Na noite da última terça-feira, um partido político conseguiu a façanha de esbofetear um país inteiro usando meia dúzia de palavras. O autoproclamado partido da “social democracia brasileira” – que hoje se equilibra entre a centro-direita e a extrema-direita – teve a ousadia de acusar o PT e Dilma Rousseff de mentirem para que ela se reelegesse.
Qualquer brasileiro, qualquer entidade, qualquer partido político tem todo o direito de questionar o discurso adotado pela campanha de Dilma Rousseff à reeleição, no sentido de que ela teria “mentido” sobre a situação do país para se reeleger. Ainda que este Blog não concorde com tal premissa, é direito das pessoas entenderem assim o tom da campanha da reeleição da atual presidente da República.
Este texto, portanto, não é uma defesa de Dilma e/ou de seu partido, no sentido de negar que tenham mentido – esta página já publicou textos explicando por que acha que ela não mentiu, já que a presidente disse, durante a campanha, que a crise internacional cobraria seu preço e que, portanto, ajustes teriam que ser feitos.
Mas se você, seja de que posição político-ideológico-partidária for, quiser achar que Dilma e seu partido só não teriam mentido se tivessem exposto, durante a campanha eleitoral, os detalhes das medidas que iriam tomar, é seu direito.
Não apenas porque é liberdade de expressão, mas porque no mundo ideal todos os políticos teriam que dizer seus planos com detalhes ao pedirem voto ao eleitor, ainda que nenhum partido brasileiro já tenha feito isso.
Porém, existe um grupo político e um sujeito político em especial que não podem, de maneira alguma, acusar qualquer político ou partido de mentirem para se reeleger. Esse grupo político e esse sujeito político são, respectivamente, o PSDB e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No entanto, eles fizeram isso na noite da última ter
É revoltante. O PSDB não tem a mínima condição moral de dizer uma coisa dessas simplesmente porque fez muito pior.
Não existe um único economista sério que seja capaz de comparar a situação econômica do Brasil de hoje com a de 1998, quando o ex-presidente Fernando Henrique, tal qual Dilma, candidatou-se à reeleição, ou com a de 1999, quando a mentira que contou no ano anterior para se reeleger, desmoronou.
Fernando Henrique mentiu tanto, na campanha de 1998, que se recusou a participar de qualquer debate com outros candidatos, pois não teria respostas aos questionamentos sobre a economia e, mais do que tudo, sobre como faria para cumprir uma promessa que fizera ao país, de que não desvalorizaria o real caso fosse reeleito, apesar de que não havia um só economista, jornalista econômico ou até mesmo instituição financeira, à época, que não soubesse que a desvalorização sobreviria.
Três dias antes de FHC reeleger-se em primeiro turno (1998), o professor de economia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Rudiger Dornbusch declarou, publicamente, que a desvalorização do real, que o então presidente do Brasil negava que ocorreria, iria ocorrer em até três meses após ele se reeleger. E ainda disse que Brasil era um país “malgovernado”.
FHC passou a campanha eleitoral inteira afirmando que seria “desnecessário” desvalorizar o real, que isso não iria ocorrer. E a estratégia que usou para vencer a eleição foi desqualificar os alertas que o principal adversário (Lula) fazia no sentido de que a desvalorização seria inevitável.
Em 30 de janeiro de 1998, em seu discurso no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, Fernando Henrique Cardoso atacou os que diziam que ele iria desvalorizar o real acusando-os de terem “obsessão com o pessimismo”. FHC estocou economistas que, na véspera, haviam previsto um colapso do real a curto prazo pelos problemas do Brasil com suas contas externas.
Depois do discurso de FHC, o presidente do Fórum Econômico mundial lhe fez quatro perguntas. A primeira foi sobre desvalorização do real. FHC respondeu com outra pergunta: “Como se pode realmente avaliar o valor de uma moeda?”.
Conforme diz a reportagem da Folha de São Paulo linkada acima, FHC terminou sua participação em Davos, Suíça, “negando enfática, embora previsivelmente”, uma “eventual desvalorização da moeda”.
Os seus auxiliares também eram orientados a negar, de mãos juntas, que haveria desvalorização.
Armínio Fraga, aquele que Aécio Neves queria colocar no comando da economia caso fosse reeleito, ainda não era membro do governo FHC, mas já estava com um pé dentro – três meses depois, seria recrutado para o Banco Central.
Assim, Fraga tratava de referendar a mentira tucana de que não haveria desvalorização. Veja, leitor, como em 18 de janeiro de 1998 ele reagiu a pergunta de um repórter da mesma Folha de São Paulo sobre se o Brasil deveria desvalorizar o real:
— Um alcoólatra monetário reformado como o Brasil não pode se dar ao luxo de tomar um golinho. Acho que a desvalorização seria isso (…)
Bem, o Brasil não tomaria apenas “um golinho” de desvalorização, tomaria um porre.
Mas os auxiliares diretos de FHC também mentiam como o chefe. Segundo a Folha de São Paulo, em novembro de 1998 o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, em encontro com banqueiros alemães, negou, peremptoriamente, a desvalorização do real que ocorreria dália a cerca de um mês.
Mas vamos adiante.
Apesar das negativas tucanas, segundo coluna do jornalista Fernando Rodrigues, em 1998, “A desvalorização no Brasil” passara a ser “A principal preocupação dos participantes do mercado”. Segundo o colunista disse à época, “Para 19% dos investidores” a maxidesvalorização aconteceria ainda naquele ano, e para 33% seria “No primeiro semestre de 99”.
Mas o maior vendedor da mentira de que o real não seria desvalorizado era o próprio FHC. E ainda atacava a proposta pública do PT de desvalorizar a moeda antes que o mercado o fizesse, o que seria muito pior, como realmente foi. O PT pregava uma desvalorização controlada, mas o presidente tucano dizia que não era “necessário”.
Em junho de 1998, em plena campanha eleitoral, em uma de suas constantes reuniões com jornalistas amigos (dos veículos que não lhe denunciavam a farsa), FHC repetiu que não concordava com a proposta do PT de desvalorizar o real:
— Não precisa. Tanto não precisa que as exportações estão crescendo!
Enquanto FHC e seu partido mentiam sobre a iminente desvalorização do real e sobre a catastrófica situação da economia com vistas a garantir a reeleição à Presidência da República, o jornal americano Wall Street Journal decretava em manchete: “O Brasil agoniza”.
No centro da tempestade financeira mundial, o país deu uma guinada na sua política econômica. Na mais dramática semana do Real, a perda de credibilidade empurrou o governo a derrubar o grande pilar do plano de estabilidade, a âncora cambial, ou variação controlada da cotação do dólar.
A atrapalhada desvalorização de 8,26% na quarta-feira, 13 de janeiro de 1999, poucas semanas após a última negativa de FHC de que desvalorizaria o real, em vez de acalmar os mercados internacionais gerou uma fuga de capitais sem precedentes – US$ 4 bilhões saíram do País em três dias.
A rigor, na noite da última terça-feira os autores de todas essas peripécias estavam lá – na sua casa, no seu escritório, em sua TV ou rádio –, acusando Dilma Rousseff daquilo que eles mesmos fizeram dezesseis anos antes.
O Fernando Henrique Cardoso que apareceu na terça-feira 19 no programa eleitoral do PSDB é o mesmo que passou a campanha eleitoral de 1998 inteirinha negando medida que adotaria 13 dias após a posse do segundo mandato como presidente da República. E o PSDB é o partido que, ao governar o Brasil, ajudou FHC a mentir.
Qualquer cidadão brasileiro pode, se assim entender, acusar Dilma de ter mentido durante a campanha eleitoral. E essa pessoa não precisa de autorização de ninguém e sua crítica tem que ser respeitada, além de rebatida por quem não concorda. Mas Fernando Henrique Cardoso e seu partido fazerem isso é uma bofetada em cada brasileiro.