Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 12 de março de 2015

1789: Barbosa seria um fâmulo dos plutocratas Será Barbosa o Berlusconi brasileiro ? – perguntou o Lazenha.

O Conversa Afiada reproduz artigo de Paulo Nogueira, extraído do Diário do Centro do Mundo:

A ignorância histórica de Joaquim Barbosa



Deu a louca no mundo.

Ou, pelo menos, deu a louca em Joaquim Barbosa.

No Twitter, ele conseguiu comparar o atual momento brasileiro às vésperas de duas revoluções, a Francesa e a Russa.

Nesta visão turvada e obtusa, é como se na França de 1789 a insatisfação revolucionária houvesse partido da aristocracia. E na Rússia de 1917 da corte czarista.

Que JB era insuficiente em direito já sabíamos. Que era incapaz de articular frases que fizessem sentido, também.

Mas que era analfabeto em história é uma novidade.

O Brasil de 2015 se aproximaria da França de 1789 e da Rússia de 1917 se os privilegiados estivessem na iminência de ser varridos.

Mas não.

Os privilegiados brasileiros – cujo porta-voz é a mídia – se batem ferozmente para derrubar um governo popular.

Na verdade, o Brasil de 2015 lembra, sinistramente, o Brasil de 1954 e o Brasil de 1964. A plutocracia, mais uma vez, se insurge contra a democracia.

Repetem-se muitas coisas.

O demagógico e seletivo discurso anticorrupção, por exemplo. Aécio chegou a empregar uma expressão de Lacerda, o Corvo, contra Getúlio: mar de lama.

Não pude notar se ele não ficou vermelho ao falar em mal de lama. Mas deveria. Aécio construiu um aeroporto privado com dinheiro público. Colocou, pelas mãos da irmã, dinheiro público nas rádios da família quando governador de Minas. Viu ser exposta a monumental roubalheira de seus eminentes colegas de PSDB no metrô de São Paulo.

Agora mesmo, escapou por um triz de entrar na lista de Janot, da qual não escapou sua cria, Anastasia.

Mesmo assim, ele posa de Catão. Ou de Catão 2, dado que o Catão 1 é FHC, o homem que comprou a emenda de reeleição. Essa compra está toda documentada, nos detalhes mais patéticos, graças ao depoimento milimétrico de um comprado.

O repórter que tratou solitariamente do assunto na era FHC disse, recentemente, que seu trabalho recolheu não evidências – mas “provas”.

Alguns personagens de 54 e 64 estão presentes em 2015, uma demonstração de quão pouco as coisas mudam no Brasil.

A Globo, por exemplo. Sabotou Getúlio, sabotou Jango, sabotou Lula e agora sabota Dilma.

Neste longo percurso de sabotagem, os donos da Globo acumularam a maior fortuna do Brasil.

Se o Brasil vivesse uma situação parecida com a França e a Rússia pré-revolucionárias, como escreveu Barbosa, os Marinhos estariam de malas prontas para recomeçar a vida em outro país.

Eles e todo o grupo que tanto tem feito, ao longo da história, para dar ao Brasil as feições classicamente definidas por Rousseau como as perfeitas para uma insurreirão popular: aquelas marcadas pelos “extremos de opulência e de miséria”.

Com diferentes nomes, figuras como Joaquim Barbosa participaram das tramas de 1954 e de 1964.

Eram os mistificadores.

Eles fingiam defender os interesses da voz rouca das ruas, mas na verdade estavam do lado dos poderosos, dos exploradores, dos predadores sociais.

Em 1789, para voltar ao início, Barbosa não derrubaria a Bastilha.

Estaria do outro lado, como um fâmulo dos plutocratas.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

RADICALISMO ISOLA AÉCIO NAS RUAS E NO PSDB

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Chile: a AL não tolera mais a desigualdade

Piñera emergiu na AL chamada de chavista, em 2010, como o anfíbio ansiosamente aguardado: pensava a economia como Pinochet, sem ter vestido o capuz negro.

por: Saul Leblon 
Arquivo




 







A volta de Bachelet ao comando do Chile, após levar 62% dos votos no 2º turno, domingo, envia uma mensagem às elites da região.

A sociedade latino-americana não tolera mais a desigualdade.

Enquanto o conservadorismo se aferra à ideia de dar eficiência às estruturas carcomidas que instalaram aqui uma das piores assimetrias de renda do planeta, as urnas  --e as ruas--  sistematicamente invertem a equação.

Em recados de crescente contundência à direita e à esquerda , avisam:  a meta deve ser a equidade, a economia  não pode funcionar mais contra as urgências da população.

O Chile rico e educado é a confirmação  enfática da fraude arquitetada por aqueles que propõem  chilenizar o Brasil primeiro (‘as reformas’), para depois distribuir.

Tudo funciona nesse modelo, mas tudo  só funciona a quem paga.

A maioria não pode pagar, por  exemplo, uma educação universitária de qualidade.
Nem a classe média remediada.
Essa, a origem da revolta dos pinguins que premiou o Chile com uma  renovação de liderança política inédita na região, pela esquerda.

Jovens comunistas  se projetam à frente da sociedade chilena dando , inclusive, uma sobrevida representativa ao Partido Comunista local, só encontrável em nações estilhaçadas pelo bisturi implacável do ajuste neoliberal. Caso da Grécia, por exemplo.

Um minúsculo enclave de 5%  da população chilena fatura por ano  quase 260 vezes mais que o seu extremo oposto na pirâmide de renda.

A principal riqueza do país, o cobre, preserva uma estatização de fachada na qual os maiores beneficiários sãos as castas fardadas que se reservaram durante a ditadura Pinochet uma fatia cativa dos rendimentos da maior reserva do metal no planeta.

Pior que o Brasil, pior que os EUA ou a Alemanha, a plutocracia chilena aferrou-se de tal maneira a seus privilégios que hoje 1% da população detém 31% de toda a riqueza nacional (21% nos EUA ; 13% no Brasil; 12,5% na Alemanha).

O conjunto faz do Chile um paradigma odioso de segregação econômica escolar.

Segundo a OCDE, dentre todos os seus membros, o Chile é o país com maior índice de financiamento privado da educação primária e secundária.

O resultado das urnas deste domingo esfarela e devolve às goelas conservadoras o júbilo manifestado em janeiro de 2010, quando um  Chile cansado das hesitações de seu centrismo, elegeu  o bilionário Sebástian Piñera  ao final do primeiro mandato de Bachelet.

Piñera reacendeu a esperança conservadora na América Latina.
Sua vitória reluzia como a revanche diante de um colar de governos progressistas que asfixiavam o horizonte da direita regional.  Enfim, um presidente para chamar de seu.

Um porta-voz moderno do dinheiro grosso.

Alguém talhado para fazer a ponte entre a inconclusa redemocratização chilena e o necessário arejamento das agendas apuradas no calabouço escuro da ditadura Pinochet.

Recorde-se que o Chile é o que é hoje  porque, antes mesmo de Thatcher,  foi militarmente capturado para ser a cozinha experimental do neoliberalismo no mundo.

Talvez fosse mais apropriada a metáfora 'açougue'.

Ali se sangrou, retalhou, picou e moeu uma nação até reduzi-la a uma massa disforme e vegetativa.

Dessa matéria-prima, nasceu a primeira receita mundial bem sucedida do cardápio que decretaria o fim do capitalismo regulado, a partir dos anos 70.

O quitute indigesto foi enfiado goela abaixo de uma das sociedades mais democráticas do continente latino-americano. Por isso mesmo, exemplarmente esgoelada na sua tentativa de construir o socialismo pela via eleitoral.

O recado foi escrito com sangue na pele da esquerda latino-americana: 'a democracia promete mais do que os mercados estão dispostos a conceder'.

Mestres-cucas da direita regional e global aderiram em massa ao mutirão corretivo.

Piñera não serviu diretamente à ditadura mais sanguinária da AL.  Justamente por isso, sua vitória em 2010 acendeu o entusiasmo conservador.

Eis o anfíbio tão aguardado.

Porque pensava a economia como Pinochet, sem ter vestido diretamente o capuz negro, era a ponte palatável entre dois mundos, no caminho de volta a uma democracia bem comportada.

"É provável que se fortaleça na América do Sul uma "frente antichavista", integrada por Álvaro Uribe (Colômbia), Alan García (Peru) e o próprio Piñera".

O augúrio do editorial da "Folha", de 22 de janeiro de 2010, externava essa aposta ansiosa.

O dote de mandatário-ponte servia ademais para espicaçar a viabilidade da jejuna e também recém-eleita presidenta brasileira, Dilma Rousseff.

Transcorridos quatro anos, Piñera devolve o lugar a Bachelet.

Os jornalismo que apostou na ressurgência neoliberal, porém, não desiste. No Brasil flerta com anfíbios tropicalizados. 

Ou não será a mesma receita da chilenização do país que emitem as goelas de veludo dos Campos & Aécios?

Quiçá de alas petistas obsequiosas aos lamentos dos mercados?

O Chile fez tudo como eles querem fazer aqui.

É a economia "mais aberta" da América Latina.

O Estado é mínimo: a dívida do setor público é de apenas 11,5% do PIB (37% no Brasil, no conceito líquido; 60% no bruto).

A previdência foi privatizada. A proteção trabalhista é pífia.

A linha da desigualdade parece o eletrocardiograma de um morto: o índice de GINI chileno oscilou de 0,55 para 0,52 entre 1990 e 2009 (o do Brasil melhorou de 0,61 para 0,54).

Segundo a CEPAL, entre 1990 e 2009, o investimento público na área social oscilou mediocremente no país: de 15,2% para 15,6% do PIB.

Até o México deu um passo maior no mesmo período: passou de 5,5% para 11,3% do PIB.

Na direitista Colômbia, o salto foi de 6,1% para 11,5%.

No Brasil, a ' gastança' avançou de 17,6% para 27,1% do PIB; na Argentina, de 18,6% para 27,8%.

O jornalismo conservador atribui à falta de 'traquejo' político do empresário-presidente o paradoxo entre uma economia 'saudável' e a rejeição política esmagadora.

O raciocínio condescendente desdenha de uma lacuna-chave.

Piñera não foi programado para transformar a maçaroca econômica em uma Nação.

Mas para transformar uma nação em mercado.

Por que teria apoio dos seus órfãos?

O Chile tornou-se um país simplificado por uma ditadura que decidiu exterminar fisicamente o estorvo ideológico e social no seu caminho: a classe trabalhadora organizada.

Uma parte foi sangrada nas baionetas de Pinochet.

A outra, exterminada estruturalmente pelos sacerdotes do laissez-faire.

Os Chicago's boys reduziram a economia às suas estritas 'vantagens comparativas'.

Um pomar de pêssego. Vinícolas. Uma mina de cobre.

Um acervo como esse não precisa de projeto nacional.

Um fluxo de mercadorias não requer formulação intelectual própria. Logo, não precisa de universidade pública autônoma.

Um aglomerado de consumo não reclama cidadania.

Piñera tentou ser o cadeado moderno entre isso e uma redemocratização intrinsecamente tensa e limitada. Os estudantes rechaçaram esse entendimento do que seja um 'Chile moderno' .

E carregaram para as ruas o inconformismo de décadas que se consagrou nas ruas deste domingo. Mas que explica, também, o monstruoso incide de abstinência de 59%.

O desinteresse pelo voto é um aviso a Bachelet: um pedaço do país, quase suficiente para eleger um outro presidente, não aguenta mais simulacros de justiça social e maquiagens estruturais.

O fracasso de Piñera não deve ser desfrutado com precipitações simplistas.

O jogo não acabou na AL. Nunca acaba.

Os embates tendem a se acirrar.  Não por acaso Aécio e Campos acercam-se de profissionais do ramo e de modelos estratégicos que caberiam perfeitamente num ministério de Piñera.

O Chile, pequeno, mas historicamente imenso, tem muito a dizer à experiência política latinoamericana.

Não foi qualquer apego a efemérides que motivou Carta Maior a reunir, este ano,  uma dezena e meia de analistas, personagens, cineastas e filmes para registrar os 40 anos do golpe militar de 11 de setembro no Chile.

O Especial ‘Chile de Allende, 40 anos do golpe’ não mira o passado.

A atualidade da arguição inclui nuances. Algumas delas falam diretamente ao Brasil dos dias que correm. Exemplos.

O que acontece em um país quando o conservadorismo forma a percepção de que as possibilidades democráticas e eleitorais de seu retorno ao poder se estreitaram?
Que contrapesos poderiam, ou melhor, deveriam ser acionados quando a judicialização da política e o golpismo midiático compõem um corredor polonês asfixiante em torno de um governo democrático e progressista?

Em que medida é realista apostar em um alicerce defensivo ancorado exclusivamente nas instituições existentes, quando o propósito é superar o que elas guarnecem? É um primeiro indicativo.

Há outros a sinalizar que não estamos falando de ontem. Mas das evocações que 1973 inspira em 2013. E em 2014.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A grande vítima de Joaquim Barbosa é a democracia

 
Agora é a criminalização de Dilma? 
PAULO MOREIRA LEITE 
Muitas pessoas ficaram surpresas quando Joaquim Barbosa mencionou Dilma Rousseff no Supremo. Para reforçar a ideia de compra de votos, Joaquim citou um depoimento em que Dilma se confessou surpresa com a rapidez com que o Congresso aprovou o novo marco regulatório de energia elétrica.

A mensagem do voto do ministro, exaustivamente repetida pelas emissora de TV, tem um elemento malicioso.

A “surpresa” de Dilma seria, claro, era uma prova do mensalão. O ministro não disse, mas permitiu que todos ouvissem: sem o mensalão, o marco regulatório não teria saído com a rapidez que surpreendeu a ministra-presidente.

A resposta do Planalto, em nota oficial, foi rápida. Responsável pelas negociações do marco regulatório ocorridas no Senado, Aloizio Mercadante também se manifestou.

O fato é que essa insinuação me parece uma consequência lógica da visão que Joaquim Barbosa está imprimindo ao julgamento.

Ele acredita que encontrou crimes até onde não é possível demonstrar que tenham ocorrido.

Falando com franqueza: para entender a “surpresa” revelada pela ministra, não é preciso enxergar tudo com malícia. É preciso considerar o chamado contexto. Pensar em política como o exercício humano e insubstituível de negociar, avançar e ceder.

No início do governo Lula, a oposição tucana fazia o possível para criar problemas para os petistas, em várias áreas. Mesmo na Previdência, onde o PT deu continuidade a uma reforma planejada por FHC, o PSDB fingia que nada tinha a ver com o assunto. Queria dar o troco para Lula, criando dificuldades artificiais, como a antiga oposição lhe fizera. Mostrar boa vontade com iniciativas de Lula, naquele momento, era mostrar-se fraco e adesista diante de seus eleitores. Era quase uma traição perante cidadãos que haviam dado seu voto para candidaturas tucanas só por amor à causa, quando todo mundo sabia que não tinham a menor chance.

O marco de energia era especialmente delicado por uma razão política conhecida. No segundo mandato de FHC, a falta de energia impediu a retomada de crescimento econômico, submetendo os brasileiros a um vexame inesquecível de racionar o uso de energia num país com todo esse potencial elétrico que todos nós sabemos.

A surpresa vem daí. Depois de blefar e ameaçar, os tucanos também concordaram em votar com o governo na sala de Mercadante.

A política é assim. Não é engenharia. Não é equação matemática. Inclui dissimulação, esperteza, ações dissimuladas. Não é contabilidade.

Pode incluir a corrupção — como acontece em vários lugares, o que levou a Eliane Calmon a querer saber até o que acontecia na Justiça.

Mas é preciso apurar, investigar e esclarecer. No caso de crime, apurar, ouvir as partes e acusar. É errado apenas mencionar, não é mesmo?

Respeito Joaquim Barbosa. Conheço seus títulos e sua formação. Acredita no que fala e diz. Mesmo quando discordo, devo admitir que está longe de fazer denuncias “mequetrefes”, para empregar um termo que se tornou obrigatório no julgamento.

Mas eu acho que essa insinuação fora de lugar não ocorre por acaso.

A menção a Dilma foi apenas uma manifestação – um pouco exagerada, digamos – de uma atitude típica de um julgamento que avança numa imensa carga de subjetividade.

Várias vezes, Joaquim falou que é preciso examinar o contexto da denúncia, o contexto da ação dos acusados e assim por diante. Mas não considerou o contexto do apagão, este evento gigantesco, demolidor, humilhante para um país e sua população.

Imagino que, tecnicamente, o nome Dilma era uma menção até desnecessária. Tenho certeza de que num inquérito de milhares e milhares de páginas seria possível encontrar exemplos equivalentes e até mais enfáticos. Tenho certeza de que é possível demonstrar que houve compra de votos, em alguns casos, e apenas apoio político a um aliado, em outros.

A diferença é que nem sempre estes casos envolviam uma autoridade que, de ministra passou a presidente da República.

Politizando a justiça, pode-se dizer que a citação a Dilma jogou o julgamento para …2014.

O voto de Joaquim Barbosa, mais uma vez, foi aos telejornais. Foi repetido, reprisado…Sabe o que aconteceu?

Salomão Shwartzman, radialista e jornalista muito experiente, já lançou um comentário dizendo que o PSDB deveria convidar Joaquim para disputar a presidência da República.

Tudo é política. Mesmo o que não parece.

Na biografia de José Alencar, Eliane Cantanhede descreve o encontro entre Lula e seu vice, José Dirceu e Waldemar Costa Neto, onde se debate uma aliança política e a consequente coleta de recursos financeiros. Se fosse hoje, alguém mais afogado que estavam combinando um assalto.

Mas a descrição deste acordo político de campanha é tão bem feita, tão clara, que os advogados de Delúbio Soares incluíram vários parágrafos sobre o “rachuncho”—a expressão, bem humorada, é de Eliane – nas suas alegações finais de seu cliente.

Sabemos que a criminalização da política tornou-se parte da estratégia da acusação para condenar o maior número possível de acusados. Vamos combinar que ajuda a sustentar a tese de que não havia recursos para campanha eleitoral – mas compra de votos no Congresso.

Admito que eles simplesmente não conhecem os fatos que estão julgando, não tem familiaridade com o mundo das tratativas e negociações e acham tudo suspeito, estranho…

Considerando a baixa credibilidade dos políticos, apostar que todo mundo é ladrão pode ser uma vulgaridade – mas é uma forma de garantir, com facilidade, apoio popular a medidas que podem ser justas ou arbitrárias.

Minha experiência com a humanidade permite dizer que já tive contato com momentos de grandeza, coragem, solidariedade. Também tiver a infelicidade de testemunhar imensas baixezas.

Mas não me lembro de ter visto relatos – nem em ficção – de repulsa a linchamentos.

Acabo de ler a notícia de que alguns procuradores já estão preocupados com o indulto de Natal dos réus do mensalão. É assim: dando de barato que eles serão condenados, o que parece cada vez mais provável, a preocupação agora é impedir que passem o Natal com a família… Mais um pouco e teremos de acionar a Comissão da Verdade, que investiga crimes cometidos por representantes do Estado contra direitos humanos, para ver o que está acontecendo em nossa democracia…

É justiça, isso? Ou é vingança?

Como já disse aqui, eu acho que o mensalão produziu delitos de todo tipo. Também acho que havia caixa 2 e dinheiro publico desviado. São crimes diferentes, que a legislação trata de forma diferente porque lá atrás aquele personagem oculto e onipresente que os advogados chamam de O Legislador entendeu que era assim.

Ao ignorar as diferenças, quem perde é a democracia.


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

BUFFET FARTO, ORQUESTRA AFINADA E PISTA VAZIA.

IBOPE: Haddad salta de 9% para 16% e disputa o 2º lugar com Serra que  caiu para 20% **Russomano venceria Serra num 2º turno por 51% a  27%** Rejeição a Serra atinge 50% na faixa de idade entre 16 e 34 anos.

 
Há certo gosto de decepção no ar. O conservadorismo que durante meses, anos, cultivou o julgamento do chamado 'mensalão' como uma espécie de terceiro turno sanitário, capaz de redimir revezes acumulados desde 2002 no ambiente hostil do voto, percebe-se agora algo solitário na festa marcada para arrebanhar multidões. Como assim se os melhores buffets da praça foram contratados; a orquestra ensaiou cinco anos a fio e o repertório foi escolhido a dedo? Por que então a pista está vazia? Falta apenas o essencial: a alegria do povo. A pouca ou nenhuma influência eleitoral desse engenhoso ardil que elegeu a ausência de provas como a principal prova condenatória diz o bastante sobre a frágil hipocrisia vendida como marco zero da moralidade pública pelos seus vulgarizadores midiáticos. Não é esse porém o acerto de contas com o qual terá que se enfrentar o PT. (LEIA MAIS AQUI)


Chauí: PiG (*) produz culpas
e condena sumariamente


Num evento em defesa da liberdade de expressão e por uma Ley de Medios, realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, nessa segunda feira, a professora Marilena Chauí fez uma palestra antológica.

I. Democracia e autoritarismo social
Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.
Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa perceber.
Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:
1. forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor  em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;
2. forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da contradição e não a da mera oposição?
3. forma sócio-política que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a idéia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.
4. graças à idéia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contra-poderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e controle das ações estatais.
5. pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência e, conseqüentemente, a temporalidade é constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;
6. única forma sócio-política na qual o caráter popular do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam novos direitos;
7. forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas ( contrariamente do que afirma a ciência política) não significam  mera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para escolher ocupantes temporários do governo.
Dizemos, então, que uma sociedade — e não um simples regime de governo — é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.
Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática democrática da representação  — o representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.
Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal,  seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia.
A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da  eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do  capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à informação.

II. Os meios de comunicação como exercício de poder
Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.
Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc..
No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de comunicação.
A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do denominamos a ideologia da competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.
A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.
Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de institui-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida.  O principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros  — em suma, o chamado “formador de opinião” e o “comunicador”.
Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um simples inculcação de valores e idéias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e cultural.
Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao período do Terror, durante a Revolução Francesa,  Hegel considerou que uma de suas marcas essenciais é afirmar que, por princípio, todos são suspeitos e que os suspeitos são culpados antes de qualquer prova. Ao praticar o terror, a mídia fere dois direitos constitucionais democráticos, instituídos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a presunção de inocência (ninguém pode ser considerado culpado antes da prova da culpa) e a retratação pública dos atingidos por danos físicos, psíquicos e morais, isto é, atingidos pela infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para assegurar esses dois direitos que as sociedades democráticas exigem leis para regulação dos meios de comunicação, pois essa regulação é condição da liberdade e da igualdade que definem a sociedade democrática.

III.
Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira ser espectadora de um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das pessoas é o objeto central do espetáculo: programas de auditório, de entrevistas e de debates com adultos, jovens e crianças contando suas preferências pessoais desde o sexo até o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à religiosidade, do ato de escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma música ou um balé até os hábitos de lazer e cuidados corporais.
As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas tornam-se cada vez mais consultórios sentimental, sexual, gastronômico, geriátrico, ginecológico, culinário, de cuidados com o corpo (ginástica, cosméticos, vestuário, medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da criação artística, literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no rádio e na televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar – ou se realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou o jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos, mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.
Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas especializarem-se cada vez mais em telefonemas a “personalidades” indagando-lhes sobre o que estão lendo no momento, que filme foram ver na última semana, que roupa usam para dormir, qual a lembrança infantil mais querida que guardam na memória, que música preferiam aos 15 anos de idade, o que sentiram diante de uma catástrofe nuclear ou ecológica, ou diante de um genocídio ou de um resultado eleitoral, qual o sabor do sorvete preferido, qual o restaurante predileto, qual o perfume desejado. Os assuntos se equivalem, todos são questão de gosto ou preferência, todos se reduzem à igual banalidade do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo” ou “achei horrível”.
Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está imersa na cultura do narcisismo.
Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os mass media tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade – para que algo seja aceito como real basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável Os fatos cedem lugar a declarações de “personalidades autorizadas”, que não transmitem informações, mas preferências e estas se convertem imediatamente em propaganda. Como escreve Lash, “sabendo que um público cultivado é ávido por fatos e cultiva a ilusão de estar bem informado, o propagandista moderno evita slogans grandiloqüentes e se atém a ‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é informação”.
Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A resposta encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às entrevistas, aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e jornais, aos comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado. Assim, as relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm um papel decisivo. As relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão.
Não é casual, mas uma conseqüência necessária dessa privatização do social e do político, a destruição de uma categoria essencial das democracias, qual seja a da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a Revolução Francesa de 1789), era definida como a expressão, no espaço público, de uma reflexão individual ou coletiva sobre uma questão controvertida e concernente ao interesse ou ao direito de uma classe social, de um grupo ou mesmo da maioria. A opinião pública era um juízo emitido em público sobre uma questão relativa à vida política, era uma reflexão feita em público e por isso definia-se como uso público da razão e como direito à liberdade de pensamento e de expressão.
É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”. Com efeito, a palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública racional de interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso, um fundo não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona o não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de preferências, gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os acontecimentos da vida social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos pessoais. Em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos.
Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais esclarecedor do que os instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras ou na tela os participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos, enquanto locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os participantes fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que foram testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e a televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas. Esclarecedor, porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se dão, criar a versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e o próprio acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os participantes “sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em contrapartida, o locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica o acontecimento.
É possível perceber três deslocamentos sofridos pela idéia e prática da opinião pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da idéia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma classe social pela idéia de expressão em público de sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais; o segundo, como também observamos, é a substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público pelo poder de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa expressão “formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e jornalistas; o terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma mudança na relação entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das tecnologias eletrônica e digital e da formação de oligopólios midiáticos globalizados (alguns autores afirmam que o século XXI começou com a existência de 10 ou 12 conglomerados de mass media de alcance global). Esse terceiro deslocamento se refere à forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos profissionais dos meios de comunicação. Esses deslocamentos explicam algo curioso, ocorrido durante as sondagens de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2006: diante dos resultados, uma jornalista do jornal O Globo  escreveu que o povo estava contra a opinião pública!
O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo impresso. Em tempos passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal era fundamentalmente um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía opiniões e as exprimia: isso era feito, de um lado, pelos editorais e por artigos de não-jornalistas, e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia (escolha das manchetes e do “olho”, determinação da página em que deveria aparecer e na vizinhança de quais outras, do tamanho do texto, da presença ou ausência de fotos, etc.). Ora, com os meios eletrônicos e digitais e a televisão, os fatos tendem a ser noticiados enquanto estão ocorrendo, de maneira que a função noticiosa do jornal é prejudicada, pois a notícia impressa é posterior à sua transmissão pelos meios eletrônicos e pela televisão. Ou na linguagem mais costumeira dos meios de comunicação: no mercado de notícias, o jornalismo impresso vem perdendo competitividade (alguns chamam a isso de progresso; outros, de racionalidade inexorável do mercado!).
O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é apresentada de forma mínima, rápida e, freqüentemente, inexata – o modelo conhecido como News Letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. Os jornalista passam, assim, o ocupar o lugar que, tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e, além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas dos jornais.
Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último, têm conseqüências graves sob dois aspectos principais:
1) uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a opinião pública, pode sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria realidade, isto é, sua opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada como um acontecimento real ;
2) os efeitos da concentração do poder econômico midiático. Os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a idéia de opinião pública. Hoje, porém, os  conglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e avaliam em termos de custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo escrito ou da imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.
Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação da verdade e da falsidade em questão de credibilidade e  plausibilidade.  Rápido, barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da opinião pública.
De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria dos noticiários nos jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as notícias são apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no espaço e no tempo.
Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças próprias do espaço percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e territoriais são ignoradas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.
Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo e só permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer o espetáculo de sua transmissão.
Como operam efetivamente os noticiários?
Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na forma das notícias de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando para o sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da noite e buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de noite. Em segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam desagradar o patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela construção deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em seqüência, apresentam, no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais, sinalizando o sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com ênfase em crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o perigo; passam às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos (maremoto, terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo; mas concluem com as notícias nacionais, enfatizando as idéias de ordem e segurança, encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E, nos finais de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre animais (nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro, proteção a espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento de bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o mundo vai bem, obrigado.
Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no  tempo. Como desconhecemos as determinações econômico-territoriais (geográficas, geopolíticas, etc.) e como ignoramos os antecedentes temporais e as conseqüências dos fatos noticiados,  não podemos compreender seu verdadeiro significado. Essa situação se agrava com a TV a cabo, com emissoras dedicadas exclusivamente a notícias, durante 24 horas, colocando num mesmo espaço e num mesmo tempo  (ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.
Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade das imagens transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet. Entretanto, como o que vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas, comentadas e interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso reconhecer que a TV é o mundo ou que a internet é o mundo.
A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as mensagens e  entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas num mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação multimídia  a própria realidade fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do universo.
Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da informação pelas empresas de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto de vista da ação política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por quebrar esse monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da informação, como também por promover acontecimentos políticos de afirmação do direito democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais não possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar, não possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar, desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.
Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca, portanto, é saber quem detêm o controle dessa massa cósmica de informações.  Ou seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que controla a sociedade, quem utiliza essas informações, como e para que as utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato técnico, que define a operação da informática, qual seja, a concentração e centralização da informação, pois  tecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já coletados.

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.