Durante a semana que finda, assisti reportagem do Jornal da Globo que se propôs a dar “dicas” sobre as profissões “em alta” no mercado e que ofereceu um dado absolutamente estarrecedor, ainda que não seja novo: o país tem enorme carência de profissionais em profissões absolutamente imprescindíveis ao crescimento econômico.
Um exemplo: faltam engenheiros a um país que, na contramão de um mundo em recessão, segue crescendo, ainda que, agora, em ritmo bem menor devido ao agravamento da crise econômica internacional.
O fato é que escasseiam profissionais com curso superior no país apesar do forte aumento do número de universitários nos últimos anos. Isso ocorre porque cursar universidade, por aqui, sempre foi privilégio da elite branca do Sul e do Sudeste. Foi assim que o Brasil chegou a ser um dos três países mais desiguais do mundo na segunda metade do século passado.
O gráfico que ilustra este texto explica a política no Brasil ao menos entre 1960 e 2012. Representa a Curva de Lorenz, desenvolvida pelo economista estadunidense Max O. Lorenz em 1905 para representar a distribuição de renda em regiões ou países.
O método é muito simples: quanto mais próximo de 1 maior é a desigualdade, e quanto mais perto de 0 é menor.
O Coeficiente de Gini, vale explicar, não é uma criação “petralha”. É calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – no Brasil, é apurado em parceria com o IBGE e com o IPEA.
Como se vê no gráfico, em 1960 a posição do Brasil no índice era de 0,5367. Durante a ditadura militar a desigualdade foi aumentando e mesmo após a redemocratização o país continuou promovendo concentração de renda chegando ao ponto máximo em 1990, cinco anos após o fim daquela ditadura.
A partir de 1990, a desigualdade começou a cair, ainda que de forma quase imperceptível. Entre aquele ano e 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a desigualdade caiu de 0,6091 para 0,583. A partir de 2003, começou a cair em ritmo 3 vezes maior do que o preconizado pelo PNUD (ONU), chegando, ano passado, a 0,519 – inferior ao que vigia em 1960.
A queda da desigualdade brasileira durante o governo Lula, portanto, foi a maior em meio século – e, aliás, a maior da história do país em período tão curto (oito anos).
A correlação desses dados com a política é imensa. Como se vê, a ditadura militar veio para tornar o rico mais rico e o pobre mais pobre. E, após a ditadura, a situação melhorou muito pouco por mera falta de vontade política.
Durante os governos pós-redemocratização, mas anteriores à era Lula, a melhora da concentração de renda foi pífia apesar de ter caído timidamente durante a era FHC, quando chegou a subir um pouco e depois caiu de novo. Mas pouco, repito.
No período tucano no governo do Brasil, o índice caiu de 0,59 para 0,58, ou seja, quase nada. Eis a explicação para o fato de o PT ter vencido as três últimas eleições presidenciais: os três governos petistas vêm diminuindo a distância entre pobres e ricos como nunca antes na história deste país…
Os estudos do IBGE, do IPEA e do próprio PNUD também revelam um dos principais fatores para a maior concentração de renda a partir de 1964: houve um desmonte literal da educação pública.
A fim de cumprir o objetivo para o qual foi instalada, a ditadura tornou a educação de qualidade um bem das classes mais abastadas do Sul e do Sudeste, que são essencialmente de ascendência indo-europeia, ou seja, essencialmente brancas. Para ter boa educação escolar as famílias tinham que pagar caro, o que, obviamente, só estava ao alcance dos mais ricos.
Por conta disso, no começo da era Lula as universidades brasileiras – sobretudo as públicas – pareciam ser de países nórdicos. Os estacionamentos dessas instituições viviam repletos de carros de luxo e os corpos discentes eram de uma brancura de ofuscar os olhos, com seus olhos azuis e cabelos loiros.
A partir da década passada, porém, políticas públicas começaram a mudar essa situação.
Claro que o mérito maior para a queda acelerada da concentração de renda que o Brasil vem experimentando se deve ao Bolsa Família, mas a política reconhecidamente com maior potencial para mudar a ainda enorme concentração de renda no país é a que levou jovens pobres ao ensino superior.
Já dura quase uma década a política de cotas étnicas e sociais nas universidades públicas (sobretudo nas federais, como UFRG, UNB, UFRJ, UFBA e outras). Além das cotas há o Prouni, que permitiu aos jovens pobres chegarem a universidades privadas com financiamento federal.
No início, há quase uma década, quando o governo Lula trouxe para o Brasil a política afirmativa de inspiração norte-americana que criou uma classe média negra nos Estados Unidos, a elite branca do Sul e do Sudeste reagiu com ira e passou a propagar “criações mentais” (expressão em alta) sobre “prejuízo acadêmico”.
Mas o que seria esse “prejuízo acadêmico”?
Grandes grupos de mídia como as Organizações Globo, o Grupo Folha, o Grupo Estado, a Editora Abril e partidos políticos como DEM e PSDB abriram guerra contra o governo Lula valendo-se da teoria de que ao levar estudantes de escolas públicas para as universidades isso faria baixar o nível acadêmico delas.
A teoria demo-tucano-midiática era a de que, por terem formação escolar inferior, esses estudantes das escolas públicas – que, em maioria esmagadora no país, são negros – tornar-se-iam profissionais medíocres e não conseguiriam acompanhar os estudantes brancos egressos da escola particular, que proliferou durante a ditadura de forma a dar aos mais ricos chances melhores na vida.
O DEM, aliás, chegou a entrar na Justiça contra as políticas afirmativas petistas (cotas e Prouni) alegando que o governo federal estaria cometendo uma injustiça contra os brancos ricos das escolas particulares. O processo foi parar no STF e ali foi derrotado.
Ao mesmo tempo, a teoria sobre “prejuízo acadêmico” que seria gerado por jovens negros e pobres às universidades de elite (que, no Brasil, são as públicas, ou seja, financiadas pelos impostos sobretudo dos mais pobres), desmoronou.
Universidades como UFRG, UNB, UFRJ, UFBA e outras começaram a formar turmas de cotistas oriundos da escola pública e negros e o que se viu foi que não só tiveram o mesmo desempenho acadêmico que os egressos brancos das escolas particulares como, em alguns casos, até os superaram, sem falar que os cotistas abandonam menos os cursos, enquanto que os não-cotistas lideram as desistências.
Após a direita demo-tucano-midiática ter perdido a ação no STF contra as cotas e o Prouni, nesta semana perdeu no Legislativo – o Senado aprovou a política de cotas nas universidades federais. A mídia e os partidos de oposição reagiram, pois essa aprovação é ainda pior do que a derrota na Justiça porque materializa a política de cotas.
Não foi por outra razão que começaram a pipocar reações. Associações de escolas particulares prometem questionar na Justiça a política de reserva de vagas para negros e egressos de escolas públicas. Todavia, não passa de jogo político porque a instância máxima do Judiciário já rejeitou esse questionamento sobre as cotas serem injustiça de negros pobres contra brancos ricos.
No âmbito dessa gritaria política, a mídia ressuscita a teoria sobre “prejuízo acadêmico” que seria gerado pelos cotistas e abafa o contraditório e os próprios fatos.
Nos jornais ligados ao PSDB e ao DEM, as colunas de leitores e os colunistas voltam à carga contra as cotas com argumentos como o de que os cotistas rebaixariam o nível das universidades apesar de as experiências com a política afirmativa do PT mostrarem que os cotistas chegam a superar os não-cotistas.
Estabelecida a correlação entre a política de cotas e a queda da desigualdade mais intensa na era Lula, sobra outra correlação que o leitor certamente ainda não entendeu. Que relação têm as cotas com o mensalão?
Ainda na semana que finda, jornalistas respeitados como Janio de Freitas, da Folha, e até o ministro do STF Joaquim Barbosa ressaltaram como a mídia trata diferentemente os mensalões tucano e petista – o primeiro é abafado e o segundo vira “reality show”.
Ora, por que a mídia não gosta do PT a ponto de ser seletiva ao cobrir casos de corrupção desse partido? Afinal, todos sabem que nunca os ricos ganharam tanto quanto na era petista, ainda que não mais ganhem sozinhos.
Essa ojeriza ao PT ocorre simplesmente porque a mídia, o DEM e o PSDB representam os setores abastados da sociedade que impuseram ao Brasil uma ditadura militar que concentrou renda valendo-se da Educação como instrumento de injustiça social.
Por isso é que o mensalão tucano está sendo abafado enquanto a mídia transforma o julgamento do mensalão petista nesse espetáculo circense que todos estão vendo. Tenta, assim, convencer o país de que o PT encerra mais corrupção do que os partidos que defendem os interesses da elite branca do Sul e do Sudeste.
Simples assim.
Um exemplo: faltam engenheiros a um país que, na contramão de um mundo em recessão, segue crescendo, ainda que, agora, em ritmo bem menor devido ao agravamento da crise econômica internacional.
O fato é que escasseiam profissionais com curso superior no país apesar do forte aumento do número de universitários nos últimos anos. Isso ocorre porque cursar universidade, por aqui, sempre foi privilégio da elite branca do Sul e do Sudeste. Foi assim que o Brasil chegou a ser um dos três países mais desiguais do mundo na segunda metade do século passado.
O gráfico que ilustra este texto explica a política no Brasil ao menos entre 1960 e 2012. Representa a Curva de Lorenz, desenvolvida pelo economista estadunidense Max O. Lorenz em 1905 para representar a distribuição de renda em regiões ou países.
O método é muito simples: quanto mais próximo de 1 maior é a desigualdade, e quanto mais perto de 0 é menor.
O Coeficiente de Gini, vale explicar, não é uma criação “petralha”. É calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – no Brasil, é apurado em parceria com o IBGE e com o IPEA.
Como se vê no gráfico, em 1960 a posição do Brasil no índice era de 0,5367. Durante a ditadura militar a desigualdade foi aumentando e mesmo após a redemocratização o país continuou promovendo concentração de renda chegando ao ponto máximo em 1990, cinco anos após o fim daquela ditadura.
A partir de 1990, a desigualdade começou a cair, ainda que de forma quase imperceptível. Entre aquele ano e 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a desigualdade caiu de 0,6091 para 0,583. A partir de 2003, começou a cair em ritmo 3 vezes maior do que o preconizado pelo PNUD (ONU), chegando, ano passado, a 0,519 – inferior ao que vigia em 1960.
A queda da desigualdade brasileira durante o governo Lula, portanto, foi a maior em meio século – e, aliás, a maior da história do país em período tão curto (oito anos).
A correlação desses dados com a política é imensa. Como se vê, a ditadura militar veio para tornar o rico mais rico e o pobre mais pobre. E, após a ditadura, a situação melhorou muito pouco por mera falta de vontade política.
Durante os governos pós-redemocratização, mas anteriores à era Lula, a melhora da concentração de renda foi pífia apesar de ter caído timidamente durante a era FHC, quando chegou a subir um pouco e depois caiu de novo. Mas pouco, repito.
No período tucano no governo do Brasil, o índice caiu de 0,59 para 0,58, ou seja, quase nada. Eis a explicação para o fato de o PT ter vencido as três últimas eleições presidenciais: os três governos petistas vêm diminuindo a distância entre pobres e ricos como nunca antes na história deste país…
Os estudos do IBGE, do IPEA e do próprio PNUD também revelam um dos principais fatores para a maior concentração de renda a partir de 1964: houve um desmonte literal da educação pública.
A fim de cumprir o objetivo para o qual foi instalada, a ditadura tornou a educação de qualidade um bem das classes mais abastadas do Sul e do Sudeste, que são essencialmente de ascendência indo-europeia, ou seja, essencialmente brancas. Para ter boa educação escolar as famílias tinham que pagar caro, o que, obviamente, só estava ao alcance dos mais ricos.
Por conta disso, no começo da era Lula as universidades brasileiras – sobretudo as públicas – pareciam ser de países nórdicos. Os estacionamentos dessas instituições viviam repletos de carros de luxo e os corpos discentes eram de uma brancura de ofuscar os olhos, com seus olhos azuis e cabelos loiros.
A partir da década passada, porém, políticas públicas começaram a mudar essa situação.
Claro que o mérito maior para a queda acelerada da concentração de renda que o Brasil vem experimentando se deve ao Bolsa Família, mas a política reconhecidamente com maior potencial para mudar a ainda enorme concentração de renda no país é a que levou jovens pobres ao ensino superior.
Já dura quase uma década a política de cotas étnicas e sociais nas universidades públicas (sobretudo nas federais, como UFRG, UNB, UFRJ, UFBA e outras). Além das cotas há o Prouni, que permitiu aos jovens pobres chegarem a universidades privadas com financiamento federal.
No início, há quase uma década, quando o governo Lula trouxe para o Brasil a política afirmativa de inspiração norte-americana que criou uma classe média negra nos Estados Unidos, a elite branca do Sul e do Sudeste reagiu com ira e passou a propagar “criações mentais” (expressão em alta) sobre “prejuízo acadêmico”.
Mas o que seria esse “prejuízo acadêmico”?
Grandes grupos de mídia como as Organizações Globo, o Grupo Folha, o Grupo Estado, a Editora Abril e partidos políticos como DEM e PSDB abriram guerra contra o governo Lula valendo-se da teoria de que ao levar estudantes de escolas públicas para as universidades isso faria baixar o nível acadêmico delas.
A teoria demo-tucano-midiática era a de que, por terem formação escolar inferior, esses estudantes das escolas públicas – que, em maioria esmagadora no país, são negros – tornar-se-iam profissionais medíocres e não conseguiriam acompanhar os estudantes brancos egressos da escola particular, que proliferou durante a ditadura de forma a dar aos mais ricos chances melhores na vida.
O DEM, aliás, chegou a entrar na Justiça contra as políticas afirmativas petistas (cotas e Prouni) alegando que o governo federal estaria cometendo uma injustiça contra os brancos ricos das escolas particulares. O processo foi parar no STF e ali foi derrotado.
Ao mesmo tempo, a teoria sobre “prejuízo acadêmico” que seria gerado por jovens negros e pobres às universidades de elite (que, no Brasil, são as públicas, ou seja, financiadas pelos impostos sobretudo dos mais pobres), desmoronou.
Universidades como UFRG, UNB, UFRJ, UFBA e outras começaram a formar turmas de cotistas oriundos da escola pública e negros e o que se viu foi que não só tiveram o mesmo desempenho acadêmico que os egressos brancos das escolas particulares como, em alguns casos, até os superaram, sem falar que os cotistas abandonam menos os cursos, enquanto que os não-cotistas lideram as desistências.
Após a direita demo-tucano-midiática ter perdido a ação no STF contra as cotas e o Prouni, nesta semana perdeu no Legislativo – o Senado aprovou a política de cotas nas universidades federais. A mídia e os partidos de oposição reagiram, pois essa aprovação é ainda pior do que a derrota na Justiça porque materializa a política de cotas.
Não foi por outra razão que começaram a pipocar reações. Associações de escolas particulares prometem questionar na Justiça a política de reserva de vagas para negros e egressos de escolas públicas. Todavia, não passa de jogo político porque a instância máxima do Judiciário já rejeitou esse questionamento sobre as cotas serem injustiça de negros pobres contra brancos ricos.
No âmbito dessa gritaria política, a mídia ressuscita a teoria sobre “prejuízo acadêmico” que seria gerado pelos cotistas e abafa o contraditório e os próprios fatos.
Nos jornais ligados ao PSDB e ao DEM, as colunas de leitores e os colunistas voltam à carga contra as cotas com argumentos como o de que os cotistas rebaixariam o nível das universidades apesar de as experiências com a política afirmativa do PT mostrarem que os cotistas chegam a superar os não-cotistas.
Estabelecida a correlação entre a política de cotas e a queda da desigualdade mais intensa na era Lula, sobra outra correlação que o leitor certamente ainda não entendeu. Que relação têm as cotas com o mensalão?
Ainda na semana que finda, jornalistas respeitados como Janio de Freitas, da Folha, e até o ministro do STF Joaquim Barbosa ressaltaram como a mídia trata diferentemente os mensalões tucano e petista – o primeiro é abafado e o segundo vira “reality show”.
Ora, por que a mídia não gosta do PT a ponto de ser seletiva ao cobrir casos de corrupção desse partido? Afinal, todos sabem que nunca os ricos ganharam tanto quanto na era petista, ainda que não mais ganhem sozinhos.
Essa ojeriza ao PT ocorre simplesmente porque a mídia, o DEM e o PSDB representam os setores abastados da sociedade que impuseram ao Brasil uma ditadura militar que concentrou renda valendo-se da Educação como instrumento de injustiça social.
Por isso é que o mensalão tucano está sendo abafado enquanto a mídia transforma o julgamento do mensalão petista nesse espetáculo circense que todos estão vendo. Tenta, assim, convencer o país de que o PT encerra mais corrupção do que os partidos que defendem os interesses da elite branca do Sul e do Sudeste.
Simples assim.