A reação ao médico que xingou mineiros e nordestinos
publicado em 11 de novembro de 2014 às 12:51
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Não dá pra ficar calado!!!
por Hudson Vilas Boas, que como o médico é de Poços de Caldas, no Dissolvendo no Ar
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou
judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro
vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei.”.
Mas “no quarto dia vieram e me levaram. Já não havia ninguém para
reclamar”.
(Martin Niemoler)
Ao ler a famosa frase do pastor luterano nascido na Alemanha e
testemunha dos horrores da Segunda Guerra Mundial, simplesmente não dá
para ficarmos calados diante da onda de ódio, preconceito e intolerância
que toma conta de alguns setores ditos “politizados” do Brasil.
Escolhermos nos calar nesse instante, significa pecarmos por omissão
diante do monstro que aos poucos vai sendo fomentado por uma elite que
se recusa a repartir até migalhas, quanto mais construir uma sociedade
minimamente civilizada e que faça jus, ao menos, de ser chamada de
democrática.
Estou lendo com muita atenção a obra recém lançada do filósofo
francês Jacques Rancière“Ódio à
Democracia” e é incrível perceber o
quanto a conquista de direitos por minorias – entendamos por minoria os
oprimidos política, cultural e economicamente – traz consigo a
intolerância daqueles que antes detinham determinados privilégios.
Temos vivido isso nessas primeiras semanas pós eleições. Na verdade
uma certa onda de intolerância e preconceito já nos ronda bem antes da
campanha desse ano. Quem não se lembra da frase recheada de preconceitos
jactada por Jorge Bornhausen em 2005?
Naquela oportunidade o então senador pelo PFL de Santa Catarina expôs
o sentimento de muitos dos seus confrades ao se referir ao PT, seus
membros e simpatizante como “raça” – “Vamos acabar com essa raça. Vamos
nos ver livres dessa raça por pelo menos 30 anos”.
No entanto, após promulgado o resultado da última eleição
presidencial em que sagrou-se vencedora a presidenta candidata a
reeleição, todo e qualquer pudor foi prontamente deixado de lado e foram
retirados do armário esqueletos de intolerância, ódio e preconceito.
O fascismo deixou de ser apenas flertado por parte de nossa “elite” e
foi assumido sem nenhum rubor. Os militares chamados de volta e o
Brasil, do dia para a noite, se converteu numa república bolivariana,
comunista, soviética…
Nesse contexto pobres, negros, mulheres, militantes dos mais diversos
movimentos sociais, sindicalistas, homossexuais, defensores dos
direitos humanos, mas sobretudo nordestinos (esses nos últimos dias
ganharam a companhia de cariocas e mineiros) passaram a ser tratados
como escória da humanidade e sujeitos incapazes de participar de forma
plena da sociedade, tendo que ser constante e permanentemente tutelados.
Todo esse “povo” que faz parte da sociedade brasileira, na visão
elitista forma um grupo de preguiçosos, indolentes, inaptos, idiotas que
se vendem em troca dos parcos benefícios oriundos dos programas sociais
financiados pelos exorbitantes impostos pagos por quem realmente
trabalha, mas é massacrado diuturnamente pela presença do Estado
aparelhado pela camorra que dele se apropriou há 12 anos.
Portanto, nada mais justificável do que, por exemplo, chamar
nordestinos de antas, mineiros de burros e ao mesmo tempo clamar para
que uma intervenção militar livre o Brasil desse governo corrupto
bolivariano, comunista, soviético…
É essa visão preconceituosa, divorciada de qualquer nexo com a
realidade, difusora do discurso do ódio, da intolerância e do
autoritarismo que somos obrigados a combater se quisermos de fato
avançar na construção de uma sociedade mais justa, mais igual, mais
democrática.
Se quisermos de fato sairmos do atual estágio de democracia meramente
formal para alcançarmos aquilo C. B. Macpherson chama de democracia
substancial. Democracia substancial é justamente aquela cujos poderes
transpassam a esfera das instituições estatais e torna a sociedade civil
organizada sua co-protagonista.
Infelizmente não conseguiremos chegar a tanto enquanto parte de nossa
sociedade preferir viver na Idade das Trevas ao invés do século XXI.
Ontem eu estava lendo um artigo dedicado a contar um pouco da
história do Partido Operário Social Democrata da Suécia e seus
ininterruptos e incríveis 40 anos no poder.
Não dá pra comparar Suécia com Brasil e menos ainda o sistema
parlamentarista dos escandinavos com nosso presidencialismo torto. Mas o
que achei interessante é que em muitos momentos houve na Suécia um
consenso entre governo e oposição em torno de temas que mudariam a face
da sociedade sueca.
Como pensar em algo assim no Brasil quando o partido que perde uma
eleição sequer reconhece sua derrota? Pior, acaba com isso incitando
(diretamente ou não) o clima de nós contra eles, de Brasil dividido por
conta do mapa eleitoral.
Pena, ainda estamos anos-luz de sermos uma sociedade minimamente
civilizada. Ainda falta muito para termos uma sociedade na qual haja uma
defesa intransigente das liberdades individuais e radical dos direitos
coletivos.
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