservador, adepto da musculação e da Maçonaria.

É fã do presidente russo Vladimir Putin.

Nos Estados Unidos, esse extremismo de direita, xenófobo, se acolhe no leito macio no movimento Tea Party que tem como símbolo mais exuberante, hoje, a deputada republicana por Minnesota, Michele Bachmann.

Ela é homofóbica, xenófoba, não votará na ampliação do teto para endividamento dos Estados Unidos em hipótese alguma, considera o aquecimento global uma fraude, e acha que uma das opções para negociar com o Irã é jogar uma bomba atômica.

Bachmann pertence a uma denominação luterana e, com o marido, dirige uma clinica de aconselhamento psicológico, que, entre outras atividades comerciais, se propõe a converter homossexuais ao heterossexualismo.

Quem aqui no Brasil, segundo o professor Wanderley Guilherme dos Santos, se apropriou da doutrina da extrema direita ?

Quem explorou o aborto e chamou o Papa para a campanha ?

Quem foi a cultos evangélicos passar a mão da cabeça (a outra mão empunhava a Bíblia) de manifestantes homofóbicos ?

Quem pôs nos bolivianos a culpa pela tragédia da cocaina e do crack ?

Quem disse que a baixa qualidade da educação em São Paulo se deve aos “migrantes” ?

Quem trouxe o Irã para a campanha presidencial e criticou uma política de envolvimento e negociação ?

Quem foi ao Clube da Aeronáutica do Rio denunciar a marxista Dilma Roussef ?

Quem ?

É preciso dar nome aos bois.

Na Noruega, ele se chama Anders Behring Breivik.

Nos Estados Unidos, Michele Bachmann.

No Brasil, José Serra.


Paulo Henrique Amorim

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O lado do Irã que a mídia não mostra


A “superioridade” com que o Ocidente trata as culturas islâmicas faz, muitas vezes, serem esquecidas as dificuldades que governantes que procuram modernizar aqueles países. E que sejam vistos, eles próprios, como conservadores, porque têm de aceitar um pouco para poderem mudar muito.
Claro que ninguém é favorável às restrições de direitos das mulheres – à nenhuma, em nenhuma cultura, religião ou sociedade – mas, muitas vezes, os processos são mais complexos do que parecem.
Uma matéria de hoje na Reuters, que não terá grande repercussão na mídia brasileira, mostra o contrário do que normalmente se percebe sobre o Irã.
Mostra o presidente Mahmoud Ahmadinejad sob uma tempestade de críticas do clero por se opor à separação dos sexos nas salas de aula das univesidades iranianas.
“Foi dito que, em algumas universidades, as aulas e disciplinas estão sendo segregadas, sem levar em conta as coincidências. São necessárias ações urgentes para impedir essas ações superficiais e não acadêmicas”, disse ele em seu site.
A isso, reagiu o mais importante clérigo iraniano, Ahmad Khatami: “Com que lógica o reitor de uma universidade de Teerã deveria ser repreendido por separar as classes entre homens e mulheres? Deveríamos (era)  lhe dar uma medalha.”
Se fosse o inverso,  Ahmadinejad estaria sendo apontado como um “monstro” em todos os jornais. E iria ser lembrado que a universidade foi um dos centros de manifestão do tal “mivimento verde” , de oposição a ele.
Ontem, no relatório sobre a condição feminina, a ONU lembrou que, há um século, apenas dois países davam à mulher o direito de voto.
Ainda há muito a conquistar em matéria de igualdade de direitos entre os gêneros e isso é um combate que não pode esmorecer. Nem mesmo nas críticas que se faz à desigualdade que se pratica em nome de culturas ancestrais.O Governo brasileiro, com Lula ou com Dilma, jamais deixou de protestar contra situações desumanas no Irã. O que é muito diferente de contestar a vontade eleitoral do povo iraniano, que elegeu Ahmadinejad.
Mas sempre deve se ter em vista que, se exige firmeza, esta luta também exige compreensão de que as mudanças culturais não se impõem a ferro e fogo, com uma “ocidentalização”  forçada, que, como numa Cruzada,  leve à fogueira todos que não se “convertam” a ela.
A ditadura do Xá Reza Pahlevi era “moderna”. E brutal, repressiva, excludente e entreguista. Desconsiderou os valores de seu povo e, afinal, fez com que eles ressurgissem odiando a “modernidade” até naquilo que ela tem de bom, justo e igualitário.
Quando queremos combater o preconceito cultural, o simplismo é sempre o primeiro inimigo a vencer. Porque ele leva também, por superficial, ao preconceito.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Celso Amorim: ‘Quando fomos à Síria’, PIG questionou: ‘Mas vocês perguntaram a Washington se podia?’


março 29th, 2011 by mariafro

Tem como não admirar Celso Amorim?

Destaco um trecho da entrevista, quando a BBC Brasil destaca que a imprensa busca ressaltar as diferenças entre os governos de Dilma e Lula e pergunta ao ex-ministro das Relações Exteriores se há continuidade ou ruptura na política externa do governo Dilma. A resposta de Celso Amorim é fantástica:
“É bom que tome rumos próprios. Cada pessoa é uma pessoa, cada momento é um momento. O momento é da Dilma. Há continuidade nas linhas básicas, mas cada situação é uma situação. À medida que o Brasil se torna maior, ele não vai ter menos problemas, vai ter mais problemas. Os momentos variam, a sensibilidade pode variar em relação à maneira de fazer determinada coisa, e cada um fará a seu modo, isso é natural.
Mas acho que em grande parte o desejo da imprensa de fazer uma separação é porque ela nunca aceitou o Lula. A verdade é essa. Nunca aceitou nossas atitudes independentes. Quando fomos à Síria a primeira vez, fui perguntado: “Mas vocês perguntaram a Washington se podia?” É achar que o Brasil tem que ser pequeno, caudatário.”
Para Amorim, é preciso diálogo para ter influência sobre Irã
Por: Júlia Dias Carneiro, da BBC Brasil no Rio de Janeiro
24/03/2011
Celso Amorim em seu apartamento no Rio de Janeiro (foto: Júlia Dias Carneiro)
Amorim foi chanceler durante os dois mandatos de Lula 
O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim acredita que o diálogo é a única maneira de influenciar o Irã, acusado por parte da comunidade internacional de violar direitos humanos e buscar desenvolver armas nucleares.
“Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo”, disse Amorim em entrevista à BBC Brasil, afirmando que não é possível “bater forte e dialogar ao mesmo tempo”.
O embaixador afirmou ainda que a aproximação com o Irã durante o governo Lula possibilitou que o Brasil intercedesse em casos como o de Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, e da francesa Clotilde Reiss, acusada de espionagem no país.
Ministro das Relações Exteriores durante os dois mandatos de Lula, Amorim recebeu a BBC Brasil em seu apartamento em Copacabana na última quarta-feira, um dia antes de o Brasil ter votado a favor da nomeação de um relator da ONU para investigar a situação de direitos humanos no Irã.
O voto favorável no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinalizou uma mudança na posição do Brasil, que até então vinha se abstendo em decisões sobre o Irã.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil – A presidente Dilma Rousseff deu sinais de que será mais dura na defesa de direitos humanos nos países com que o Brasil se relaciona. Antes de assumir o mandato, ela mostrou posição diferente da do presidente Lula ao falar sobre direitos humanos no Irã…
Celso Amorim – A manifestação dela nem foi sobre o Irã, foi específica sobre a situação daquela senhora, a Sakineh (Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento no Irã). Queira Deus que a situação dela melhore e que ela possa ser libertada. Não sei o que influiu no fato de ela não ter sido assassinada até hoje. Mas se teve uma coisa que contribuiu, foi o pedido do presidente Lula. Não terá sido a única.
Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo. Nós defendemos os direitos humanos ativamente. Atuamos em várias situações evitando agravamentos, inclusive ajudando a soltar pessoas. Outro dia, o presidente da sociedade baha’i me agradeceu porque fizemos gestões fortes em favor de baha’is condenados à morte.
Nós tínhamos condições de fazer essas gestões. Se estivéssemos permanentemente condenando o Irã, sei lá se eles teriam resolvido atender a um pedido nosso.
Eu tinha liberdade para pegar o telefone, como fiz, para falar com o ministro sobre a questão da Sakineh (…). Soltamos a (professora) francesa Clotilde Reiss – e foi o Brasil, não há a menor dúvida.
Como conseguir isso se se assume uma postura só de condenação? Você tem que optar. Não dá para fazer as duas. Acho que o presidente (francês Nicolas) Sarkozy tentou fazer as duas, bater forte e dialogar ao mesmo tempo. Os iranianos não dialogaram.
BBC Brasil – A imprensa procura ressaltar as diferenças entre os governos de Dilma e Lula. Há uma continuidade na política externa do governo Dilma, ou ela está tomando rumos próprios?
Amorim - É bom que tome rumos próprios. Cada pessoa é uma pessoa, cada momento é um momento. O momento é da Dilma. Há continuidade nas linhas básicas, mas cada situação é uma situação. À medida que o Brasil se torna maior, ele não vai ter menos problemas, vai ter mais problemas. Os momentos variam, a sensibilidade pode variar em relação à maneira de fazer determinada coisa, e cada um fará a seu modo, isso é natural.
Mas acho que em grande parte o desejo da imprensa de fazer uma separação é porque ela nunca aceitou o Lula. A verdade é essa. Nunca aceitou nossas atitudes independentes. Quando fomos à Síria a primeira vez, fui perguntado: “Mas vocês perguntaram a Washington se podia?” É achar que o Brasil tem que ser pequeno, caudatário.
Nessa questão de direitos humanos, é perfeitamente respeitável a opinião da presidenta, até pela sensibilidade pessoal que ela tem para isso. Eu nunca fui torturado, mas devo dizer que o presidente Lula foi preso e eu perdi meu lugar na Embrafilme porque autorizei um filme que tratava de tortura durante o governo militar.
Mas quando você lê a mídia brasileira, pegam isso para dizer que o Brasil não tem que se meter com o Irã, não tem que se meter com o Oriente Médio. Eles querem o Brasil pequenininho. No máximo cuidando um pouco aqui na região, sempre com uma postura agressiva em relação aos fracos e submissa em relação aos fortes.
Não é isso que queremos, e eu acho que a presidenta Dilma também não quer.
BBC Brasil – Como analista, como o senhor avalia as posições que o Brasil tomou em relação à Líbia, ao se abster no voto do estabelecimento de uma zona de exclusão aérea e ao pedir o cessar-fogo no país?
Amorim - Achei que foi um gesto correto, mas também corajoso, porque tomado na véspera da visita do presidente Obama. Havia a preocupação de proteger os civis. A tentação do lado ocidental é sempre agir com a força. A força às vezes tem que estar no horizonte, mas a melhor arma é aquela que você não precisa disparar.
Como você disparou, a zona de exclusão aérea já está gerando reação. Primeiro, está fazendo do próprio Khadafi um mártir, e mostrando que ele está liderando uma luta antiimperialista. A Liga Árabe apoiou, mas quem está lá é França, Estados Unidos, Itália dando apoio logístico, Reino Unido… Então é um grupo de países ocidentais bombardeando árabes e muçulmanos. Pelas reações que leio nos jornais, isso já está tendo efeito no resto do mundo árabe.
Acho que nesses casos a gente não pode procurar apenas satisfazer a nossa consciência moral. Sim, deve satisfazê-la, mas de uma maneira que obtenha resultados reais, que melhore a situação dos líbios. E não simplesmente ir para casa e dizer, dei um tiro no malvado. Você não sabe se o malvado matou mais dez por causa do tiro que você deu.
BBC Brasil – O senhor acredita que as revoluções no mundo árabe vão representar uma grande transformação na geopolítica do Oriente Médio?
Amorim – Eu acho que sim. O caso da Líbia hoje é muito dramático, por causa do uso da força e da repressão do governo. Mas a Líbia não é um país com grande influência no Oriente Médio. Tem mais influência na África, na verdade, porque financiou muita gente, deu apoio a Mandela.
Quem terá muita influência é o Egito. A maneira como as coisas caminharem no Egito terá uma grande influência no conjunto da região, principalmente na relação Israel-Palestina, que é o problema central. Essa mudança vai ter impacto no Oriente Médio e vai ter impacto no mundo. E é um fato novo.
Isso pode soar meio chocante, mas a Líbia de certa maneira veio a calhar para os países ocidentais. Porque até então todas as rebeliões importantes estavam se realizando contra regimes apoiados ostensivamente pelo Ocidente. Egito, Tunísia, Iêmen, Bahrein, onde há bases americanas.
Embora Khadafi fosse ultimamente cortejado pelos ocidentais por causa do petróleo e outros interesses, não se pode dizer que ele é um regime apoiado pelo Ocidente. A Líbia tirou as atenções dos outros países. Não estou dizendo que o Ocidente tenha provocado isso. Mas veio a calhar, e é uma situação que ainda por cima permite dizer que os países estão lutando pelos direitos humanos.
BBC Brasil – Os países do BRIC apresentaram voto alinhado nas Nações Unidas. Houve articulação política para tomar uma decisão conjunta?
Amorim - Eu não estou mais envolvido, não posso dizer o que efetivamente aconteceu. Mas certamente deve ter havido muita consulta entre eles. E certamente a posição de um pode ter influenciado a de outro. Acho que a posição da Alemanha também teve deve ter tido influência e tornou a nossa posição mais confortável.
BBC Brasil -A posição de abstenção do Brasil pode ser prejudicial ao pleito do país por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? O país não terá que tomar decisões mais firmes se for para o conselho?
Amorim - Fui muito perguntado sobre isso quando votamos contra a resolução do Irã. Ali era um caso diferente, porque tínhamos feito um esforço a partir do estímulo do Ocidente e recebemos uma reação que desconsiderou totalmente o que tínhamos feito. Tínhamos mesmo que votar contra.
Mas vou repetir o que eu disse na época: se para entrar no Conselho de Segurança for preciso dizer sim a tudo, é melhor não entrar. Aquilo é para você levar a sua percepção do mundo. E a percepção do Brasil é basicamente a de tentar, sempre que possível, resolver as situações com alguma negociação.
BBC Brasil – E qual é o papel que o Brasil desempenha nesse novo panorama no Oriente Médio?
Amorim – Acho que o Brasil tem uma oportunidade. Do ponto de vista da relação com esses países, tem uma contribuição a dar, sobretudo se souber dar com humildade. Não pode chegar lá dizendo como as coisas têm que ser, mas pode se abrir, mostrar como nós consolidamos a democracia no Brasil, como foi o processo de uma Constituinte no Brasil. Nós também cometemos erros, não estou dizendo que a nossa experiência é perfeita, mas a democracia no Brasil está consolidada.
Ao ajudar e aumentar nossa presença, isso fortalece vários aspectos. Desde que começamos a aproximação com os países árabes, em seis anos o comércio se multiplicou por quatro vezes. A gente sabia que a parte comercial é importante, mas você não pode querer buscar só defender os interesses comerciais. As coisas vêm num conjunto.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Obama ainda vai pedir desculpas ao Celso Amorim


Diz a piada que as ideias levam 10 anos para chegar ao Brasil. E mais 10 para serem institucionalizadas. Donde a vantagem de ter gente capaz de enxergar antes, como o Celso Amorim:

Irã: uma nova viagem de descobrimento
23/2/2011, Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online
“Os EUA esforçam-se muito para não aparecer como alvo desses gigantescos levantes populares, mas fracassam, porque o povo já sabe que as políticas dos EUA e seus comparsas são causa de humilhação e divisão entre as nações. Por isso, a chave para resolver os problemas do povo está em dar fim a todos os arranjos que os EUA impõem à Região”

(Supremo Líder do Irã, aiatolá Seyed Ali Khamenei)
Na 2ª-feira, com dois navios de guerra iranianos preparados para cruzar o Canal de Suez – para grande preocupação em Israel, que interpreta o movimento “como de máxima gravidade” – o Supremo Líder do Irã aiatolá Ali Khamenei dirigiu-se a um grupo de dignitários estrangeiros de todo o mundo árabe e falou-lhes, confiante, da aurora de uma nova era no Oriente Médio, que refletiria “um novo despertar islâmico”.
Com o fim das duas ditaduras pró-ocidente na Tunísia e no Egito, e com protestos que crescem no Bahrain predominantemente xiita, onde está atracada a 5ª Frota da Marinha dos EUA, os líderes iranianos têm ampla justificativa para a confiança com que falam de “um Novo Oriente Médio”, cada dia menos rendido aos interesses ocidentais e cada dia mais independente e assertivo.
Uma fragata iraniana e um barco de suprimentos navegaram pelo Canal de Suez a caminho da Síria, depois de autorizados pelas autoridades egípcias –, primeira vez que navios iranianos navegam pelo canal, desde antes da queda do Xá, em 1979. O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu disse no domingo que o Irã estaria tentando aproveitar-se da instabilidade na Região.
Pela legislação internacional, só navios de países que estejam em guerra contra o Egito são impedidos de passar pelo Canal de Suez. Mas navios militares têm de, antes, ser autorizados pelos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores do Egito.
“Acho que hoje se pode ver o quanto é instável a região em que vivemos, cuja instabilidade o Irã tenta explorar. O movimento de passar pelo Canal de Suez foi pensado para ampliar a influência do Irã” – dizem as notícias, citando palavras de Netanyahu. O primeiro-ministro de Israel considerou a viagem “uma provocação” à qual “a comunidade internacional terá de responder”.
Na avaliação dos especialistas em política exterior do Irã, a decisão dos militares egípcios, de autorizar a passagem dos navios “Alvand” e “Khargh”, foi importante gesto para quebrar o gelo e dá tom positivo a uma muito necessária melhora nas relações entre o Irã e o Egito.
Acusados pelos israelenses de “conivência” com o Irã, no caso da autorização para a passagem dos navios, os militares egípcios – que hoje são governo, depois da deposição do presidente Mubarak – podem acelerar o processo de normalização das relações com o Irã, ainda antes das eleições marcadas para setembro. É decisão que nada tem a ver com a promessa que fizeram de manter todos os compromissos já assumidos com outras nações, inclusive o tratado de paz de Camp David com Israel.
Mas, para o jornal israelense Ha’aretz, Israel já não pode ter certeza de que o Egito continuará seu aliado contra o Irã. Interpretação mais acurada diria que Israel teme que o Egito se alie ao Irã contra Israel, o que, com certeza, alteraria o equilíbrio de forças, em detrimento do bloco conservador liderado por EUA e Israel que visa a isolar o Irã.
Nos tempos tumultuados que se vive no Oriente Médio e Norte da África, vê-se agora a queda de regimes pró-EUA, ou derrubados ou seriamente contestados pelas massas nas ruas, o que cria, para o bloco liderado pelo Irã (e que inclui a Síria, o Hezbollah no Líbano e o Hamás em Gaza), oportunidade única para colher um importante ganho (geo)político. Mais clara a oportunidade será, se o “efeito dominó” hoje ativado levar a mudança radical também no sistema político arcaico do Bahrain.
Apesar de o almirante Mike Mullen, presidente do Conselho do Estado-maior dos EUA, em sua última entrevista, ter acusado implicitamente o Irã de estar estimulando a agitação no Bahrain, fato é que muitos xiitas do Bahrain têm como sagrada a cidade iraquiana de Najaf e como líder espiritual o aiatolá Ali Sistani, enquanto só uma minoria segue a orientação de Khamenei.
Seja como for, a inevitável maior influência dos xiitas do Bahrain – que são superiores, em número, aos sunitas reinantes –, seja por revolução, seja mediante o “diálogo nacional” que o governo propôs, acabará por ser interpretada como importante ganho para o Irã. Com isso, será de esperar que o Bahrain e outros membros do Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Gulf Cooperation Council (GCC)] passem a demonstrar maior deferência ao rapidamente crescente maior poder do Irã na região. O GCC foi criado em 1981 e inclui os estados do Golfo Persa, Bahrain, Kuwait, Oman, Qatar e Arábia Saudita, e os Emirados Árabes Unidos.
Esse reconhecimento de que a mudança na maré política favorece o Irã, a bete noir dos EUA no Oriente Médio, já é bem visível na decisão da Arábia Saudita, até agora sem precedentes, de permitir que navios de guerra iranianos passem por portos sauditas (os navios iranianos atravessaram o Mar Vermelho e o Canal de Suez, em rota para o porto de Latika, na Síria). Mas o ramo de oliveira estendido ao Irã pode também ter sido motivado pelo medo, em Riad, de um levante; e dessa vez, dos seus próprios xiitas descontentes (há dois milhões de xiitas na Arábia Saudita, numa população de 26 milhões).
Veem-se assim novas questões relativas ao futuro das relações EUA-Irã, à luz da complexa convivência entre interesses conflitantes e interesses partilhados entre os dois países no caldeirão do Oriente Médio e em outros pontos do mundo.
É provável que os EUA sejam obrigados a revisar a abordagem de coerção e violência contra o Irã e seu programa nuclear; que tenham de evitar futuras sanções e alterar a até agora perfeitamente inócua política de isolar o Irã. É possível que tenham de começar a trabalhar para ganhar a confiança de Teerã para defender interesses partilhados ou, no mínimo, paralelos não conflitantes, como, por exemplo, a tríplice ameaça que paira sobre Irã e EUA: a ação dos Talibã, o extremismo dos wahhabistas e o tráfico de drogas – para não falar da estabilidade regional, que interessa a todos.
No que tenha a ver com os programas nucleares, movimento prudente dos EUA seria aceitar imediatamente o projeto de troca de combustível nuclear para o reator médico de Teerã e apoiar, com todo seu peso político, os esforços da ONU para fazer do Oriente Médio zona livre de armas nucleares.
Deve-se desejar também que os EUA parem de impedir que a Índia participe do projeto do oleoduto Irã-Paquistão-Índia. A lógica econômica da interdependência, que ensina a praticar a moderação, não pode nem deve ser ignorada.
Infelizmente, é pouco provável que Washington, em futuro próximo, venha a reconhecer o papel de destaque de Teerã em todos os negócios no Oriente Médio. Em vez disso, como já transparece na fala de Mullen, os EUA continuarão a analisar o quadro político pelas lentes da fobia anti-Irã – motivo pelo qual toda uma enorme área de “interesses mútuos” permanecerá sem ser nem considerada nem explorada.

Direitos dos palestinos
Como esperado, a mídia no Irã atacou duramente o veto, pelo governo Obama, semana passada, contra projeto de Resolução do Conselho de Segurança da ONU que criticaria as colônias ilegais, exclusivas para judeus e erguidas em territórios palestinos ocupados.
Reforça-se assim a percepção, já generalizada no Irã e em outras partes do mundo árabe e do mundo muçulmano, de que o governo dos EUA está sob controle absoluto do lobby pró-Israel e fundamentalmente incapaz de agir com independência (e nem se fala de opor-se declaradamente aos planos de ação de Israel para a região).
A menos que a Casa Branca demonstre o contrário, ajustando suas abordagens do “processo de paz” e passando a efetivamente pressionar Israel, firma-se, em todo o Oriente Médio, a conclusão de que a política dos EUA para o Oriente Médio é concebida em Telavive.
O interesse do Irã na “questão” palestina é, simultaneamente, ideológico e resultado do desejo de ampliar suas áreas de influência – o que significa, essencialmente, que a política dos EUA, de excluir o Irã do diálogo multilateral sobre o processo de paz, é, ao mesmo tempo, disfuncional e contraproducente.
“As políticas expansionistas israelenses causaram grave dano aos interesses dos EUA e sem dúvida contribuíram para a impopularidade do Xá dos EUA, Hosni Mubarak” – diz cientista político especialista em assuntos de política exterior do Irã, da Universidade de Teerã. E completa: “Entende-se que os políticos israelenses estejam cegos para isso. Mas e os norte-americanos? Por que não veem?”
Sobre recente decisão dos militares egípcios de abrir a fronteira com Gaza por vários dias, como indicação da nova abordagem do Egito, que já não estaria a favor do sítio de Gaza, todos, o professor de Teerã e vários jornalistas e comentaristas iranianos, são otimistas quanto a um brilhante futuro para as relações Irã-Egito. Para todos, essas novas relações seriam baseadas “na solidariedade de todos aos palestinos”.
No mínimo, Cairo tem agora melhores condições para barganhar com EUA-Israel, depois de livrar-se dos impedimentos que afastavam o Irã – e esse é, sem dúvida, desenvolvimento extraordinariamente importante – além de extraordinariamente preocupante do ponto de vista dos interesses de EUA-Israel.
Perfeitamente consciente da necessidade de implantar uma cunha entre EUA e Israel, a estratégia iraniana combina hoje um porrete e uma cenoura. De um lado, o porrete do antiamericanismo e o correspondente slogan de “Oriente Médio sem EUA”, parafraseando o que o presidente Mahmud Ahmadinejad disse no discurso de comemoração do 32º aniversário da revolução de 1979; de outro, a cenoura da cooperação no campo das “preocupações comuns”, como os Talibã.
O fato de que o Irã pode ser muito oportuna linha de fuga, contra os repetidos ataques dos Talibã às linhas de suprimento da OTAN que atravessam o Paquistão e o Afeganistão, ou pode ser influência de moderação para escapar da fúria dos xiitas no Golfo Persa – também já apareceu comentado em veículos da mídia de Teerã.
Nessas possíveis negociações, o Irã introduziria, como pré-condição, o fim das políticas norte-americanas (1) de sanções e (2) de tentativas de golpe para derrubar o regime iraniano.
A ironia disso tudo é que o resultado das políticas dos EUA contra o Irã parece ser exatamente o oposto do que os EUA esperavam conseguir: os aliados dos EUA caem como maçãs podres de seus respectivos postos ditatoriais de governo; e o Irã sofreu impacto mínimo da “febre democrática” que varre a região. Por isso, exatamente, Teerã considera-se no pleno direito de conduzir os termos de qualquer diálogo futuro com os EUA.
Isso, também, porque os EUA estão sendo vistos como os principais perdedores, hoje; em posições muito enfraquecidas; na defensiva; e já “operando no modo ‘pânico’, à vista da chuva de dominós que caem” – como se leu ontem, no editorial de um dos jornais iranianos conservadores.
O império pode recuperar o fôlego e descobrir novas vias para retaliar e voltar ao comando do jogo. Mas os vencedores do dia, hoje, são o Irã e seus aliados.