Em 24 de novembro de 2010, estive no Palácio do Planalto com mais nove blogueiros para participar de um evento histórico: Luiz Inácio Lula da Silva daria, naquele dia, a primeira coletiva de imprensa de um presidente da República à blogosfera – até porque, os antecessores dele não conviveram com ela, pois não existia quando governaram.
O fato de serem blogueiros assumidamente simpáticos ao governo trabalhista foi explorado pela grande mídia, que os tachou de “chapas-brancas”, insinuando que seriam beneficiados por aquele governo. O jornal O Globo, despido de senso de ridículo, usou uma página inteira para nos atacar e ilustrou o ataque com a foto acima, tirada pelo Planalto.
Ao fim da entrevista, os blogueiros se reuniram em torno do presidente para alguns minutos de conversa informal. Nela, ele nos confidenciou que, ao “desencarnar” do cargo, iria descobrir o que esteve por trás daquilo que a grande mídia chama, de forma absurda, de “O maior escândalo de corrupção da história”.
Não se sabe de onde Globo, Folha de São Paulo, Estadão e Veja (grupos de comunicação que a presidência da Associação Nacional de Jornais chama de “imprensa oposicionista”) tiraram isso, mas uma horda de colunistas, editorialistas e articulistas pagos a peso de ouro inventaram a teoria e a difundem sem jamais explicar quem ou o que a sustenta.
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Tudo começou com a operação da Polícia Federal sugestivamente batizada como “Monte Carlo”, nome de um dos 11 bairros do principado de Mônaco, uma cidade-estado situada ao sul da França que se notabilizou por abrigar os mais glamorosos e famosos cassinos do mundo, tendo sido cenário freqüente para as aventuras do espião cinematográfico James Bond, o imaginário agente 007 da inteligência britânicaO nome dessa operação da PF não poderia ser mais apropriado. O que informações prévias sobre a investigação insinuam é digno de qualquer filme de espionagem, com direito a vários clichês hollywoodianos.
Escutas feitas durante alguns anos surpreenderam o país ao flagrarem, com as calças na mão, aquele que se pretendia o acusador-mor da República, o senador oposicionista Demóstenes Torres, que se descobriu que não passava de um funcionário graduado do chefão criminoso Carlinhos Cachoeira, o qual, por sua vez, ofereceu a essa grande imprensa, segundo a quadrilha, “todas” as denúncias contra os governos Lula e Dilma feitas desde 2003.
Se Cachoeira proveu à mídia “todas” as suas denúncias contra o governo federal durante a última década e no limiar desta, não se sabe. Mas, certamente, proveu grande parte delas, podendo ser a mais importante aquela que desencadeou o que essa mesma mídia diz ser “O maior escândalo de corrupção da história”.
Previamente, já se sabe que ao menos o primeiro capítulo do “mensalão” foi obra de Carlinhos Cachoeira. Ele filmou pedido de propina que lhe fizera em 2002 o personagem Waldomiro Diniz.
À época em que o vídeo clandestino foi gravado por Cachoeira, Diniz integrava a administração do então governador Antony Garotinho como presidente da Loterj, autarquia do governo do Rio de Janeiro. Era o responsável pela administração, gerenciamento e fiscalização do jogo no Estado, área de interesse do contraventor.
Diniz chegou ao governo Lula sob influência de Garotinho, que apoiou a primeira eleição do petista no segundo turno, em 2002, ganhando influência na formação do novo governo. Foi, assim, nomeado subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, subordinado ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu.
O pedido de propina gravado pelo bandido Carlinhos Cachoeira – que, à época, era apresentado pela grande mídia como um simples empresário indignado com a “corrupção do governo Lula” – foi o pontapé inicial do escândalo do “mensalão”, como gosta de dizer a mídia.
Ou seja: essa mídia usou as informações de um bandido para supostamente desbaratar um esquema de corrupção, ainda que pareça óbvio que o pedido de Diniz a Cachoeira de comissão de 1% da negociata que tentava entabular não passou de uma ação isolada de alguém que tentava se valer do próprio cargo para se locupletar.
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O potencial das escutas da PF sobre o esquema Cachoeira, portanto, é o de revelar aquilo de que já há indícios, de que o criminoso teria continuado a prover à mídia as informações, vídeos, escutas etc. que aprofundaram denúncia do então presidente do PTB em 2005, Roberto Jefferson, que criou o termo “mensalão” para acusar o governo Lula de subornar parlamentares aliados para defenderem seus interesses no Congresso… (?)O grande interesse na CPI do Cachoeira que fica claro que têm o PT, boa parte da base aliada do governo Dilma no Congresso e o próprio governo, portanto, é desvendar até que ponto houve conluio entre a mídia oposicionista e o crime organizado, que se supõe que fizeram o seguinte acordo: em troca de oferecer subsídios contra o governo Lula e, depois, contra o governo Dilma, o esquema Cachoeira seria acobertado por esses meios de comunicação.
Entre o governismo circula teoria de que veículos como a Veja teriam usado informações do esquema Cachoeira contra o governo Lula durante anos e, em troca, o esquema teria recebido proteção midiática às suas atividades criminosas. Por essa teoria, haveria provas disso que teriam transparecido das escutas da PF.
Ao tentar intimidar os governistas com ameaça de inverter no noticiário sobre a CPI do Cachoeira a responsabilidade pelas atividades dele, transferindo-a da oposição demo-tucana e da mídia para o PT e aliados, essa mídia permite supor que acredita no potencial dessa CPI para “melar” o julgamento do “mensalão”.
Claro que nada disso elide o fato de que, no mínimo, houve financiamentos ilegais de campanhas eleitorais de petistas e aliados. Todavia, essa acusação não serve para criminalizar todo o governo Lula, sobretudo o seu ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, que, se não tivesse sido abatido, certamente seria hoje o presidente da República.
Não é preciso pensar muito para imaginar o que acontecerá se durante o julgamento do inquérito do “mensalão” pelo STF surgirem provas documentais de que Cachoeira e a mídia com a qual se acumpliciou fabricaram a tese de que houve compra de apoio de parlamentares organizada por Dirceu. E de que o que houve foi, “apenas”, caixa 2.