Paulo Moreira Leite,
diretor do 247 em Brasília, conta em seu blog fatos inéditos sobre a
decisão do governo Dilma de não assinar o documento "Declaração de Nova
York sobre Florestas", "um texto de cinco páginas" apresentado como
"pacto" ou "acordo" da ONU contra o desmatamento, mas que "não vem a ser
uma coisa nem outra", segundo ele; Marina Silva chamou ato de
"lamentável", seguida por Aécio Neves; PML expõe bastidores sobre a
exclusão da diplomacia brasileira na elaboração do documento e o
posicionamento do Acre, estado natal da candidata do PSB, que assinou o
texto apesar da decisão da presidente; para ele, "ao cobrar assinatura
de Declaração apoiada por apenas 1/7 dos países-membros da ONU, a
oposição mostra que atira para qualquer lugar na campanha presidencial"
247 – O debate criado pela não assinatura, por parte
do governo brasileiro, da "Declaração de Nova York sobre Florestas", um
"texto de cinco páginas" e que vem sendo apresentado como "pacto" ou
"acordo" das Nações Unidas contra o desmatamento, mas que "não vem a ser
uma coisa nem outra", mostra que a oposição "atira para qualquer lugar
na campanha presidencial", escreve Paulo Moreira Leite, em nova coluna
em seu
blog no 247.
O jornalista traz fatos inéditos e relevantes sobre o episódio, que
provocou críticas de Marina Silva contra a presidente Dilma Rousseff.
Para a candidata do PSB, a atitude do Brasil em não se comprometer com o
"pacto" pelo desmatamento das Nações Unidas foi "lamentável". A
presidenciável logo foi seguida pelo adversário do PSDB, Aécio Neves, em
suas críticas.
PML minimiza, no entanto, o chamado "acordo" da ONU. Trata-se de "um
texto diplomaticamente paralelo: não foi votado nem debatido em nenhuma
instância deliberativa da ONU", além de assinado por mais empresas (34) –
multinacionais como Cargill e Mc Donald´s – do que países (27). "No
total, apenas 1/7 dos países-membros da ONU assinaram o documento", diz.
"A lista de quem ficou de fora, que chega a 166 países, inclui Itália,
Espanha e Portugal", acrescenta Paulo Moreira Leite.
O colunista descreve ainda como o Brasil foi excluído dos debates que
resultaram na elaboração do documento e o fato de o Acre, estado natal
de Marina Silva, ter assinado o texto, na condição de um estado
"subnacional" brasileiro. "Se fosse uma decisão séria e grave, teria
sido um ato de secessão ucraniana — pois os subnacionais peruanos
acompanharam a diplomacia do presidente do país", observa. Além disso,
consta do texto que o governo brasileiro recebeu a primeira notícia
sobre o documento no dia 21 de agosto – por coincidência, um dia depois
de o PSB confirmar a chapa Marina Silva-Beto Albuquerque para disputar a
eleição presidencial.
Dilma vai a Nova York e adversários perdem rumo de casa
PML na íntegra.
Ao cobrar assinatura de Declaração apoiada por apenas
1/7 dos países-membros da ONU, oposição mostra que atira para qualquer
lugar na campanha presidencial
Quando se recorda que a ONU possui 193
países-membros, é obrigatório refletir pelo menos um minuto sobre a
representatividade de uma declaração assinada pelos governos de 27
países — ou menos de um sétimo do plenário nos raros dias de casa cheia.
Mas como o Brasil se encontra no vale tudo da reta final da campanha
presidencial onde o condomínio Lula-Dilma pode cravar a quarta vitória
consecutiva, a ausência da assinatura do governo brasileiro provocou um
debate para consumo interno a menor relação com a relevância de um
texto de cinco páginas intitulado “Declaração de Nova York sobre
Florestas.”
O texto da declaração tem sido apresentado como “pacto” ou
“acordo”, quando não vem a ser uma coisa nem outra. Trata-se de uma
declaração de intenções — algumas boas, outras razoáveis, outras ruins —
mas especialmente confusas. É um texto diplomaticamente paralelo: não
foi votado nem debatido em nenhuma instância deliberativa da ONU, nem
mesmo pela Secretaria Geral e muito menos pelos organismos voltados para
o meio ambiente. É assinado por mais empresas (34) do que que países,
entre elas gigantes com um passivo de denúncias ambientais, como a
Cargill e a Mc Donald´s. Numa miscelânea pós-moderna, o número de ONGs
chega a 45. As nações e entidades ligadas à causa indígena são 16. Do
ponto de vista técnico, a Declaração mistura conceitos contraditórios e
aponta para soluções reconhecidamente impraticáveis.
Num comportamento que leva observadores mais zangados a se perguntar o
que não se faz por um patrocínio num conjuntura de vacas magérrimas
para causas que não ajudam a pagar o almoço de amanhã, um anexo do
documento faz questão de falar bem de grandes grupos multinacionais —
Nestlé, Unilever, Wal-Mart, Danone, Carrefour, Kellogg’s — que têm feito
“progresso para eliminar o desmatamento da cadeia de suprimentos” sem
perder a oportunidade de registrar referências positivas a parcerias
com ONGs.”
O documento recebeu assinatura do Reino Unido, hoje adversário
agressivo do Brasil em encontros diplomáticos, Alemanha e Estados
Unidos, além de países menos desenvolvidos, como Colômbia, Peru,
Guiana, Libéria, Mongólia e Nepal. A lista de quem ficou de fora, que
chega a 166 países, inclui Itália, Espanha e Portugal. Nenhum parceiro
do Brasil no condomínio chamado Brics — China, Índia, Rússia e África do
Sul — assinou o documento.
Num esforço que ajudou a dar volume à lista de assinantes, a
coluna de signatários é engordada por oito estados “subnacionais”, um
nome fictício, culturalmente questionável, para falar de governos
estaduais ou províncias. Destes oito, sete são peruanos. Há um estado
“subnacional” brasileiro. O Acre do governador Tião Viana, do PT, deixou
seu autógrafo na declaração. Se fosse uma decisão séria e grave, teria
sido um ato de secessão ucraniana — pois os subnacionais peruanos
acompanharam a diplomacia do presidente do país.
Há um elemento curioso neste estado “subnacional” brasileiro. Em
18 de agosto de 2014, quando faltavam dois dias para Marina Silva
oficializar sua candidatura presidencial, ocorreu uma mudança importante
no primeiro escalão do governo do Acre. Seu marido, Fábio Vaz, deixou o
governo petista. Até então, Fabio era secretario-adjunto, empossado em
2011, encarregado de políticas de desenvolvimento florestal — exatamente
o tipo de assunto que foi debatido nos encontros diplomáticos que
produziram a “Declaração de Nova York.”
Na semana passada, a candidata presidencial (e mulher de Fábio Vaz)
Marina Silva classificou a ausência da assinatura do governo brasileiro
como “lamentável.” Como previsível, Aécio Neves reagiu no mesmo tom.
Dilma esclareceu que o governo não foi convidado a discutir o
conteúdo do documento — mas apenas para assinar, ou não, um texto final,
fechado, que não era mais sujeito a alterações nem acréscimos.
Na prática, é possível considerar razões favoráveis e desfavoráveis
para assinar o documento, mesmo sem concordar inteiramente. Acontece
todos os dias na diplomacia. Um motivo a favor é que, num anexo, o
documento faz referências elogiosas ao Brasil, que poderiam ser úteis
para o governo comprar o debate sobre seu desempenho ambiental,
inclusive na campanha.
O texto diz que “o Brasil demonstrou que o progresso (contra o
desmatamento) pode ser obtido em larga escala.” Usando números que
permitem comparar o desempenho de Lula-Dilma com a gestão de Fernando
Henrique, o documento afirma: “Em 2013, o Brasil reduziu o desmatamento
em 71%, quando se compara com a média de 1996-2005.”
O texto faz ainda uma afirmação que deixa os críticos do desempenho
ambiental do governo de cabeça baixa. Está lá: “pelo tamanho das
emissões evitadas, (o Brasil) pode muito bem ser o maior caso de sucesso
até a hoje, globalmente, em qualquer setor.”
Você leu isso mesmo: “maior caso de sucesso, globalmente, em qualquer
setor.” São governos dos EUA, França, Alemanha, mais quatro dezenas de
ONGs que assinam isso.
Há outras questões além do marketing, porém. O documento — em fase de
pegar ou largar quando foi apresentado ao Brasil — estabelece meta zero
para o desmatamento.
O problema é que o Congresso brasileiro acabou de aprovar uma
legislação, negociada longamente, definindo limites para o desmatamento.
Podem chegar a 50% numa região, 35% em outras, 20% mais adiante. Não
se fala em desmatamento zero nem isso seria possível — pois qualquer
criança que já cuidou das plantas do jardim de casa dos avós sabe que
sem algum nível de desmatamento não é possível trocar os cravos brancos
pelas rosas vermelhas, e muito menos manter a agricultura como atividade
básica para a sobrevivência humana.
Quem acompanha a postura diplomática do Brasil sob o governo Lula e
Dilma, sabe que o país faz o possível para evitar entrar em festa pela
porta dos fundos nem aceita ultimatos. No segundo turno da campanha
presidencial de 2010, lideranças do Partido Verde promoveram um ato de
apoio a Dilma. Até assessores de Marina estavam presentes. Na última
hora, militantes do Greenpeace resolveram fazer uma cena: abriram uma
faixa pedindo que Dilma assinasse o compromisso com o fim do
desmatamento. “Não assino documentos sem ler antes,” respondeu a
candidata. “E não faço demagogia para ganhar votos.”
A reconstituição dos fatos de 2014, que você irá ler a seguir,
mostra que o governo brasileiro — um protagonista mais do que
reconhecido dos debates ambientais desde a Rio 92 — foi deixado a margem
de uma discussão travada nos bastidores, por iniciativa de adversários
conhecidos de longa data.
A missão do Brasil na ONU tomou conhecimento da existência de que
havia “uma” declaração sobre florestas em 21 de agosto — por
coincidência, um dia depois do PSB confirmar a chapa Marina Silva-Beto
Albuquerque para disputar a eleição presidencial.
Pelo que se sabe, foi naquele dia que o governo brasileiro recebeu a primeira notícia.
Isso aconteceu numa conversa informal em Nova York, quando um
diplomata brasileiro foi informado a respeito por um colega da
Indonésia, país que participava dos debates fechados. Em 27 de agosto,
seis dias depois do primeiro encontro informal em Nova York, a missão
do Brasil recebeu, por email, uma cópia da versão do texto, com uma
advertência em inglês: “Final for approval.” No dia seguinte, a Missão
do Brasil encaminhou formalmente a declaração para a Secretaria
Executiva. Vinte dias depois, a Secretaria se manifestou. Admitiu que “o
governo brasileiro não participou da elaboração da ‘Declaração de Nova
York’ e tampouco foi procurado a respeito pelos proponentes da
iniciativa. ” No mesmo dia, diplomatas brasileiros solicitaram novas
informações, inclusive sobre a possibilidade de contribuir para o
documento.
Eles enviaram um email a Charle McNeill, do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, que coordenava debates que, em
teoria, teriam mais relação com a área ambiental da ONU. Este conformou
que o texto estava fechado e “em fase de adesão”, o que excluía qualquer
possibilidade de alteração.
Ao longo da semana, mesmo empresários de agro-negócio engajados em
campanhas adversárias, como Roberto Rodrigues, que foi ministro da
Agricultura no governo Lula, deram razão neste ponto. Entidades
ambientais se dividiram.
Se o enredo está claro, falta esclarecer algumas questões. A
“Declaração…”foi divulgada durante a Conferência do Clima, um evento que
reuniu 120 chefes do governo, dos quais 70% ficaram de fora do
documento. Reunindo ativistas do mundo inteiro, com apoio de sindicatos e
entidades populares dos países desenvolvidos, uma marcha que pedia
medidas efetivas pela preservação ambiental foi um sucesso de
mobilização. Reuniu meio milhão de pessoas nas ruas de Nova York.
“Chegou a haver engarrafamento de militantes na altura da rua 84″,
ironiza um participante brasileiro. Atividade preparatória para 2015,
quando haverá uma nova Conferência Ambiental em Paris, a Declaração
recuperou, por vias tortas, um debate que mobiliza países ricos e pobres
desde que a palavra ecologia foi pronunciada pela primeira vez.
Ao dar prioridade à preservação das florestas, o documento retoma o
costume de colocar a carga mais pesada do ambientalismo sobre a
população dos países pobres. O problema é que o desmatamento responde
por apenas 12% das emissões atmosféricas, enquanto outras emissões,
típicas dos países desenvolvidos, ficam com a maior parte. Imagine se,
com a crise infinita de 2008, que está levando o desemprego para a
Europa inteira, derrubando governos em toda parte, aqueles chefes de
Estado de sorriso amarelo do Velho Mundo irão fazer os desembolsos
bilionários que seriam necessários para modernizar seu parque industrial
— não para aumentar a produção, mas para diminuir a poluição.
“Num quadro de injustiça ambiental, as populações pobres são as mais
vulneráveis, principalmente em nossas cidades,” discursou Dilma, na
Conferência do Clima. “Historicamente, os países desenvolvidos
alcançaram o nível de bem estar de suas sociedades graças a um modelo de
desenvolvimento baseado em altas taxas de emissões de gases danosos ao
clima. Nos não queremos repetir esse modelo. Mas não renunciaremos ao
imperativo de reduzir as desigualdades e elevar o padrão de vida da
nossa gente. Nós, países em desenvolvimento, temos igual direito ao
bem-estar. E estamos provando que um modelo socialmente justo e
ambientalmente sustentável e possível.”