Ontem, correu a rede a foto da piscina de alguém, entre Pomerode e
Rio dos Cedros (região de Blumenau, Santa Catarina) que,
caprichosamente, desenhou um suástica no fundo da piscina de sua casa.
Fotografado por um piloto de helicóptero, o “mimo” – concluiu a
polícia – não constitui crime, porque é “para culto próprio” e não para
apologia pública, embora se possa duvidar que um hitlerista, depois de
enxugar-se na toalha, adote posturas democráticas.
Lembrei-me do episódio ao ler o vigoroso
artigo do ex-promotor e professor de Direito Cézar Roberto Bitencourt, a quem não conheço senão do que está escrito ali.
E de uma teoria que, ao contrário daquela famosa do “domínio do fato”, não se ousa assumir.
O “Direito Penal do Inimigo”, também alemã (
Feindstrafrecht) uma
emanação jurídica neonazista que, pouco confessadamente, está na raiz
das práticas jurídicas discriminatórias que, mundialmente, têm seu
símbolo maior na prisão de Guantánamo, onde os presos não são exatamente
seres humanos como eu e você.
Elevada ao extremo e despida das sofisticações, tem a mesma linha de
justificação daquela do matador de moradores de rua em São Carlos (SP),
alegando que
eles “não pagavam imposto” e não eram “úteis à sociedade”.
Apesar de não serem judeus,
nein, mein Füher?
Originalmente usado para a criminalização dos “indesejáveis”, sejam
islamitas, pobres, negros, etc, parece este tal “direito penal” tomou
conta de nosso Judiciário e de sua instância mais alta: o Tribunal da
Mídia.
Transcrevo, para que o leitor e a leitora reflita, trechos do texto
de Bitencourt onde trata das violações constitucionais – e morais – do
que vem acontecendo nesta “delação premiada” que é apresentada hoje
quase como um “banho no Rio Jordão” para criminosos.
“Como se tivesse descoberto uma poção mágica, o legislador
contemporâneo acena com a possibilidade de premiar o traidor — atenuando
a sua responsabilidade criminal — desde que delate seu comparsa,
facilitando o êxito da investigação das autoridades constituídas. Com
essa figura esdrúxula o legislador brasileiro possibilita premiar o
“alcaguete”, oferecendo-lhe vantagem legal, manipulando os parâmetros
punitivos, alheio aos fundamentos do direito-dever de punir que o Estado
assumiu com a coletividade.”
Não é preciso escrever os nomes de São Paulo Roberto Costa ou do beato Yussef, não é? Mas, adiante:
“Note-se que, ainda que seja possível afirmar ser mais positivo
moralmente estar ao lado da apuração do delito do que de seu
acobertamento, é, no mínimo arriscado apostar em que tais informações,
que são oriundas de uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras
em seu conteúdo. Certamente aquele que é capaz de trair, delatar ou
dedurar um companheiro movido exclusivamente pela ânsia de obter alguma
vantagem pessoal, não terá escrúpulos em igualmente mentir, inventar,
tergiversar e manipular as informações que oferece para merecer o que
deseja. Com essa postura antiética, não se pode esperar que o delator
adote, de sua parte, um comportamento ético e limite-se a falar a
verdade às autoridades repressoras; logicamente, o beneficiário da
delação dirá qualquer coisa que interesse às autoridades na tentativa de
beneficiar-se. Essa circunstância retira eventual idoneidade que sua
delação possa ter, se é que alguma delação pode ser considerada idônea
em algum lugar.”
E como se obtêm estas delações?
(…)pelas informações vazadas na mídia, essas nulidades e
inconstitucionalidades são pródigas na “colaboração premiada” celebrada
na “operação lava jato”, com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto
Costa. Trata-se, a rigor, de um “acordo de colaboração premiada” eivado
de nulidades, mas nulidades absurdamente grotescas, ou seja, decorrentes
de negação de garantias fundamentais impostas pelo Ministério Público
(negociador da delação) a referido réu e ao seu defensor!
Pelo que vazou, foram violadas, dentre outras, as garantais
fundamentais da ampla defesa, do devido processo legal, do direito ao
silêncio, de não produzir prova contra si mesmo, direito de não se
autoincriminar etc. Ou seja, foi imposto ao “delator” que renunciasse
{pode ?!} — a todos esses direitos constitucionais —, inclusive direitos
de ações (afastando a jurisdicionalidade do cidadão). Afinal, desde
quando as garantias fundamentais do direito de ação, do devido processo
legal, da ampla defesa podem simplesmente ser renunciadas por alguém,
ainda mais na imposição de uma delação premiada?
Diz um dos promotores do caso,
Manoel Pastana,
como se as consegue: “o passarinho pra cantar precisa estar preso”. Os
delegados de polícia, há tempos (e alguns ainda hoje) ainda proveitam
para “dependurar” num poleiro passarinhos, não é?
Voltem0s ao professor Bitencourt:
“Prende-se para investigar, prende-se para fragilizar, prende-se
para forçar a confissão e, por fim, prende-se para desgastar, subjugar,
ameaçar e forçar a “colaboração premiada”! Aliás, a própria autoridade
repressora reconhece, oficialmente, em seu parecer, que esse é o
objetivo maior das prisões e tem sido exitoso: arrancar a confissão e
forçar a “delação”! Retornamos à Idade Média, quando às ordalhas e a
tortura também tinham objetivo de arrancar a confissão, e também eram
cem por cento exitosas! Só falta torturar fisicamente, por que
psicologicamente já está correndo!”
E tudo isso aplaudido pela “mídia democrática”, com seus juristas
padrão Merval, sob o silêncio da Ordem dos Advogados e da postura
histérica que quer transformar a esquerda em “mãe da corrupção”ou, como
diz Aécio Neves, em uma “organização criminosa”.
Aquela suástica no fundo da piscina não aparece quando as águas estão turvas e agitadas.