O papel moderno da imprensa, no mundo, tem dois divisores de água.
O primeiro, legítimo, o episódio Watergate, no qual um jornal (The Washington Post), com um jornalismo rigoroso e corajoso, logrou derrubar o presidente da República da maior nação democrática do planeta.
O segundo, tenebroso, o processo ao qual foi submetido o magnata da mídia, Rupert Murdoch, depois de revelados os métodos criminosos do seu tabloide, The Sun, para obter reportagens sensacionalistas.
O crime do The Sun foi ter se envolvido com baixos e médios escalões da polícia para atentar contra o direito à privacidade de cidadãos ingleses.
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O relatório da CPMI de Cachoeira traz dados muito mais graves do que os crimes do The Sun. Mostra ligações diretas entre jornalistas e o crime organizado.
A acusação maior é contra a revista Veja e seu diretor em Brasília, Policarpo Jr. O relatório mostra, com abundância de detalhes, como Policarpo era acionado para derrubar autoridades e servidores públicos que incomodassem Carlinhos Cachoeira, atacar concorrentes do marginal e como encomendava dossiês a ele, muitos obtidos por métodos criminosos.
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Já em 2008, a série “O caso de Veja” – que publiquei na Internet – mostrava os resultados dessa parceria.
Um esquema aliado de Cachoeira havia sido afastado dos Correios pelo esquema Roberto Jefferson. Jairo (o araponga de Cachoeira) armou um grampo em cima de um diretor, Maurício Marinho, recebendo propina de R$ 3 mil. A gravação foi entregue a Policarpo, que a considerou insuficiente. Providenciou-se outra gravação, aprovada por Policarpo.
Divulgado o grampo, caiu toda a estrutura montada por Jefferson e entrou a de Cachoeira. Veja compactuou com o novo grupo, mesmo sendo Policarpo conhecedor íntimo do esquema criminoso por trás dele.
Dois anos depois, a Polícia Federal implodiu o novo esquema. E a revista manteve-se em silêncio, preservando Cachoeira.
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Nos estudos sobre as chamadas OrgCrim (organizações criminosas), em nível global, identificam-se braços nos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e também na mídia. O relatório descreve bem as funções da organização de Cachoeira no país.
Cachoeira ajudou a eleger o ex-senador Demóstenes Torres. Veja transformou-o em uma figura política poderosa, com sucessivas matérias apontando-o como o paladino da luta contra a corrupção. Com o poder que se viu revestido por Veja, Demóstenes transitava em repartições, junto a Ministros do Supremo, aumentando o poder de lobby da quadrilha de Cachoeira.
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Veja é um ponto fora da curva no jornalismo brasileiro. Mas não ficou sozinha nessa parceria com o crime.
Um levantamento sobre as premiações do jornalismo investigativo nas últimas décadas vai revelar como fontes, em muitos casos, lobistas e criminosos da pior espécie.
Não apenas isso. Poderiam ser utilizados como fonte e suas informações servirem de ponto de partida para investigações mais aprofundadas. Mas eram utilizadas a seco, sem passar sequer pelo teste da verossimilhança, sem nenhum filtro, fuzilando reputações e, principalmente, atentando contra o próprio exercício do jornalismo.