Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Jornalismo vira-lata... Qualquer retalho de letras norte-americano ou europeu que condene, critique ou insulte o Brasil e os brasileiros ganha imediatamente destaque na grande imprensa paulista, especialmente quando reproduz os mitos que nos atribuem imperfeições natas associadas aos conceitos de inferioridade e incompetência.

UOL distorce tradução sobre o Corinthians

O UOL, provedor de conteúdo digital da Folha da Manhã, empresa que edita a Folha de S. Paulo, despertou em parte de seu público uma dúvida: a opção pelo equívoco em suas traduções resumidas deriva de improbidade ou de ignorância?
Em pouco mais de 1,8 mil caracteres, alinhados na seção de esportes, o portal transformou em polêmica notícia a reação do britânico Daily Mail à proposta do Corinthians pelo atacante argentino Carlos Alberto Tévez, atualmente atleta do Manchester City.
A matéria de Dan Ripley, publicada no dia anterior, tinha pouco mais de 6,5 mil caracteres e procurava informar o leitor sobre o clube brasileiro que se dispunha a gastar, até aquela data, mais de 40 milhões de euros na transferência do atleta. O título é este: Are Corinthians right for Tevez? Sportsmail looks at the Brazil side chasing Carlos.
O texto cita a ótima campanha do alvinegro paulista no Campeonato Brasileiro, os planos para a construção de um estádio para 68 mil torcedores e ensina que o nome do clube se constitui em homenagem ao Corinthian inglês, que excursionou pelo país em 1910.
Em seguida, o jornalista faz uso de 322 caracteres para lembrar da façanha de janeiro de 2000, quando a agremiação conquistou o primeiro Mundial de Clubes da FIFA. Ripley afirma que os torcedores do Manchester United têm uma razão para se lembrar do time de Dida, Edu e Freddy Rincón.
O texto reconta a história do torneio: United and Real Madrid failed to even reach the final as Corinthians defeated national rivals Vasco da Gama on penalties.
Em seguida, afirma que o clube tem 26 títulos paulistas, naquela que o autor classifica como “Brazil’s strongest region of football”. Completa o parágrafo afirmando que seus rivais Palmeiras, Santos e São Paulo têm mais campeonatos nacionais. Em seguida, porém, lembra que o Corinthians conquistou três vezes a Copa do Brasil.
O Daily Mail destaca a rivalidade local e o papel dos trabalhadores imigrantes na fundação da agremiação. Por conta dessas raízes, o clube é considerado pelo autor como “historically left-wing”. O jornalista ainda aponta Sócrates como o principal ídolo do alvinegro (an inspiration on-and-off the pitch), além de citar outros craques, como Rivellino e Ronaldo.
Em um texto direto, sem artifícios de exaltação, recorda também dos problemas gerados pela parceria com a MSI (Media Sports Investment), do rebaixamento para a Série B, em 2007, e da traumática desclassificação para o colombiano Tolima, na Libertadores de 2011.
No entanto, ao apresentar o rico material dos colegas britânicos, o UOL escolheu o seguinte título para sua própria matéria: “Ingleses fazem guia sobre o Corinthians: time regional e esquerdista”.
Os leitores familiarizados com o futebol sabem muito bem o que significa chamar um time de “regional”. Significa que não tem qualquer expressão nacional e internacional. Soa, quase sempre, como um insulto.
No atual jornalismo de reprodução e tradução, primo do famigerado sistema “gilette press”, o instrumento mais utilizado é a pinça. Quase sempre, ela é manipulada para atender aos interesses políticos e ideológicos da empresa de comunicação ou de seus colaboradores jornalistas.
Nesses casos, separa-se meticulosamente o que possa humilhar, desqualificar ou criminalizar a personalidade ou instituição em foco no texto estrangeiro. Se não há algo realmente desabonador, exagera-se na apresentação de eventuais vícios ou defeitos da vítima. Em casos extremos, recorre-se à farsa da invenção.
O UOL afirma que “o Corinthians não é muito conhecido na Europa”. E para justificar essa troça introduz a expressão “regional” no título de sua matéria. A expressão – reafirme-se – não foi utilizada no material do Daily Mail. O termo “region”, acima exposto no contexto original, aparece apenas para valorizar o futebol paulista.
No material que não recebe assinatura, exceto um anônimo “UOL Esporte”, frauda-se com descaro a linha de raciocínio e a argumentação da fonte noticiosa. A importância do Mundial de 2000 é reduzida. Em seu lugar, ganha espaço o lugar-comum do escárnio, a tentativa de desqualificação da instituição-personagem.
No dia 14, o UOL voltou à carga. Em sua primeira página, estampou, sob a imagem de Tevez, em vermelho, a pergunta “Quantas Libertadores ganhou?”. Abaixo, noticia um quiz sobre o Corinthians publicado pelo Guardian, também britânico. São dez perguntas, e o UOL pinçou a que lhe convinha para exercitar o jornalismo de molecagem.
O jornal como peça de provocação

Neste caso particular, o trabalho de desconstrução da verdade exibe-se na cancha da cobertura esportiva. O paradigma do esculacho, no entanto, tem sido reproduzido em outras editorias dos principais jornais. Para definir esse comportamento, vale recorrer à expressão “complexo de vira-lata”, cunhada pelo dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues em suas reflexões sobre o futebol e a cultura nacional.
Qualquer retalho de letras norte-americano ou europeu que condene, critique ou insulte o Brasil e os brasileiros ganha imediatamente destaque na grande imprensa paulista, especialmente quando reproduz os mitos que nos atribuem imperfeições natas associadas aos conceitos de inferioridade e incompetência.
Vige a regra, por exemplo, de que o país não pode exercer sua soberania, exceto se os movimentos da Justiça ou da diplomacia seguirem a reboque das velhas potências.
Nada mais natural, portanto, que a ascensão de um clube de origem popular seja vista como anátema pelos escribas da Barão de Limeira. Em sua obra cotidiana de zombaria esportiva, o UOL despreza os mais elementares princípios do jornalismo, assim como logra seus leitores, muitos deles consumidores pagantes dos serviços de seu provedor.
Os jornalistas bem podiam investir a energia da caçoada em serviço informativo. Gerariam mais valor se explicassem o porquê da referência ao “esquerdismo” corinthiano.
Anotariam um tento de comunicação se contassem, por exemplo, que o alvinegro não tem origem no proselitismo marxista, mas sim no anarquismo operário, essencialmente mutualista, que mobilizava as multidões do bairro do Bom Retiro, há um século.
Teriam explicado que esse caráter universalista foi responsável pela mistura de tanta gente distinta, dos carroceiros italianos aos negros do serviço braçal, das costureiras espanholas aos comerciantes sírios e libaneses da Rua 25 de Março, dos japoneses bananeiros do Mercadão aos valentes nordestinos importados pela construção civil.
Um jornalismo culto e responsável mostraria que outros clubes carregam esse ethos popular na cena esportiva brasileira. É o caso do carioca Vasco da Gama (instituição que foi fundamental na luta contra o racismo no Brasil), do pernambucano Santa Cruz , do cearense Ferroviário e do gaúcho Internacional, entre outros.
Atenção ao próprio rabo

Nas páginas dos principais diários, sobra indignação quando a paixão do futebol se converte em conflito e violência. A mídia nunca se vê, no entanto, como generosa fornecedora do combustível para esse tipo de embate bestial. Basta uma passada de olhos pelos comentários abaixo das matérias para se ter noção clara das calamidades que esse tipo de jornalismo patrocina.
A cultura pop oferece várias leituras dos embaraços gerados pelo desconhecimento da língua e do pensamento do outro. Em homenagem ao método do UOL, que se pince aqui o mote de Lost in Translation (Encontros e Desencontros, 2003), dirigido por Sofia Coppola, com Bill Murray e Scarlett Johansson.
No filme, os personagens principais encontram-se em Tóquio, perdidos por desconhecerem o idioma e os costumes locais. Por conta dessa aflição, no entanto, estabelecem uma parceria marcada pela cooperação e pela busca de seus verdadeiros sentimentos. Cientes da própria ignorância, buscam paciente e respeitosamente decifrar o lugar e seus habitantes.
A obra cinematográfica oferece, sem pieguice, uma inteligente lição de civilidade. Trata-se de bom exemplo para quem, na hora de traduzir e comunicar, predispõe-se a trocar o embuste pela instrução.
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[Walter Falceta Jr. é jornalista]
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/uol-distorce-traducao-sobre-o-corinthians

O público alvo da TV paga: ricos, idiotas e débeis mentais

Férias no cabo
“O catastrofismo é tanto, não só na ficção como no documentário, que os americanos devem achar uma merda este mundo no qual eles mandam”
Márcia Denser

Férias na tevê a cabo virou show de horror para débeis metais. Literalmente. Só tem filme de humor ou terror adolescente de quinta categoria e todos os harrys potters possíveis, reprisados pela 125ª vez. E com destaque!!!! Como se fosse um privilégio INIMAGINÁVEL o idiota do assinante poder assistir este lixo again and again and again. Ad nauseummmmmmmm.

Será que acabaram os adultos do planeta? Ora habitado única e exclusivamente por débeis mentais de 8 a 80 anos? É isso que imaginam (ou têm absoluta certeza) os magnatas das telecomunicações & associados provedores da América Latina via Satélite?

E tome “american way of life” – que nunca foi nem será nosso estilo – por todos os motivos óbvios, salvo para os ricos, idiotas e débeis mentais ou só os muito ricos, os muito idiotas e respectivos filhotes muitíssimo débeis mentais. Dentro destas categorias – ricos, idiotas e débeis mentais – eles são legião, ergo, suas combinações serem infinitas.

Aí acrescente-se a sessão da tarde que só joga basebol, hóquei no gelo, golfe, futebol americano – e todo o folclore em torno desses esportes alienígenas para nós, brasileiros (salvo ricos, idiotas e débeis mentais, é claro). Ah, sim, e as “team-leaders”, of course, esta uma categoria à parte, muito em moda entre nossas adolescentes ricas ou idiotas ou débeis mentais, ou os três.

E tudo por quê? Porque os americanos magnatas das telecomunicações resolveram, quanto às suas targets para o cone sul, “que não existem adultos na América Latina”. Não existem seres racionais abaixo da linha do Equador? Que humor/terror adolescente com efeitos especiais são a NOSSA PRAIA! Que hóquei no gelo, golfe, basebol e futebol americano – também com efeitos especiais, folclore específico, sem contar as “team-leaders” – são A PROGRAMAÇÃO IDEAL DE FÉRIAS para as crianças, adolescentes, jovens, pais, tios, primos, avós brasileiros/peruanos/argentinos/chilenos/ venezuelanos/bolivianos/equatorianos, e por aí vai”.

Bom. Pode ser a PRAIA DELES (unanimemente ricos, idiotas e débeis mentais), a nossa é que não é.

Quer dizer, de toda essa “gentinha, essas trezentas e tantas milhões de criaturas, este Third World sem remédio nem conserto, aliás, onde já se viu NASCER já falando português ou espanhol? A incivilização vem do berço (que berço? Essa gente nem sabe o que é isso! God damn it!). Nem parecem pertencer ao mesmo continente – a América – não têm nem estatura nem cabeça para incorporar nosso estilo. Sem contar a cor da pele, resultado desta horrenda miscigenação! Verdadeiro Third Horror! A cura pra isso? Extermínio em massa, of course. E estamos conversados."

Voltando à tevê e deixando o extermínio de lado: se salvam os desenhos animados, aliás ótimos, tipo A Era do Gelo 3 – cujo diretor é um brasileiro – Madagascar, Shrek 1,2,3,4, etc. Mas, de qualquer forma, prevalece o conteúdo alienado – avatares, magia, terror, efeitos especiais, ficção científica, fantasias calhordas, fadas, bruxos, castelos “encantados” com regras dos colégios ingleses, vida depois da morte, paranormalidade, espiritismo, vampirismo, monstrismo, satanismo, angelismo – QUALQUER COISA, desde que se fuja completamente da realidade.

Hollywood só existe a anos luz da realidade: ou existe no passado (inglês ou norte-americano, entenda-se, “uma vez que não existem outros”, tipo O Patriota, A Outra, A Duquesa, A Rainha) ou no futuro (Avatar, 2012, O dia depois de amanhã, Extinção) ou no fantástico (Harry Potter, A Saga do Anel, As Crônicas de Nárnia).

E quando falam do aqui-agora, dá-lhe hóquei no gelo ou basebol ou futebol americano ou golfe ou humor e sexo grosseiro e aborrecente do Alabama ou Ohio ou Massachussets ou Kansas ou Colorado ou Texas ou LA ou NYC. É foda.

Romance “clássico”? Experimente Amor sem escalas com George Clooney cuja festejada ocupação é demitir numa boa, “sem escalas”, pessoas de norte a sul do país. De abaixar o pau até do capeta.

Pintando em todos há décadas: soltar gazes e vomitar. Dum realismo nauseante.

O catastrofismo é tanto, vide Discovery e National Geographic, não só na ficção como no documentário, que os americanos devem achar uma merda este mundo no qual eles mandam.

Divirtam-se!

Márcia Denser


Leia mais em: O Esquerdopata
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Imprensa golpista aposta em cisão entre Lula e Dilma


A imprensa golpista e tucana trabalha a todo vapor para interromper a distribuição de renda e a inclusão social no Brasil. Nesse processo, dá a impressão de saber de alguma coisa que o resto do país não sabe e, assim, adotou estratégia clara para devolver o poder ao PSDB em 2014 e fragilizar o PT nas eleições municipais do ano que vem.
A estratégia consiste em apresentar Dilma Rousseff como a técnica que estaria “consertando” supostas “burradas” cometidas por Lula na economia durante a sua octaetéride e que, além disso, estaria “limpando” o governo federal de corruptos que teriam sido herdados da gestão do padrinho político dela.
Apesar das negativas de Lula de que existiria qualquer divergência com a sucessora, percebe-se que, enquanto o presidente continua reagindo com força aos ataques da mídia a si, a presidente da República busca boa relação com os barões da mídia, o que também poderia significar que o ex-presidente e a atual estão usando a estratégia “tira bom, tira mau”.
A segunda “perna” da estratégia consiste em ocultar escândalos graves nos governos estaduais controlados pelo PSDB, mais especificamente os de São Paulo e Minas Gerais. No caso de São Paulo, por exemplo, há o escândalo que o jornalista Ricardo Kotscho citou recentemente em seu blog, o das obras de ampliação da marginal do Tietê.
A Dersa paulista tem os mesmos problemas do DNIT federal, mas a imprensa ligada ao PSDB trata de ocultar tudo o que está acontecendo em São Paulo. E esse é apenas um dos casos de corrupção gritante envolvendo os governos paulista e mineiro, entre outros controlados pela oposição.
A favor da estratégia da direita demo-tucano-midiática está o fato de que Lula não tem mais o cargo de presidente para falar alto e de que sua sucessora não reage em sua defesa. Isso em um quadro em que ela está sendo apresentada como gestora austera que tenta consertar o que o conclave oposicionista vem chamando de “herança maldita”.
Enquanto isso, a oposição fica caladinha assistindo de camarote à mídia fazer o serviço sujo.
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PS: Retorno ao Brasil nesta sexta-feira após duas semanas fora do país.
BLOG CIDADANIA EDUGUIM

"Dinheiro não pode comandar a formação da opinião pública"


O escândalo do News of the World - e os desdobramentos regulatórios que ele possa ensejar - ultrapassa os ares do interesse inglês. “Todos os primeiros-ministros britânicos tinham relações, no mínimo, incestuosas com Murdoch. Isto demonstra a permeabilidade do poder político e partidário à mobilização opinativa de grandes conglomerados de comunicação. Não creio que este seja um fenômeno apenas britânico”, observa o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo, em entrevista à Carta Maior.

A Europa voltou a ser o centro do mundo pelo avesso. A crise da democracia e a da esquerda, bem como o colapso das finanças desreguladas fazem ranger o velho convés do continente. As respostas tardam; os ventos uivam. Parece uma tempestade perfeita.

Fica difícil até mesmo ao observador mais desatento não enxergar o vazio de liderança e de projeto no desfilar de figuras opacas que ditam rumos a uma nau hesitante, sendo desmentidas pelo poder do dinheiro no pregão do dia seguinte.

É nesse cenário desordenado, entupido de estereótipos políticos e carente de protagonistas verdadeiros, que o dinheiro em pessoa compareceu a uma audiência no Parlamento Britânico, na última quarta-feira.

US$ 45 bilhões personificados na figura amarfanhada, algo negligente, de Rupert Murdoch estavam ali na condição de suspeitos.

Uma folha corrida histórica incluiria explicitamente as acusações de açambarcamento do espaço da política e violação do discernimento democrático da sociedade . Porém, neste caso, o motivo da audiência era a comprovada quebra de mais de 4 mil sigilos telefônicos pelo tabloide inglês News of the World, de propriedade de Murdoch.

Delitos de proporções industriais como esse só se concebem, de qualquer forma, a partir de um poder descomunal de persuasão política que flerta com a sensação de impunidade. É o caso do poder reunido pelo dinheiro nas mãos de Murdoch que comanda uma teia midiática capaz de capturar, silenciar ou multiplicar vozes, imagens e idéias impressas com um grau de abrangência repetitiva imbatível em língua inglesa.

O senhor dinheiro deu as respostas de praxe às evidencias – grosseiras até - de um intercurso entre seus veículos, sobretudo o tabloide sensacionalista mencionado, e o poder político conservador na velha Albion. Mas não só nela. Do outro lado do Atlântico, o dinheiro materializado na Fox News ancora eleitoralmente a demência extremista da direita norte-americana reunida no Tea Party, que não existira sem a rede.

Deve-se a Fox News, ainda, a catarse de medo e ódio que pavimentou a invasão do Iraque e também a atual sedimentação republicana para voltar ao poder, em 201 2.Seu pontapé eleitoral é a tresloucada plataforma de cortes de gastos que pretende paralisar os EUA e Obama e, no mínimo, obriga-lo a depenar o orçamento social em plena campanha pela reeleição. Mais uma vez, sem o poder emissor de Murdoch seria impossível polarizar a opinião pública e a agenda mundial em torno desses temas.

Monossilábico, na audiência de quarta-feira, o senhor dinheiro tentou relativizar sua intrusão na vida política. Resmungou que não privava apenas da intimidade do Partido Conservador ora no poder. Desfrutou igual deferência junto aos antecessores de David Cameron –que teve sua comunicação de campanha e governo entregue a talentos pinçados diretamente da direção do News of the World, a exemplo do que ocorreu na cúpula da Scotland Yard.

Os antecessores trabalhistas sugeridos, Tony Blair e Gordon Brown, não desmentiram a ecumênica influência do senhor dinheiro.

Os fatos arrolados e as suspeitas justificadas reforçam assim a percepção de que o maior desafio nesta crise do capitalismo, a exemplo do que ocorreu em sua grande antecessora, de 1929, é reduzir o poder desmedido do dinheiro sobre as decisões políticas e as escolhas da sociedade.

Avulta desta feita, no entanto, uma singularidade apreciável. O próprio debate das soluções precisa ser liberado de um poder oligopolista crescente exercido pela chamada grande mídia, hoje ainda capaz de influenciar de forma despropositada o que a sociedade pode ou não escrutinar; o que os governos devem ou não decidir.
É desse ponto de vista que o escândalo do News of the World - e os desdobramentos regulatórios que ele possa ensejar - ultrapassa os ares do interesse inglês. “Todos os primeiros-ministros britânicos tinham relações, no mínimo, incestuosas com Murdoch. Isto demonstra a permeabilidade do poder político e partidário à mobilização opinativa de grandes conglomerados de comunicação. Não creio que este seja um fenômeno apenas britânico”, observa o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo, em entrevista por email a Carta Maior.

Arguto observador da crise da democracia em nosso tempo –e ao mesmo tempo otimista quanto ao seu desfecho - Safatle entende que “uma sociedade democrática é aquela que tem acesso a um grande número de esquemas de interpretação que se digladiam na arena da formação da opinião pública”.

A pluralidade de opiniões, todavia, só subsiste protegida dos monopólios midiáticos por salvaguardas regulatórias institucionais. A quem se ilude com a dimensão autorregulatória embutida no escândalo Murdoch Safatle indaga: “ A que custo e depois de quanto tempo?”

O medo irradiado por esse poder, sugere o professor, causa estragos devastadores.

O medo dos socialistas europeus de politizar a discussão econômica, por exemplo – lá como cá um medo inculcado pelo poder midiática. Ele explica em boa parte, segundo o filósofo, o desfibramento político da esquerda europeia diante da crise e o seu esvaziamento popular. Vladimir Safatle recusa, porém o fatalismo imobilista. Para além da opacidade política e midiática do momento ele enxerga um ponto de mutação catalisado pela aspiração crescente por algo que, à falta de melhor conceituação, se denomina ‘democracia real’ . Regular o poder do dinheiro na mídia certamente constitui uma etapa obrigatória dessa travessia.

A seguir , uma síntese das observações de Vladimir Safatle à Carta Maior em três blocos temáticos”.

I. Por que Europa, ela de novo, condensa tanto a crise econômica quanto o esfarelamento da democracia parlamentar e, agora, o desnudamento de práticas midiáticas intoleráveis?

“ Porque, como dizia Freud, a razão pode falar baixo, mas ela nunca se cala. A Europa teve um tradição de esquerda que hoje fala baixo, mas ela ainda vai falar mais alto. O pior erro da esquerda europeia foi esquecer a centralidade das lutas contra a desigualdade econômica e social. Por isso ela perdeu ressonância nas classes populares e virou um ornamento ideológico de classes médias cosmopolitas.

Hoje, as classes populares votam na extrema-direita, repetindo um fenômeno de deslocamento que vimos na ascensão do fascismo e do nazismo. A esquerda europeia tem medo de ser uma esquerda popular, pois isto implica uma politização da economia que ela já não é mais capaz de fazer. É fantástico, por exemplo, perceber como a esquerda é incapaz de fornecer um modelo alternativo de atuação para a crise econômica europeia.

É sintomático que o partido responsável pela implementação do desmonte grego seja exatamente o PASOK (o partido socialista). Isto acontece não porque inexistam modelos alternativos, mas porque os ditos partidos de esquerda se comprometeram tanto com o mundo financeiro global, se deixaram tanto encantar por terem sido recebidos de braços abertos nos salões da elite europeia com seu glamour de escroque, casa na Riviera Francesa e TV ligada na Fox News que atualmente eles simplesmente não conseguem mais pensar.

São partidos que não pensam mais, agem por reação, ou seja, que morreram e ainda não perceberam o fato. Mas creio que, mais rapidamente que imaginamos , a Europa irá se lembrar de sua combativa tradição esquerdista e novos esquemas de pensamento serão colocados em circulação. Chega de imaginar que nosso futuro só pode aparecer como catástrofe”

II. Democracia e oligopólio mdiático: com vê os desdobramentos da crise do News of the World na regulação das comunicações no Brasil?

“Não é de hoje que se denuncia a maneira com que figuras como Murdoch interferem na pauta do debate da opinião pública. Através da administração e criação de escândalos os mais diversos, Murdoch conseguia colocar a classe política na posição de refém. Ao transformar seu império midiático em caixa de ressonância das posições conservadoras mais toscas, Murdoch colaborou decisivamente para o empobrecimento do debate político mundial.

Isto coloca um problema maior referente aos efeitos da oligopolização da comunicação de massa. A democracia precisa da pulverização da informação, não da concentração dos campos do entretenimento, da noticia e da comunicação nas mãos de uma só pessoa. Sua TV, por exemplo, veiculava filmes que ele mesmo produzia, citava veículos de informação que faziam parte do mesmo grupo, tratava como fonte, opiniões de seus próprios funcionários em outros países, etc.

Isso coloca um problema importante para a democracia atual. Não há democracia sem mecanismos que impeçam a propriedade cruzada e a oligopolização do mercado de mídia. Essa discussão precisa chegar ao Brasil sem que tais ações sejam imediatamente taxadas de "formas astutas de censura contra a imprensa".

Não há nada de errado com o fato de um veículo ter sua posição ideológica, seja de direita ou de esquerda. Vamos ter que conviver com o fato da direita sempre ter sua voz, uma voz forte. Errado é ele usar de artifícios comerciais para criar um sistema único no qual televisão, rádio, jornais, revistas, redes de TV a cabo, produtoras de cinema e de música são organizados como totalidade que visa martelar o mesmo conjunto limitado de opiniões para a sociedade civil.”

III. ‘ Primaveras contestatórias’ ocorrem em vários países à margem das instituições políticas e à revelia da chamada grande imprensa e muitas vezes em oposição a ela. É toda uma arquitetura que se desmancha...

“O que os dois movimentos tem em comum é a consciência da fragilidade de nossa democracia parlamentar. Todos os primeiros-ministros britânicos tinham relações, no mínimo, incestuosas com Murdoch. Isto demonstra a permeabilidade do poder político e partidário à mobilização opinativa de grandes conglomerados de comunicação. Não creio que este seja um fenômeno apenas britânico.

Veja, pode-se dizer que o caso Murdoch demonstra como aqueles que jogam no lixo sua credibilidade acabam por serem punidos.

Sim, mas quanto tempo demora para que tal punição chegue? Qual preço devemos pagar durante esta espera?

Aqui, podemos colocar questões como: até que ponto a eleição de David Cameron não foi influenciada pelo apoio de Murdoch?

Até que ponto o ímpeto cego mobilizado para a guerra do Iraque seria possível sem a Fox News?

Questões desta natureza demonstram que não podemos esperar um sistema de autorregulação natural dos excessos da imprensa.

A imprensa, é isto é bastante natural, é o espaço da interpretação dos fatos. Uma sociedade democrática é aquela que tem acesso a um grande número de esquemas de interpretação que se digladiam na arena da opinião pública. Os melhores jornais mundiais procuram, inclusive, trazer esta batalha para dentro de suas páginas. Ora, um fenômeno como Murdoch representa o bloqueio desta pulverização.

Por isto, quando ele vem à tona, não são poucos aqueles que começam a se colocar questões sobre a distância entre nossa democracia e um conceito de "democracia real".

Tais reflexões nada tem a ver com o pedido de formas de "censura prévia", mas com a reflexão política sobre as consequências de um fenômeno econômico perverso, sempre presente no capitalismo: a oligopolização”.