Jatinho e laranjal dos pneus implodem o legado de Eduardo Campos; danos na política atingem base de Temer e a “terceira via”
Da Redação VIOMUNDO
Depois do PT, do PMDB e do PSDB, agora quem vai ocupar as manchetes
dos jornais é a autodenominada “terceira via”: Eduardo Campos (PSB) e
Marina Silva (Rede) se apresentaram assim nas eleições presidenciais de
2014.
Porém, a Operação Turbulência poderá demonstrar que a campanha de
ambos foi financiada por um grupo de empresários associado ao que
policiais definiram como a “máfia dos pneus”.
A história vem de longe.
Em 18 de janeiro de 2005 autoridades brasileiras pediram formalmente
a um tribunal federal dos Estados Unidos que o FBI investigasse um grupo
de pessoas e indivíduos suspeitos de fraude e lavagem de dinheiro.
Da lista faziam parte Apolo Santana Vieira, Matteo Bologna, Marco
Arce, Rodrigo Arce (Rodrigo Tavares ou Rodrigo Tavares Arce), Eduardo
Manoel Priori Ferreira da Silva, Maria das Graças Queiroz Gomes, Antônio
Henrique Vieira Nunes, Carlos Rafael de Santana, Maria Silza Ferreira
de Lavor, Joselma Gonçalves da Silva, Eudes Queiroz Gomes, Walter da
Silva Vieira, Robson Magno Conceição Fonsêca, Gil Tavares de Freitas
(Gil Tavares Freitas) e Evandro Antônio do Nascimento.
No pedido eram mencionadas as empresas Alpha Pneus, Alpha Trading
Comércio Importação e Exportação Ltda. e a RAM Trading International
Inc.
Os brasileiros só tomaram conhecimento da existência do grupo, ainda
que superficialmente, depois que o empresário Apolo Santana Vieira foi
identificado como um dos donos do Cessna Citation 560 XLS que espatifou
com o candidato ao Planalto Eduardo Campos (PSB-PE) a bordo durante a
campanha eleitoral, em 2014. Apolo era um dos donos da aeronave, em
parceria com João Carlos Lyra.
Quando investigou a propriedade do avião acidentado, a PF chegou ao
laranjal que deu origem à Operação Turbulência, deflagrada nesta terça-feira 21.
Nela, além de Apolo, foram presos os empresários João Carlos Lyra
Pessoa de Mello Filho, Eduardo Freire Bezerra Leite e Arthur Roberto
Lapa Rosal. Paulo César de Barros Morato está foragido.
CENTO E UM MILHÕES DE REAIS
Apolo foi alvo de ao menos três outras investigações. Uma de 2005 e
duas de 2009, quando ele e seu grupo foram denunciados pelo Ministério
Público Federal por sonegação de R$ 101.370.753,17.
Isso mesmo, mais de R$ 100 milhões.
Segundo o MPF, “a organização criminosa tinha seu núcleo no Recife e
ramificações em outras cidades brasileiras, dentre as quais Brasília
(DF), Salvador (BA) e Fortaleza (CE). O esquema fraudulento também
ocorria em Miami, nos Estados Unidos”.
“O grupo montou uma estrutura para forjar documentos que eram
apresentados à Secretaria da Receita Federal e, com isso, reduzir a
incidência dos tributos devidos pela importação dos pneus”, informou o
MPF.
“Os acusados estabeleceram oito sociedades brasileiras e três
estrangeiras no intervalo de aproximadamente 12 anos. O objetivo de se
criar diferentes sociedades, uma após a outra, era dificultar o trabalho
do fisco, da polícia judiciária, do Ministério Público Federal e do
Poder Judiciário, bem como a identificação de responsabilidades”,
acrescentou.
“As fraudes nas importações permitiam a revenda dos pneus no mercado
interno a preços com os quais as empresas em funcionamento lícito não
poderiam competir, em razão da menor carga tributária incidente sobre as
mercadorias do grupo criminoso. As fraudes foram realizadas entre os
anos de 1997 e 2001″.
Ficaram sujeitos a pegar penas de até 55 anos de cadeia, por crimes
contra a ordem tributária e o sistema financeiro nacional: Apolo Santana
Vieira, Matteo Bologna, Marco Arce, Rodrigo Arce, Eduardo Manoel Priori
Ferreira da Silva, Maria das Graças Queiroz Gomes, Antônio Henrique
Vieira Nunes, Carlos Rafael de Santana, Maria Silza Pereira de Lavor,
Joselma Gonçalves da Silva, Eudes Queiroz Gomes, Walter da Silva Vieira,
Robson Magno Conceição Fonsêca, Gil Tavares de Freitas e Evandro
Antônio do Nascimento.
Empresas relacionadas a eles: Alpha Internacional Comércio,
Importação e Exportação Ltda., Alien Road Pneus Representações,
Comércio, Exportação e Importação Ltda.,Mixim Comércio Importação e
Exportação Ltda.,Vieira Nunes Comércio Ltda. ME, Maryland Comércio,
Importação e Exportação Ltda.,Kruger Comércio, Importação e Exportação
Ltda.,Austin Importação e Exportação Ltda.,D’Marcas Comércio Ltda.,Ama
Import & Export, Corp.,Free Way Capitals, Corp. (às vezes também
identificada como Freeway Capitals, Inc., ou Freeway Capitals Corp. ou
Freeway Capital Corp.) e RAM Trading International, Inc.
Portanto, o
laranjal começou a ser montado quase duas décadas antes da Operação Turbulência.
Como os pneus eram importados da China, é óbvio que a “máfia dos
pneus” dispunha de uma estrutura internacional, mas autoridades nunca
identificaram relações dela com o crime organizado. Pelo menos, não até
agora.
O APOIO INSTITUCIONAL
A Bandeirantes Comércio e Renovação de Pneus, baseada em Jaboatão de
Guararapes, obteve em 19.04.2004 os benefícios do Prodepe, o Programa de
Desenvolvimento de Pernambuco. No papel, é a redução dos impostos pagos
a título de estimular o desenvolvimento local. Na prática, isso abre
espaço para muitas fraudes.
À época Pernambuco era governado por Jarbas Vasconcelos, tendo como
vice Mendonça Filho, hoje ministro da Educação no governo interino de
Michel Temer.
Em 2006, quando “herdou” o Palácio das Princesas, Mendonça
estabeleceu cotas que regulamentavam a importação de pneus pela
Bandeirantes: 4 mil pneus para veículos e máquinas industriais, 4 mil
para máquinas agrícolas ou florestais e 5 mil para veículos diversos. Ou
seja, um total de 13 mil pneus.
Em janeiro de 2007, Eduardo Campos assumiu o governo. Uma de suas
medidas foi extinguir os limites para a importação de pneus existentes
anteriormente. Além disso, em 7 de novembro de 2011, ele prorrogou os
benefícios do Prodepe à Bandeirantes até 2018. A empresa já era
associada então a Apolo Santana Vieira.
Em 30 de julho de 2015, os benefícios foram ampliados pelo governador
Paulo Câmara. Desconto de até 10% no ICMs para vendas locais e de até
47,5% para operações interestaduais passou a valer para uma série de
pneus especiais importados pela empresa.
Um trecho do decreto assinado por Paulo Câmara, sucessor de Eduardo
Campos, poderia muito bem ter sido escrito pelo lobista da empresa:
A SIMBIOSE COM A POLÍTICA
A captura do Estado é uma necessidade do empresário que busca vantagens competitivas com seus concorrentes.
Daí a imbricação com a política.
Andrea Pinho, delegada da Polícia Federal: “O que temos na nossa
investigação, através dos dados cruzados com o STF (Supremo Tribunal
Federal), é que Fernando Bezerra Coelho teria sido a pessoa encarregada
de colher os valores do percentual devido para a campanha de Eduardo
Campos”. Fernando Bezerra é pai do ministro das Minas e Energia do
governo interino de Michel Temer, Fernando Filho.
O ministério das Minas e Energia é poderosíssimo. Sinal de que o
apoio do PSB a Temer era essencial para a montagem da coalizão que
afastou Dilma Rousseff e que pretende cassá-la no Senado.
A base pernambucana do governo interino pode sair fortemente abalada do escândalo.
NÃO DÁ EM NADA
Quando Ronaldo passou mal nos vestiários do Stade de France e o
Brasil perdeu a final da Copa do Mundo, em 1998, um terremoto abalou as
bases do futebol brasileiro.
Circunstâncias políticas daquele período levaram à criação de duas CPIs no Congresso.
Muita roupa suja foi lavada em público, com a produção de manchetes e fartas provas contra a cartolagem.
Porém, de prático, nada aconteceu. O ímpeto investigativo e punitivo
foi desmantelado decisão a decisão, na Justiça, bem longe da opinião
pública.
Teixeira só caiu mais de uma década depois, por conta de uma investigação na Suiça que abalou sua base de apoio na FIFA.
Hoje, ele não pode deixar o Brasil, mas desfruta de uma aposentadoria de ouro em sua mansão no Rio de Janeiro.
Por isso diz-se que o Brasil é o país do Big Bang.
Decisões portentosas, daquelas que parecem prenunciar novos tempos, se perdem na fricção do dia-a-dia.
Lembram-se da busca e apreensão do FBI na Flórida, em 2005, a pedido das autoridades brasileiras?
Aquele primeiro processo contra o
laranjal dos pneus morreu de inanição.
O TRF5, baseado em Recife, decidiu pelo descarte das principais provas.
O próprio MPF pediu a absolvição dos acusados.
Em 14 de setembro de 2015, a juíza Carolina Souza Malta absolveu os réus, inclusive Apolo Santana Vieira, agora preso.
Dois meses antes, a Bandeirantes tinha obtido novos benefícios
fiscais do governo de Pernambuco, concedidos pelo sucessor de Eduardo
Campos.
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