por Luiz Carlos Azenha
Anos 2000. Redação da TV Globo de São Paulo. Venho do posto de correspondente da TV Globo em Nova York. O chefe de reportagem Luiz Malavolta me procura com um e-mail. Malavolta é meu amigo desde a adolescência, em Bauru. Trabalhamos juntos no Jornal da Cidade e na TV Bauru.
Malavolta diz que gostaria que eu fizesse uma investigação a partir do conteúdo do e-mail. Já experiente, eu digo a ele: Malavolta, um e-mail sem origem? E se isso for grampo, tiver origem ilegal?
Ele pensa um pouco e responde: vamos confirmar o conteúdo do e-mail, assim a gente elimina qualquer dúvida sobre a origem e descarta o e-mail.
Mais tarde, fiquei sabendo que a origem da mensagem tinha sido um araponga ligado ao então deputado ACM Neto, conhecido nos bastidores por motivos óbvios como “grampinho”. A mensagem foi enviada diretamente à alta hierarquia da Globo (num futuro livro, prometo reproduzir o e-mail), que a repassou hierarquia abaixo.
Fomos investigar caixa dois do PT em Goiânia. Bingo. Todos os caminhos levavam a Adhemar Palocci, irmão de Antonio Palocci, mais tarde diretor da Eletronorte.
O caso foi parar em uma das três CPIs que investigavam o mensalão petista em Brasília. Tratava-se de caixa dois bancado por uma seguradora chamada Interbrazil, que faliu deixando um rombo na praça.
A CPI pretendia convocar Adhemar Palocci. Nos bastidores da Globo, veio a resposta: se Adhemar for convocado, o ministro da Fazenda pedirá demissão do cargo. Fomos à Eletronorte: Adhemar não quis dar entrevista.
Em votação, a convocação de Adhemar foi derrotada. Logo em seguida, a Globo me mandou retornar de Brasília e encerrou a cobertura do caso.
Foi logo depois de o dono da seguradora falida depor na CPI dizendo que havia contribuído não apenas com o PT, mas com o PSDB, PMDB, enfim, com todos os partidos, sempre em material e “por fora”.
Para mim, ficou claro: a emissora não queria denunciar Palocci, o ministro da Fazenda, nem deixar claro que o homem do caixa dois petista tinha feito absolutamente o mesmo de forma generalizada.
Como era uma das minhas primeiras investigações depois de quase duas décadas nos Estados Unidos, caiu a ficha: se for contra o PT, vale tudo.
Ficou a pergunta: houve algum acerto de bastidores com o Palocci?
Um detalhe do caso sempre nos chamou a atenção: eu e Malavolta queríamos aprofundar as investigações sobre o instituto de resseguros do Brasil, que nos parecia ter agido de forma relapsa ao permitir a falência de uma seguradora que deixou um grande rombo na praça.
De repente, o executivo-alvo apareceu todo sorridente passeando pela sede da Globo em São Paulo, ao lado do diretor regional de jornalismo da emissora. A especulação que nunca pudemos comprovar era de que o executivo sabia muito sobre o Banco Roma, que havia sido o braço financeiro da família Marinho. O assunto morreu ali.
Corte para Antonio Palocci, preso em Curitiba, depondo diante do juiz Sergio Moro.
“Tenho certeza disso”, respondeu o ex-ministro, sobre se a Odebrecht contribuiu com José Serra e Aécio Neves tanto quanto em favor de candidatos do PT.
Segundo Palocci, na campanha de 2014, “a Odebrecht fez chegar ao presidente Lula […] que havia uma provisão em torno de R$ 200 milhões. O presidente Lula me procurou surpreso, estranhando e disse que nunca tive ‘conversa desse tipo'”.
Palocci questionou Marcelo Odebrecht, que informou que era comum a empresa fazer “provisões”.
“Fui ao presidente Lula e disse que foi um mal entendido”, explicou.
Mais tarde, Palocci disse que recebeu a estranha visita de uma pessoa — “uma grande personalidade do meio financeiro” — que falava em nome de um banco e que afirmava ser o responsável por “financiamento de campanha”. O ex-ministro se dispôs a informar Moro, em sigilo, mais tarde, sobre o nome do representante do banco.
“O senhor também mencionou uma das grandes empresas de comunicação”, perguntou um dos advogados presentes em seguida.
“Olhando o cenário de hoje parece que todos os governos só trabalham em função da empresa Odebrecht e o que eu procurei demonstrar é que o primeiro problema que tive quando sentei na cadeira de ministro da Fazenda foi o setor da construção civil”, afirmou Palocci, antes de a audiência ser interrompida.
Mais tarde, ele afirmou: “Empresas de comunicação tiveram sérios problemas neste período [quando ele era ministro da Fazenda], inclusive com algumas empresas declarando default nos seus compromissos externos”. A essa altura, Moro interrompe bruscamente Palocci: “Quando o sr. se encontrava com o sr. Marcelo Odebrecht, onde é que se davam esses encontros?”.
Ficou claro que o juiz de Curitiba não pretendia tratar do assunto.
Pela época da qual tratava Palocci pode se deduzir que ele falava da TV Globo, que enfrentou profunda crise quando o Brasil “quebrou” sob FHC, na passagem para o governo Lula. A Globo tinha imensa dívida em dólar e sofreu com a repentina desvalorização do real.
Foi um dos motivos pelos quais a emissora fez uma armação nas ilhas Virgens Britânicas para não pagar impostos na compra dos direitos de transmissão da Copa do Mundo, esquema denunciado pela blogosfera que resultou em cobrança superior a R$ 615 milhões da Receita Federal à emissora (ver documentos abaixo).
Um dos vazadores oficiais da Lava Jato “informou” há pouco que Antonio Palocci teria “repensado” a ideia de fechar acordo de delação premiada, diante da soltura de seu ex-colega de ministério José Dirceu.
Se receber o mesmo benefício, ele pode simplesmente ficar calado.
A ver.
Palocci disse, em seu depoimento diante de Moro: “Acredito que posso dar um caminho, que talvez vá dar um ano de trabalho, mas é um trabalho que faz bem ao Brasil”.
Globo? Banqueiros? A quem interessa calar Palocci?
Talvez trazendo de volta a gravação da conversa entre o senador Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, a gente entenda:
MACHADO – Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
JUCÁ – Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. ‘Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
MACHADO – É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
JUCÁ – Com o Supremo, com tudo.
MACHADO – Com tudo, aí parava tudo.
JUCÁ – É. Delimitava onde está, pronto.
PS do Viomundo: Não se esqueçam que, na busca e apreensão feita no escritório paulistano da fabricante de empresas-laranja, a Mossack & Fonseca, do Panamá, a Polícia Federal encontrou anotações referentes a Paula Marinho, neta de Roberto Marinho.
São indícios de que ela pagava as taxas de manutenção de três empresas offshore, a Vaincre LLC, a Juste e a A Aplus, sediadas respectivamente nos Estados Unidos, ilhas Seychelles e Panamá.
Nas planilhas também há menção à Glen, de Alexandre Chiapetta de Azevedo, hoje ex-marido de Paula.
A Vaincre LLC é uma das donas da mansão de concreto em Paraty atribuída aos Marinho.
A A Plus e a Glen participam da concessão ilegal, sem concorrência pública, dada pelo governo do Rio ao casal há mais de 20 anos.
O estádio de Remo da Lagoa Rodrigo de Freitas, espaço público, foi transformado num luxuoso centro de consumo em local estratégico do Rio de Janeiro, gerando lucros privados.
Há duas ações do Ministério Público do Rio a respeito: uma questionando a concessão, outra pedindo de volta todo o dinheiro público investido no estádio em diferentes ocasiões, sem que o concessionário tirasse um tostão do bolso.
Pergunta sem resposta: quem precisa de três offshore, pelo menos uma delas com dupla blindagem — ou seja, você não sabe quem é o dono verdadeiro, nem quem atua em nome do dono — para gerir os valores relativamente pequenos envolvidos numa concessão que envolve cinemas e restaurantes? Haveria algo além disso?
Infelizmente, até agora, parece que o caso foi entregue ao Geraldo Brindeiro, o engavetador-geral da República em priscas eras.
A família Marinho diz que Paula nunca teve absolutamente nada com os negócios do ex-marido, mas é uma defesa inverossímil, já que numa das anotações apreendidas na Mossack, ao lado do nome da neta de Roberto Marinho, aparece o número de uma conta bancária de onde aparentemente se originava o dinheiro utilizado para pagar as taxas de manutenção das offshore. Além disso, ela assinou como fiadora numa das ocasiões em que a concessão foi renovada, sempre sem concorrência pública.
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