Da Rede Brasil Atual
Cerca de 4 mil pessoas não se intimidaram com o frio e a garoa que acinzentaram o centro de São Paulo na tarde de hoje (14) e foram às ruas protestar contra a péssima qualidade do transporte público na cidade. A manifestação, que transcorreu pacificamente, sem nenhuma ocorrência de vandalismo, foi motivada pelas recentes denúncias de formação de cartel entre empresas estrangeiras do setor metroferroviário com a complacência de governos estaduais do PSDB.
Depois de terminada a passeata, na Praça da Sé, por volta das 18h30, um grupo de aproximadamente 100 pessoas caminhou até a Câmara de Vereadores e tentou ocupar o prédio. A polícia respondeu com bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral, e perseguiu alguns manifestantes pelo bairro da Liberdade. À medida que fugiam, eles faziam barricadas com lixo em chamas nas ruas para atrasar o avanço das viaturas. Algumas lojas e agências bancárias tiveram as vidraças quebradas. A PM não soube informar o número de pessoas detidas.
O protesto foi convocado pelo Sindicato dos Metroviários do Estado de São Paulo, filiado à Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas), e contou com apoio do Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana, que aglutina trabalhadores das linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). A marcha também ganhou a adesão do Movimento Passe Livre (MPL), responsável pela mobilização contra o aumento da tarifa, em junho, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e diversos grupos de esquerda, como Juntos, Levante Popular da Juventude, Periferia Ativa e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
CARTA
Depois de se concentrarem no Vale do Anhangabaú, os manifestantes passaram pelas sedes da Prefeitura, Ministério Público do Estado e Secretaria estadual dos Transportes Metropolitanos, na rua Boa Vista, onde a marcha se deteve por alguns instantes. Uma comissão formada por representantes dos Metroviários, Ferroviários e Passe Livre foi recebido pelo chefe da gabinete da secretaria e diretores do Metrô e da CPTM. Eles entregaram uma carta pedindo fim das terceirizações e das privatizações no transporte metroferroviário, redução da tarifa, investigação das denúncias de corrupção e punição dos responsáveis.
“Foi uma reunião formal, sem avanços, não esperávamos nada além disso. Os governos só se movem quando as pessoas vão para as ruas”, relatou Altino de Melo Prazeres, presidente dos Metroviários, uma das lideranças recebidas na secretaria. “Apresentamos e explicamos a pauta. Eles foram respeitosos e protocolaram nossa carta. Pedimos a abertura de uma negociação com o secretário de Transportes Metropolitanos. Ficaram de dar resposta hoje ou amanhã. São várias as pautas que queremos tratar, mas o principal tema é a corrupção. Se o metrô teve prejuízo, queremos que o dinheiro seja devolvido, para ser investido em mais metrô.”
Enquanto dirigentes e burocratas dialogavam dentro do prédio, os manifestantes formaram na rua um grande círculo para queimar um boneco de pano – com cartola, terno, gravata e nariz grande, simbolizando o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e os empresários corrutos – e uma catraca. Durante a marcha, podia-se ler faixas com os dizeres: “Por 20 centavos derrubamos a tarifa, por 425 milhões nós derrubaremos o Alckmin”, “Chega de sufoco, fora máfia dos transportes”, “Fora Alckmin”, “Metrô sim, monotrilho, não”, “2% do PIB para o transporte metroferroviário público, estatal e de qualidade” e “Só o socialismo acabará com as crises”.
CONTINUIDADE
“Cada roubo desses é como se estivéssemos cortando na carne do Estado e dando de presente para as multinacionais”, explicou o presidente dos Metroviários, antes mesmo de começar a marcha. “Queremos investimento maior no metrô e na CPTM. Não tem mais condição de ficar investindo apenas no transporte rodoviário. Queremos prisão dos diretores de todas as empresas responsáveis pelo cartel. Todos os contratos devem ser suspensos até o final das investigações. As empresas não podem vir ao país, admitir que roubaram e o governo continuar pagando.”
O presidente dos Ferroviários, Everson Craveiro, endossa as críticas, destacando a má gestão da CPTM. “A administração da empresa é ridícula: eles primeiros compram trens novos, para aparecer na imprensa, e só depois, quando começam as panes e os acidentes, é que vão se preocupar em investir nas subestações elétricas, estações, sinalizações e trilhos”, argumenta. “É a mesma coisa que comprar uma Ferrari para andar em estrada de terra. É por isso que os trens novos vivem quebrando. O governador tem realmente muita coisa para explicar.”
“Esse foi um ato-denúncia frente a todos os escândalos de desvios de verbas no metrô e na CPTM”, definiu Nina Cappello, membro do Passe Livre, logo após o término da passeata. “Queremos denunciar essa lógica de administração dos transportes em São Paulo, que funciona para dar lucro para os empresários e não para atender às necessidades dos usuários e da população. Foi um protesto muito bom: conseguimos dialogar com a população, a marcha cresceu muito durante seu trajeto. Não vamos nos calar diante dos escândalos e não deixaremos de lutar por um transporte efetivamente público.”
Nina lembra que, na época em que a população estava nas ruas exigindo a redução da tarifa de ônibus, metrô e trens na cidade, a maior justificativa do governo estadual – e também do municipal – era a de que não havia dinheiro disponível em caixa para arcar com uma passagem mais barata. “Com essa manifestação fazemos a mesma crítica que fazíamos quando exigimos a revogação do aumento de 20 centavos. Em junho, eles diziam que não tinham recursos para baixar a tarifa, mas agora vemos que o dinheiro do transporte público está indo para o bolso dos empresários e não em investimentos para melhorar a vida da população. Então, tem dinheiro, e nós, usuários e trabalhadores, queremos decidir pra onde esse dinheiro vai. A reivindicação é a mesma, são apenas elementos diferentes.”
NINJA
A PM acompanhou toda a manifestação com 350 policiais. “Queremos garantir o exercício de reunião desde que se mantenha de forma pacífica e ordeira. Usamos todos os recursos possíveis para evitar qualquer tipo de quebra da ordem por parte de oportunistas que se aproveitam as manifestações para provocar pequenos furtos e danos ao patrimônio”, explicou o coronel Marcelo Pignatari, comandante da operação, mesmo oficial que reprimiu o terceiro protesto pela redução da tarifa, em 11 de junho, que acabou em violência policial. Pignatari disse que trabalharia para “individualizar” atos de vandalismo em vez de atentar contra todos os manifestantes em caso de depredação.
Questionado pela RBA, o coronel não negou que houvesse policiais à paisana, conhecidos como P2, infiltrados na marcha. “Isso sempre teve. Estamos fazendo tudo dentro da lei.” A PM estava munida de câmeras de vídeo para fazer seus próprios registros do protesto. Um oficial chamado Giampaolo tinha preso ao peito um equipamento conhecido como Go Pro, utilizado para fazer imagens em movimento. Alguns manifestantes brincaram imediatamente, dizendo que se tratava de um PM Ninja, em alusão ao Mídia Ninja, grupo que se notabilizou ao registrar imagens ao vivo com uso de celulares das manifestações de junho.