Discurso que pregou impeachment da presidente Dilma Rousseff e fala em "organização criminosa" para se referir ao PT não encontra seguidores em volume suficiente para fazer diferença; ao optar pela radicalização verbal, senador Aécio Neves passa a impressão de ainda estar em campanha eleitoral; líderes do PSDB como o senador José Serra e os governadores Geraldo Alckimin e Marconi Perillo não o acompanham; presença por 12 anos no poder em Minas Gerais deixa flanco aberto para denúncias que esvaziam discurso da moralidade; fracasso de manifestação contra Dilma no sábado 29, em São Paulo, se mostrou fim temporão da eleição de outubro, mas Aécio não dá mostras de que corrigirá seu rumo
Marco Damiani _247 – Debaixo do vão livre do Masp, no sábado 29, os cerca de 200 manifestantes que pediam o impeachment da presidente Dilma Rousseff junto à meia dúzia de remanescentes que defenderam, em sábados anteriores, a volta dos militares ao poder, não reuniram volume suficiente para sair em passeata. Ficaram confinados ali mesmo, numa reunião bem menor do que as últimas. Esvaziado, mostrou ser o ato em que, finalmente, a campanha eleitoral terminou.
Não é esta mensagem, porém, que o candidato mais bem sucedido da oposição está procurando passar para o seu público. Ao frisar, na semana passada, que o impeachment é "uma das sanções" previstas para defeitos em prestações de contas de campanha e, neste final de semana, chamar o PT de "organização criminosa", Aécio Neves mostrou, para muitos, que ainda não está disposto a descer tão cedo do palanque.
O problema para ele é que sua linha de ataque vai perdendo força à medida em que surgem fatos objetivos em direção oposta.
Na economia, o senador mineiro não assimilou a escolha do considerado ortodoxo Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Com o anúncio da presença de Levy no governo, os mercados reagiram positivamente. A Bolsa de Valores evoluiu, o dólar andou na normalidade e as agências de classificação de risco reagiram favoravelmente. Um cenário de fuga de investimentos está se dissipando para dar lugar ao do ajuste que o próprio Aécio queria em campanha.
Ele considera a adoção de diretrizes com base no tripé macroeconômica como uma espécie de apropriação indébita por Dilma. Em lugar de avistar uma ponte de diálogo no fato de Levy ter trocado ideias com Armínio Fraga durante a campanha, Aécio viu na situação passada e no desfecho um ato de espionagem. "É como se um diretor da CIA se tornasse um chefe da KGB", comparou. Daí a chamar o PT de "organização criminosa" foi um passo.
Na Justiça, ministros do Tribunal Superior Eleitoral emitiram sinais de que as contas da presidente serão aprovadas, ainda que com ressalvas, a não ser em caso "de uma fratura exposta". Com a participação de técnicos do BC e da Receita Federal, a análise que está sendo feita pelo ministro Gilmar Mendes, no STF, tende a ter mais força técnica do que política. Desse modo, barrar a prestação de contas do PT para a campanha presidencial não deverá ser tão simples como dar uma canetada isolada. Mesmo que isso ocorra, recursos caberão ao mesmo Supremo. Sem pressão das ruas, como se viu no sábado 29, o caminho para o impeachment se mostra bem estreito para ser uma opção para quem quer que seja.
FHC TOMOU LINHA BURRA - A radicalização de Aécio poderia nem ser vista como um problema, mas solução, caso viesse acompanhada de apoio. Ao menos de uma cúpula, já que o da rua nunca existiu. Mas também não é isso o que ocorre à volta da belicosidade do presidente do PSDB. Sem uma massa que possa mobilizar, Aécio também começa a construir, mesmo ocupando a chefia do partido, um certo isolamento frente aos principais líderes da agremiação. Ele parece ter se deixado empolgar pelo discurso de quem não tem nada a perder do ex-presidente Fernando Henrique. FHC disse ter "vergonha" da corrupção na Petrobras, mas horas depois se revelou que foi na gestão dele no Palácio do Planalto que se terminou com a exigência de licitações e concorrências para a assinatura de contratos com a estatal. A linha de FHC se mostrou burra, à medida em que o flagrou na cena da origem da permissividade que gerou oportunidade para fraudes bilionárias.
Têm ficado muito mais observando do que atuando para o conflito o senador José Serra, sempre um nome forte entre os tucanos, e os governador Geraldo Alckmin e Marconi Perilllo. Perillo, em discurso no qual procurou ser gentil com Aécio, de quem é amigo, ensinou:
- Governo não faz oposição a governo, libertando a senha para que toda uma ala do PSDB no Congresso passasse a seguir mais pela linha moderada do que a do extremo
A entonação de FHC não levou, porém, Aécio à vitória este ano. O candidato que ainda reclama da qualidade do resultado não conseguiu vencer em Minas Gerais, nem no primeiro nem no segundo turno, depois de ter sido oito anos governador e feito o sucessor por mais quatro. Na campanha eleitoral, denúncias que poderiam ser consideradas leves foram transformadas pela própria campanha tucana em grandes crises, até agora mal resolvidas. É o caso do aeroporto do município de Cláudio, do qual o candidato do PSDB não soube se desvencilhar. Ele construiu uma pista de pouso na fazenda de um tio, mas passou a dar explicações tão confusas para o assunto que terminou perdendo eleitoralmente.
Nos bastidores da política nacional, velhas raposas tem dificuldade para assimilar a estratégia do ex-candidato.
- Ele está se comportando como a linha de frente da nova UDN, mas a origem política dele é PSD de seu avô Tancredo Neves, conta um líder político fluminense que trabalhou para Aécio em seu Estado.
- Essa postura extremamente moralista pode é saudável, mas não sei se combina com ele tanto assim.
GILMAR MENDES: “HÁ UMA CLEPTOCRACIA INSTALADA”
Ministro do STF diz que "os fatos são chocantes" ao comentar as investigações da Operação Lava Jato; "Apenas um dos envolvidos aceitou devolver R$ 250 milhões. Isso é totalmente atípico, mostra um modelo de cleptocracia instalado", afirmou, em entrevista ao portal da revista Veja, usando o termo grego que significa: "Estado governado por ladrões"; crítico ferrenho do PT, Gilmar Mendes disse ainda que "não se trata de desvio, mas de uma praxis continuum modus de governar"; magistrado trava há oito meses o processo de financiamento público de campanha no Supremo; sobre isso, declarou que "merece prêmio de cândido ou ingênuo" aquele que sustenta a tese de que isso resolveria o problema da corrupção
247 – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes voltou a disparar mais uma de suas frases de efeito. Desta vez, ao comentar as investigações da Operação Lava Jato, que apura um esquema de corrupção em contratos da Petrobras, declarou que "há uma cleptocracia instalada" no Brasil. Gilmar usar o termo grego que significa, literalmente, "Estado governado por ladrões".
"Os fatos em si são chocantes. Nós quando julgávamos o mensalão, e também a imprensa, todos nós destacávamos que se tratava do maior escândalo de corrupção do Brasil. O apurado era R$ 170 milhões. E agora estamos vendo que nas delações premiadas, alguns poucos autores já aceitaram devolver algo em torno de R$ 500 milhões. Apenas um dos envolvidos aceitou devolver R$ 250 milhões. Isso é totalmente atípico, mostra um modelo de cleptocracia instalado", afirmou.
"Isso é preocupante, se vamos realmente para esse modelo de cleptocracia, é preocupante", acrescentou o ministro, que pode ter de julgar posteriormente algum caso relacionado à Lava Jato, uma vez que políticos envolvidos são denunciados em última instância. "Não se trata de desvio, mas de uma pratix continuum modus de governar, não pode ser assim", reforçou o magistrado, citando um artigo de Merval Pereira, que aponta a roubalheira como método.
Questionado pela entrevistadora Joice Hasselmann se já havia visto "algo semelhante na história moderna do mundo", Gilmar respondeu que, "em relação aos países civilizados, certamente não". Recentemente, o integrante da Corte Suprema afirmou que o processo do chamado 'mensalão' deveria ser julgado como pequena causa diante do escândalo de propina descoberto pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Gilmar, que trava há oito meses o julgamento de financiamento público de campanha, depois de ter pedido vista no início de abril, quando o placar registrava 6 a 1 pelo fim das doações privadas a campanhas políticas, tocou no assunto: "ah, e não adianta vir com o argumento de que esses furtos e roubos ocorrem por conta do modelo eleitoral ou isso é para o financiamento de campanha. Nós estamos vendo que não se trata disso". Nas redes sociais, o ministro foi alvo da campanha #DevolveGilmar.
Segundo ele, "parte disso certamente tem a ver com o modelo de financiamento de campanha, caixa 2, mas estamos vendo que certamente há outros destinos para esses amplos recursos que são desviados". Gilmar caçou dos críticos: "Porque aí vem inclusive a questão que está posta no plenário do Supremo. 'Ah, se nós decidirmos que as empresas não poderão mais doar, então está resolvido o problema da corrupção no Brasil'. Merece prêmio de cândido ou ingênuo aquele que sustenta esse tipo de tese".
Questionado se não é "um risco" o julgamento do caso agora por um plenário cuja maioria foi indicada pelo governo do PT, Gilmar começou com mais cautela do que em declaração recente – quando disse que o Supremo corria o risco de se tornar uma corte bolivariana por ter maioria indicada por presidentes petistas. Segundo ele, "é preciso se reconhecer" que foi julgado o caso do chamado 'mensalão' com a maioria indicada pelo partido acusado no processo, embora tenha se acolhido posteriormente embargos que resultaram na revisão de penas dos condenados. "É possível que se façam escolhas adequadas, e muitas escolhas adequadas certamente foram feitas".