março 29th, 2011 by
em como não admirar Celso Amorim?
Destaco um trecho da entrevista, quando a BBC Brasil destaca que a imprensa busca ressaltar as diferenças entre os governos de Dilma e Lula e pergunta ao ex-ministro das Relações Exteriores se há continuidade ou ruptura na política externa do governo Dilma. A resposta de Celso Amorim é fantástica:
“É bom que tome rumos próprios. Cada pessoa é uma pessoa, cada momento é um momento. O momento é da Dilma. Há continuidade nas linhas básicas, mas cada situação é uma situação. À medida que o Brasil se torna maior, ele não vai ter menos problemas, vai ter mais problemas. Os momentos variam, a sensibilidade pode variar em relação à maneira de fazer determinada coisa, e cada um fará a seu modo, isso é natural.Mas acho que em grande parte o desejo da imprensa de fazer uma separação é porque ela nunca aceitou o Lula. A verdade é essa. Nunca aceitou nossas atitudes independentes. Quando fomos à Síria a primeira vez, fui perguntado: “Mas vocês perguntaram a Washington se podia?” É achar que o Brasil tem que ser pequeno, caudatário.”
Para Amorim, é preciso diálogo para ter influência sobre Irã
24/03/2011Por: Júlia Dias Carneiro, da BBC Brasil no Rio de JaneiroO ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim acredita que o diálogo é a única maneira de influenciar o Irã, acusado por parte da comunidade internacional de violar direitos humanos e buscar desenvolver armas nucleares.Amorim foi chanceler durante os dois mandatos de Lula
“Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo”, disse Amorim em entrevista à BBC Brasil, afirmando que não é possível “bater forte e dialogar ao mesmo tempo”.
O embaixador afirmou ainda que a aproximação com o Irã durante o governo Lula possibilitou que o Brasil intercedesse em casos como o de Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, e da francesa Clotilde Reiss, acusada de espionagem no país.
Ministro das Relações Exteriores durante os dois mandatos de Lula, Amorim recebeu a BBC Brasil em seu apartamento em Copacabana na última quarta-feira, um dia antes de o Brasil ter votado a favor da nomeação de um relator da ONU para investigar a situação de direitos humanos no Irã.
O voto favorável no Conselho de Direitos Humanos da ONU sinalizou uma mudança na posição do Brasil, que até então vinha se abstendo em decisões sobre o Irã.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil – A presidente Dilma Rousseff deu sinais de que será mais dura na defesa de direitos humanos nos países com que o Brasil se relaciona. Antes de assumir o mandato, ela mostrou posição diferente da do presidente Lula ao falar sobre direitos humanos no Irã…
Celso Amorim – A manifestação dela nem foi sobre o Irã, foi específica sobre a situação daquela senhora, a Sakineh (Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento no Irã). Queira Deus que a situação dela melhore e que ela possa ser libertada. Não sei o que influiu no fato de ela não ter sido assassinada até hoje. Mas se teve uma coisa que contribuiu, foi o pedido do presidente Lula. Não terá sido a única.
Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo. Nós defendemos os direitos humanos ativamente. Atuamos em várias situações evitando agravamentos, inclusive ajudando a soltar pessoas. Outro dia, o presidente da sociedade baha’i me agradeceu porque fizemos gestões fortes em favor de baha’is condenados à morte.
Nós tínhamos condições de fazer essas gestões. Se estivéssemos permanentemente condenando o Irã, sei lá se eles teriam resolvido atender a um pedido nosso.
Eu tinha liberdade para pegar o telefone, como fiz, para falar com o ministro sobre a questão da Sakineh (…). Soltamos a (professora) francesa Clotilde Reiss – e foi o Brasil, não há a menor dúvida.
Como conseguir isso se se assume uma postura só de condenação? Você tem que optar. Não dá para fazer as duas. Acho que o presidente (francês Nicolas) Sarkozy tentou fazer as duas, bater forte e dialogar ao mesmo tempo. Os iranianos não dialogaram.
BBC Brasil – A imprensa procura ressaltar as diferenças entre os governos de Dilma e Lula. Há uma continuidade na política externa do governo Dilma, ou ela está tomando rumos próprios?
Amorim - É bom que tome rumos próprios. Cada pessoa é uma pessoa, cada momento é um momento. O momento é da Dilma. Há continuidade nas linhas básicas, mas cada situação é uma situação. À medida que o Brasil se torna maior, ele não vai ter menos problemas, vai ter mais problemas. Os momentos variam, a sensibilidade pode variar em relação à maneira de fazer determinada coisa, e cada um fará a seu modo, isso é natural.
Mas acho que em grande parte o desejo da imprensa de fazer uma separação é porque ela nunca aceitou o Lula. A verdade é essa. Nunca aceitou nossas atitudes independentes. Quando fomos à Síria a primeira vez, fui perguntado: “Mas vocês perguntaram a Washington se podia?” É achar que o Brasil tem que ser pequeno, caudatário.
Nessa questão de direitos humanos, é perfeitamente respeitável a opinião da presidenta, até pela sensibilidade pessoal que ela tem para isso. Eu nunca fui torturado, mas devo dizer que o presidente Lula foi preso e eu perdi meu lugar na Embrafilme porque autorizei um filme que tratava de tortura durante o governo militar.
Mas quando você lê a mídia brasileira, pegam isso para dizer que o Brasil não tem que se meter com o Irã, não tem que se meter com o Oriente Médio. Eles querem o Brasil pequenininho. No máximo cuidando um pouco aqui na região, sempre com uma postura agressiva em relação aos fracos e submissa em relação aos fortes.
Não é isso que queremos, e eu acho que a presidenta Dilma também não quer.
BBC Brasil – Como analista, como o senhor avalia as posições que o Brasil tomou em relação à Líbia, ao se abster no voto do estabelecimento de uma zona de exclusão aérea e ao pedir o cessar-fogo no país?
Amorim - Achei que foi um gesto correto, mas também corajoso, porque tomado na véspera da visita do presidente Obama. Havia a preocupação de proteger os civis. A tentação do lado ocidental é sempre agir com a força. A força às vezes tem que estar no horizonte, mas a melhor arma é aquela que você não precisa disparar.
Como você disparou, a zona de exclusão aérea já está gerando reação. Primeiro, está fazendo do próprio Khadafi um mártir, e mostrando que ele está liderando uma luta antiimperialista. A Liga Árabe apoiou, mas quem está lá é França, Estados Unidos, Itália dando apoio logístico, Reino Unido… Então é um grupo de países ocidentais bombardeando árabes e muçulmanos. Pelas reações que leio nos jornais, isso já está tendo efeito no resto do mundo árabe.
Acho que nesses casos a gente não pode procurar apenas satisfazer a nossa consciência moral. Sim, deve satisfazê-la, mas de uma maneira que obtenha resultados reais, que melhore a situação dos líbios. E não simplesmente ir para casa e dizer, dei um tiro no malvado. Você não sabe se o malvado matou mais dez por causa do tiro que você deu.
BBC Brasil – O senhor acredita que as revoluções no mundo árabe vão representar uma grande transformação na geopolítica do Oriente Médio?
Amorim – Eu acho que sim. O caso da Líbia hoje é muito dramático, por causa do uso da força e da repressão do governo. Mas a Líbia não é um país com grande influência no Oriente Médio. Tem mais influência na África, na verdade, porque financiou muita gente, deu apoio a Mandela.
Quem terá muita influência é o Egito. A maneira como as coisas caminharem no Egito terá uma grande influência no conjunto da região, principalmente na relação Israel-Palestina, que é o problema central. Essa mudança vai ter impacto no Oriente Médio e vai ter impacto no mundo. E é um fato novo.
Isso pode soar meio chocante, mas a Líbia de certa maneira veio a calhar para os países ocidentais. Porque até então todas as rebeliões importantes estavam se realizando contra regimes apoiados ostensivamente pelo Ocidente. Egito, Tunísia, Iêmen, Bahrein, onde há bases americanas.
Embora Khadafi fosse ultimamente cortejado pelos ocidentais por causa do petróleo e outros interesses, não se pode dizer que ele é um regime apoiado pelo Ocidente. A Líbia tirou as atenções dos outros países. Não estou dizendo que o Ocidente tenha provocado isso. Mas veio a calhar, e é uma situação que ainda por cima permite dizer que os países estão lutando pelos direitos humanos.
BBC Brasil – Os países do BRIC apresentaram voto alinhado nas Nações Unidas. Houve articulação política para tomar uma decisão conjunta?
Amorim - Eu não estou mais envolvido, não posso dizer o que efetivamente aconteceu. Mas certamente deve ter havido muita consulta entre eles. E certamente a posição de um pode ter influenciado a de outro. Acho que a posição da Alemanha também teve deve ter tido influência e tornou a nossa posição mais confortável.
BBC Brasil -A posição de abstenção do Brasil pode ser prejudicial ao pleito do país por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? O país não terá que tomar decisões mais firmes se for para o conselho?
Amorim - Fui muito perguntado sobre isso quando votamos contra a resolução do Irã. Ali era um caso diferente, porque tínhamos feito um esforço a partir do estímulo do Ocidente e recebemos uma reação que desconsiderou totalmente o que tínhamos feito. Tínhamos mesmo que votar contra.
Mas vou repetir o que eu disse na época: se para entrar no Conselho de Segurança for preciso dizer sim a tudo, é melhor não entrar. Aquilo é para você levar a sua percepção do mundo. E a percepção do Brasil é basicamente a de tentar, sempre que possível, resolver as situações com alguma negociação.
BBC Brasil – E qual é o papel que o Brasil desempenha nesse novo panorama no Oriente Médio?
Amorim – Acho que o Brasil tem uma oportunidade. Do ponto de vista da relação com esses países, tem uma contribuição a dar, sobretudo se souber dar com humildade. Não pode chegar lá dizendo como as coisas têm que ser, mas pode se abrir, mostrar como nós consolidamos a democracia no Brasil, como foi o processo de uma Constituinte no Brasil. Nós também cometemos erros, não estou dizendo que a nossa experiência é perfeita, mas a democracia no Brasil está consolidada.
Ao ajudar e aumentar nossa presença, isso fortalece vários aspectos. Desde que começamos a aproximação com os países árabes, em seis anos o comércio se multiplicou por quatro vezes. A gente sabia que a parte comercial é importante, mas você não pode querer buscar só defender os interesses comerciais. As coisas vêm num conjunto.