EDUGUIM
A resiliência do racismo na internet vem se mostrando altíssima desde que, de há alguns poucos anos para cá, as redes sociais se popularizaram com força surpreendente no país.
Levantamento algo recente do IBGE, realizado no último trimestre de 2014, mostra que a presença de brasileiros no Facebook não para de crescer. Hoje, 92 milhões de pessoas acessam a plataforma todos os meses.
Estamos falando de nada mais, nada menos do que de 45% da população brasileira.
O lado positivo dessa forte inclusão digital contrasta com um preço a pagar pelo progresso: o uso da rede para cometer crimes, com destaque para os crimes contra a honra.
O anonimato, apesar de não ser total – é possível, com tempo e dinheiro, desmascarar qualquer perfil falso -, é difícil de ser quebrado. Além da necessidade de autorização judicial para rompê-lo, há que contratar peritos etc., a menos que a agressão seja notória e tipificada em lei, como no caso do racismo.
Não passa uma semana sem que este blogueiro receba denúncias de leitores sobre algum perfil de rede social ou comentárista de sites que incite à violência ou que cometa atos de racismo ou outros tipos de discriminação.
Porém, esse tipo de crime só ganha possibilidade (baixa) de elucidação quando envolve alguma celebridade, como nos recentes casos envolvendo a “moça do tempo” do Jornal Nacional, Maria Júlia Coutinho, e, agora, a atriz global Tais Araújo.
Nesses casos, a publicização do ato criminoso faz com que as autoridades – polícia, Ministério Público – chamem para si o encargo de elucidar tais crimes, o que não ocorre quando a vítima é um cidadão comum. Nesse caso, as autoridades se recusam a agir, empurrando a responsabilidade – e os custos – para o agredido.
Diante disso, a esmagadora maioria das vítimas de crimes contra a honra ou até de crimes racistas acaba “deixando para lá”, o que alimenta fartamente os criminosos.
Nesse aspecto, o caso envolvendo a “moça do tempo” da Globo revela quão grande é a dificuldade de localizar e punir criminosos digitais. Apesar da grande notoriedade que o caso ganhou, com mais de uma reportagem no maior telejornal do país, acabou ficando tudo por isso mesmo.
A imprensa chegou a noticiar que um dos agressores de “Majú” foi identificado; um adolescente. Os outros, todos, escaparam ilesos e não se tem notícia de punição ao menor.
É recorrente: quando o caso “esfria”, as autoridades “relaxam” e, em pouco tempo, não se fala mais do assunto.
O caso Taís Araújo, porém, acaba de ganhar a possibilidade de se tornar o primeiro crime de racismo a ter punição exemplar dos autores.
Eis o que diferencia esse caso dos outros: a delegacia especializada conseguiu identificar um grupo de 30 pessoas, do Rio e de São Paulo, que se reuniu por meio de um grupo no WhatsApp para promover ataques contra Taís.
Isso só ocorreu porque um dos envolvidos, um jovem de 18 anos, de São Paulo, postou um comentário no Facebook dizendo que não tinha medo de ser identificado e postou o nome completo e o CPF. Através dele, a polícia identificou o grupo.
Em entrevista ao Jornal Nacional, o delegado Alessandro Thiers, de uma Delegacia carioca de Repressão a Crimes Digitais, informou a identificação do que chamou de “quadrilha” e que, ao se confirmar essa informação, haveria como tipificar a ação desse grupo como crime de racismo, o que importa em penas mais altas aos envolvidos.
A arrogância do tal “jovem de 18 anos”, portanto, ironicamente pode permitir a primeira apreensão de criminosos racistas.
Com efeito, o que desestimula a prática de crimes é a punição exemplar dos criminosos. A civilização usa o exemplo da punição para dissuadir o cometimento de crimes. Desse modo, se a impunidade incentiva a prática de crimes, a punição desincentiva.
Resta saber, porém, até onde vai a vontade das autoridades de realmente elucidar e punir esse crime – ou crimes como esse.
É difícil não suspeitar de uma certa leniência proposital com um tipo de crime que, via de regra, é cometido por pessoas de classe média ou alta, já que, em nosso país, as classes sociais mais humildes são compostas, majoritariamente, por aqueles que são vítimas de racismo.
Ou seja: negros – ou descendentes de negros cuja aparência “denuncie” sua etnia, já que muito descendente de negro não tem características marcantes da etnia.
O importante neste momento, portanto, é não relaxar, não esquecer, não desistir, pois, até aqui, a Lei Caó, que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor no país, praticamente não tem sido usada.
Não se tem notícias de punições exemplares de crimes dessa natureza. Mesmo as punições mais leves a racismo, via tipificação de injúria racial, raramente ocorrem – pelas razões supracitadas.
Para o procurador do Ministério Público de São Paulo Mário Sarrubbo, o número de ocorrências no Brasil poderia ser menor se os culpados fossem condenados e punidos de verdade. Porém, não é o que acontece.
Injúria racial, tipificação mais branda de crimes racistas e que pode resultar em pena de um a três anos de prisão, pode ser revertida em prestação de serviços comunitários, o que também colabora para a impunidade.
É muito cedo para dizer que o caso Taís Araújo dará em alguma coisa. Porém, se essa quadrilha de três dezenas de pessoas for desbaratada, o Brasil poderá assistir à primeira punição de verdade ao racismo em toda a sua história – sim, por incrível que pareça não há notícia de alguém ter ido parar na cadeia por crimes racistas.
Nesse caso, o resultado da investigação, em havendo real “vontade política” das autoridades em punir, é promissor.
O fato de três dezenas de pessoas estarem envolvidas pode configurar formação de quadrilha, o que eliminaria a possibilidade da tipificação mais branda, como “injúria racial”.
A imagem de dezenas de pessoas sendo condenadas criminalmente e, no limite, amargando uma temporada atrás das grades faria justiça à maioria afrodescendente do povo brasileiro.
Não seria pouco, pois não?